SALVADOR
Longe da ficção, Saramandaia luta contra desapropriações
Por Thaís Seixas

Dona Redonda caminha tranquilamente pelas ruas e ladeiras de Saramandaia. Mas esta não é uma cena de ficção, porque a personagem e Saramandaia existem na vida real. E qualquer semelhança com a teledramaturgia não é mera coincidência. A Dona Redonda desta história é a agente de saúde Patrícia Pereira Lima, de 32 anos, moradora da comunidade homônima à novela, localizada em uma área central da capital baiana. Assim como os outros 12 mil moradores, ela luta contra a desapropriação de cerca de 600 casas do bairro.
Localizada em uma região de intensa especulação imobiliária - atrás do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) e da rodoviária - a Saramandaia soteropolitana é classificada como uma Zona Especial de Interesse Social (Zeis). Criado dois anos após a primeira versão da novela global, escrita por Dias Gomes e exibida em 1976, o bairro receberá em sua área a construção de dois projetos de mobilidade urbana: a Linha Viva e a Linha 2 do Metrô.
Por conta disso, ao todo, três mil moradores terão que deixar suas casas, em decorrência das obras da Linha Viva - uma via expressa pedagiada que vai ligar a Rótula do Abacaxi à Estrada Cia-Aeroporto e será construída na faixa de domínio da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), abaixo da linha de transmissão de energia.
O presidente da Associação de Moradores de Saramandaia, José Luís Santos, acusa a prefeitura de não ter consultado a comunidade para a realização das obras. "Não houve audiências públicas para dar legitimidade ao projeto. Eles dizem que é ilegal construir casas embaixo da rede de alta tensão, mas então deveria ser ilegal também ceder a área à iniciativa privada. A Linha Viva é um verdadeiro 'Muro de Berlim', principalmente porque não tem possibilidade de passar transporte coletivo, apenas carros particulares", revela.
José explica que, além dos moradores, também serão afetadas diretamente a Fundação Cidade Mãe e as escolas municipais Risoleta Neves e Marisa Baqueiro Costa, que estão na área de construção de um dos viadutos do projeto. Mesmo que não sejam obrigadas a sair do local, as instituições serão prejudicadas pelo barulho dos carros, garante o presidente da associação.
Em entrevista ao Portal A TARDE, o secretário municipal de Urbanismo e Transporte, José Carlos Aleluia, defendeu os benefícios da via expressa para a cidade. Segundo ele, o projeto é autofinanciado e 90% de sua área estará em terras públicas. "O grande obstáculo é que existem muitas pessoas habitando sob o risco, embaixo de uma linha de grande tensão. O projeto tem a vantagem de realocar estas pessoas, que podem ser indenizadas ou receber casas nas proximidades", garante.
Os moradores, no entanto, afirmam que não há espaço disponível para a construção de novas casas nem áreas de lazer, que foram suprimidas pelo empreendimento Horto Bela Vista. As casas, escolas e o shopping do complexo, inaugurado em julho de 2012, ocuparam uma área antes integrada a Saramandaia e aos bairros de Pernambués e Cabula. Em contrapartida, segundo o engenheiro Victor Carmo, diretor de construção do empreendimento, foram realizados acordos individuais entre os empresários e as comunidades, mediadas pelo Ministério Público do Estado da Bahia.
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Acordo - Para Saramandaia, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) garantiu o investimento de R$ 400 mil, por danos de impacto, que ainda não foi repassado pelo Horto Bela Vista. A proposta inicial era que a verba fosse investida em uma área de lazer, com campos de futebol e uma quadra poliesportiva.
Victor explica que os projetos e o repasse dos recursos estão dentro do prazo estabelecidos pelo TAC. Questionado sobre a passagem da Linha Viva pela região da obra, o engenheiro explicou que a equipe do empreendimento soube desta intervenção recentemente.
"Isso é uma coisa nova e ainda não temos informação. Vamos ouvir a necessidade da comunidade e abrir a discussão sobre o investimento. Pode ser que a solução para esta questão da Linha Viva seja a oferta de cursos para os moradores", informou.
A comunidade também tomou conhecimento da Linha Viva somente após a escolha da área para receber o recurso, o que impediria a construção dos equipamentos esportivos. Aliada a esta "novidade", estava a construção do metrô, cujo projeto prevê a retirada do Detran e da rodoviária, que seriam deslocados para o bairro de Águas Claras. A data para esta mudança, no entanto, ainda não foi estabelecida.
Alex Sandro Lima, fundador e diretor da Associação Cultural Arte Consciente - que oferece aulas gratuitas de boxe, música e circo a crianças e adolescentes do bairro -, enfatiza que a mudança causada pelo metrô levará prejuízos à economia da região, pois muitos moradores trabalham como vendedores ambulantes e despachantes na área da rodoviária.
"O objetivo dos órgãos públicos é construir o metrô para as pessoas deixarem os carros em casa. Quer dizer, eles estão preocupados com o carro, mas não com a vida e a moradia da gente. Na verdade, eles querem empurrar todo mundo para o subúrbio e criar uma periferia única, para que os empresários fiquem nessa área do Iguatemi", afirma Alex Sandro.
Saramandaia existe - A assinatura do TAC motivou o grupo de pesquisa Lugar Comum, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Ufba, a desenvolver o Plano de Bairro de Saramandaia junto com a própria comunidade, com o objetivo de analisar os impactos causados pelo empreendimento e elaborar propostas para a região.
Iniciado em 2012, o grupo também passou a acompanhar os projetos da Linha Viva e da Linha 2 do Metrô, e deu início ao movimento Saramandaia Existe. De acordo com a professora Ana Fernandes, coordenadora do Lugar Comum, a proposta é tornar a comunidade visível no debate atual e impedir que ela seja esquecida pelos órgãos públicos.
"Nas últimas décadas, Salvador só cuidou de fazer grandes avenidas, onde não há escape na área de circulação. A Linha Viva vai ser um conjunto de viadutos e pedágios que se relacionam muito fracamente com a cidade. Outro problema é que ela passa por uma área de reserva ambiental que ainda temos, como a represa do Cascão", explica a pesquisadora.
Para mobilizar a população em prol da discussão sobre Saramandaia, o grupo criou uma página no Facebook e produziu um vídeo explicativo sobre a história e o momento atual do bairro. Confira:
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