SALVADOR
No meio da rua, no meio do povo
Waltinho Queiroz
Salvador, anos 60, Carnaval: caminhando pela Avenida Sete, eu e meus companheiros, sentindo a energia que começava a emanar das ruas, resolvemos fundar o nosso próprio bloco. No ano de 1964, com instrumentos emprestados da banda do Colégio Antônio Vieira, todos fantasiados de presidiários, todo mundo metendo a mão no couro, invadimos a avenida. Era o Jacu começando a se firmar como uma das mais belas experiências do Carnaval de rua da Bahia.
De repente, naquela hora linda em que a tarde começa a cair e a pressão começa a subir, recebemos uma inesperada e estúpida ordem de prisão. Tudo por causa do duplo sentido da faixa do bloco Há Jacu no pau.
Todos os nossos tambores danificados, os jovens corações assustados, mais ainda assim juramos perseguir o nosso sonho de folia: irreverência com poesia. A santa alegria contra o dragão da repressão.
Mais que um simples bloco, Jacu foi um grande encontro. Ao abolir a corda decretou a falência do egoísmo e apostou na utopia. Pelo menos, durante aqueles mágicos dias, ricos e pobres, velhos e jovens, pessoas de todas as cores puderam dar-se às mãos e brincar juntos. Enquanto a maioria dos homens da nossa geração, no Carnaval exilavam as namoradas, nós incentivávamos com alegria a participação das nossas.
Todos os nossos ensaios viravam grandes festas e todo o ano eu fazia uma nova música. Uma delas foi premonitória: numa segunda-feira de Carnaval, já de noitinha, O Jacu deu uma parada. Exausto, deitei num banco da Piedade. Só acordei no dia seguinte, a praça estranhamente vazia, dois teiús me encarando e eu pensando que tava vendo dois minijacarés. Depois, esfregando os olhos me dei conta que já era Quarta-feira de Cinzas...
No caminhão abre-alas reinava absoluta a transformista e cantora Valéria e o povo ia ao delírio! Muitas vezes o pano de uma mortalha era retalhado em tiras, permitindo uma família ou um outro grupo brincar no bloco com a anuência dos outros. Ninguém chiava. Era tudo jacu!
Celebridades tivemos muitas, mas não as cortejávamos com a voracidade dos camarotes e megablocos de hoje em dia transformando a festa num espetáculo de insensibilidade social, cujo o violento preço já estamos pagando todos. Enfim, fizemos e amamos um Carnaval que tinha limites, respeitava os seus ritos, celebrava a diversidade, tudo movido à paixão, alegria e birita... que ninguém é de ferro !
Waltinho Queiroz é poeta e compositor
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