SALVADOR
Padres Brancos querem levar jovens à África
Por Davi Lemos

Padres Brancos. Quem são eles? Seriam uma ordem católica que só admite em seus conventos, casas e paróquias padres de cor branca? Não. Os Missionários de Nossa Senhora da África, nome oficial da congregação, têm o carisma de evangelizar aquele continente e chegaram há um ano à capital baiana. Têm uma casa de formação na Federação e querem chamar jovens de Salvador para ir à África.
A ordem foi fundada em 1868 pelo cardeal francês Charles Lavigerie (1825 - 1892), que tem relação direta com a luta pelo fim da escravidão no Brasil e na África (ler coordenada). Ele era arcebispo de Argel, na Argélia, e depois foi nomeado para Cartago, quando se tornou primaz da África.
Como a ordem foi fundada na Argélia, e desde os seus primórdios foi profundamente marcada pelo contato com o mundo árabe e islâmico, tomou como hábito as vestes próprias usadas pelos povos da região.
O hábito nada mais é do que a gandoura - túnica branca usada pelos árabes, mas que em outras regiões recebe nomes diferentes, tais como dishdasha (Catar e Omã), thowb (Kuwait e leste da Arábia Saudita), qamiss (Arábia Saudita), suriyah (Líbia), jellabiya (outros países árabes).
Há ainda o burnous - capa que acompanha a gandoura, usada pelos árabes e berberes do Magreb - e o rosário de contas ao redor do pescoço, imitando os marabouts, místicos sufis do Norte da África, com os seus masbahas. O rosário no pescoço é que os identifica como católicos.
"Foi o povo argelino que nos deu o nome pelo qual somos mais conhecidos hoje: Padres Brancos. Estavam acostumados a ver padres com batinas pretas", explica o padre Ângelo Quim Hum Lee, 65 anos, superior da casa de formação em Salvador.
Chegada a Salvador
"A vinda para Salvador é muito mais devido ao nosso carisma. Não seria melhor estarmos numa cidade onde houvesse uma maioria de descendência africana?", disse o padre francês Hubert Roy, 85 anos. "Não trabalhamos só na África, mas no mundo africano", disse o padre Ângelo, nascido em Moçambique e filho de chineses, mas com nacionalidade francesa.
Padre Ângelo, um capítulo à parte, explica como se deu esta sua multiplicidade cultural. Filho de uma católica e um confucionista, diz que os pais deixaram a China na década de 1930. "Naquela época, a fome era muito grande". Aos 14 anos, tornou-se católico e escolheu o nome Ângelo. "Em homenagem à minha madrinha Ângela", diz. Uma das exigências de seu pai foi que ele mantivesse o nome chinês. "De outra forma, não seria batizado".
Ele foi estudar filosofia no Malawi e fez o noviciado e a teologia na França. Então usava passaporte português, pois Moçambique era colônia portuguesa. "Fui ordenado em 1978, mas nenhum dos meus pais esteve presente. Estavam em Moçambique (que já era independente de Portugal), que estava com um comunismo muito forte. Se eu fosse para lá, não sairia. Fui depois para a Zâmbia", conta.
Sem conseguir renovar o passaporte português, pois era exigido que tivesse pais lusitanos, usou por três anos passaporte do Vaticano. Conseguiu a nacionalidade francesa, pois lei daquele país beneficiava estrangeiros que tivessem feito estudos superiores lá.
Cajazeiras
Antes de instalarem a casa de formação na Federação, os Padres Brancos haviam chegado, há dois anos, à Paróquia Santa Mônica, em Cajazeiras. Lá o pároco é o padre Moussa Serge Hyacinthe Traore, de 42 anos, nascido em Burkina Faso.
Ele salienta que a presença dos Padres Brancos, além de ajudar na evangelização junto à Igreja no Brasil, busca também valorizar a África e a raiz africana. "Queremos conhecer a África no Brasil e mostrar esta característica da interculturalidade na Igreja", diz padre Serge.
"E queremos chamar jovens brasileiros para ser missionários na África. O Brasil tem 500 anos de evangelização e deve compartilhar esta graça", diz o sacerdote.
Um desses jovens é Pedro Augusto Ravazzano, de 26 anos, que aguarda visto para passar um ano no México. Depois passa meses no Canadá e segue para Burkina Faso, onde fará o noviciado. Após o noviciado, passará dois anos na Argélia ou na Mauritânia. Estudará teologia na África ou em Israel.
"Eu estava na Arquidiocese Militar do Brasil, onde estudei filosofia. Já estava certo que faria a teologia em Roma, onde também cursaria o mestrado. Mas decidi sair e ingressar nos Padres Brancos e ser missionário", conta o jovem soteropolitano.
Padre Serge diz que um dos princípios dos Padres Brancos é o diálogo inter-religioso. "Estive na Mauritânia, onde, por lei, ninguém pode deixar de ser muçulmano. Mas lá falei de Jesus, com a intenção de dialogar, e vivi como um deles", conta.
Em Burkina Faso, Serge diz que os cristãos são 20% da população; 60% são muçulmanos e há 59 tribos com religiões próprias. "Eu nasci na tribo bambará", diz.
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