DOENÇA SOCIAL
Poluição sonora na cidade é queixa de moradores em diferentes bairros
Além do incômodo, barulho causa perda auditiva, até chegar à surdez
Por Priscila Dórea
Um problema social e de saúde pública, a poluição sonora deve deixar cerca de 25% da população mundial com algum grau de perda auditiva até 2050, estima a Organização Mundial de Saúde (OMS). Até essa primeira quinzena de abril, foram registradas mais de 8.500 denúncias de poluição sonora na capital baiana, afirma a Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Sedur). Em 2022, foram 93.402 denúncias, uma média de 255 registros por dia.
“Quem não precisa conviver com isso diariamente, não entende o pacote de problemas que cai direto na porta de casa. Além da música alta, há muito barulho de gente, de carros, gritos, discussões e pessoas bêbadas na frente de seu lar. Até altas horas da noite, durante vários dias da semana. E claro, reclamar com eles ou acionar a fiscalização pouco adianta”, explica Carlos André (nome fictício), morador da região da Pituba - que junto a Itapuã, Rio Vermelho e Uruguai, são os bairros com mais denúncias na Sedur.
O morador conta que vive na região há mais de 20 anos e o número de bares aumentou demais nesse meio tempo, dando um ar quase boêmio a uma região bastante residencial. Quem também vem sofrendo com essa ‘superlotação’ de estabelecimentos comerciais são os moradores de Itapuã, que viram o número de bares crescer em praças que, antes, eram ponto de encontro de famílias. Essa mudança se deu principalmente após a requalificação da região, explica a arquiteta, urbanista, coordenadora do Cortejo das Baianas de Itapuã e membro da Associação de Moradores de Itapuã (AMI), Rose Santiago.
Moradora nativa da região, Rose se emociona ao lembrar de como o bairro era anos antes. “É diferente para alguém que veio morar a pouco tempo. Nasci aqui e digo que viver em Itapuã não é um estilo de vida, é um estado de espírito. É um lugar para quem gosta de alegria, de mar e de natureza, mas quem tem chegado tem outro modo de vida e olhar. O público mudou, e os nativos perderam muito com a chegada de tanta gente de fora e seus comércios. Hoje em Itapuã a gente dorme e acorda com barulho”, afirma.
Diante do que ela chama de “abusos” que têm testemunhado em Itapuã, a arquiteta considera a poluição sonora uma doença social. “Podem até desconsiderar o fato, mas a verdade é que, com esses ruídos desagradáveis, estamos expostos diariamente e de maneira ininterrupta, e isso traz prejuízo à nossa qualidade de vida. E para além disso, é também falta de educação doméstica e ambiental, e de respeito!”, enfatiza.
Dentre os muitos problemas que a exposição a ruídos intensos pode causar, a fonoaudióloga, Tamires Reis, alerta para alguns. “Além do estresse e da insônia, pode haver perda de atenção, dor de cabeça, depressão, agressividade, cansaço e o zumbido. Aquele barulhinho que se ouve dentro da cabeça, similar a um chiado, e que possui diversas frequências e pode acontecer de diversas formas. E claro, esses ruídos intensos podem causar perda auditiva temporária ou permanente, a depender do tempo que a pessoa fica exposta a esse barulho”, explica.
Doença social
“São oficinas clandestinas, depósitos de bebidas e bares que não deixam ninguém em paz com o barulho que fazem de segunda a segunda, perturbando toda a comunidade”, acusa o morador do bairro do Stiep, Adriano Brasileiro - o primeiro homem trans a ter autorização na Justiça para que o Governo da Bahia pagasse a sua cirurgia de retirada das mamas. Vivendo no Stiep a mais de 50 anos, ele conta que a mudança no bairro começou durante a pandemia.
“Aqui sempre foi uma área residencial e agora, por exemplo, muitos moto-boys se reúnem ali e do meu quarto ouço uma gritaria que nenhuma janela fechada consegue abafar. Os órgãos públicos não fazem nada, mas isso é algo que precisa acabar. Eles não só trazem poluição sonora, mas também lixo para as ruas, pois não limpam nada que sujam e o bairro está, pouco a pouco, se transformando em uma favela”, afirma Adriano.
Também moradora da região do Stiep, Edilene Silva está afastada do emprego por causa de um acidente de trabalho e conta que não consegue descansar por causa de uma serralheria clandestina que foi aberta numa casa vizinha. “Não ouço o telefone ou a TV. Meu filho que está na faculdade, não consegue estudar em época de prova por causa do barulho dele serrando as toras de madeira. É um barulho altíssimo que faz eco e toma conta da casa toda. Já denunciei, mas não deu em nada, além disso muitos vizinhos, por serem idosos, têm medo de falar alguma coisa e sofrerem represália”.
Gerente da Sedur, Márcia Cardim confessa que o trabalho de conscientização do cidadão quanto a poluição sonora “é de formiguinha e, infelizmente, não tem trazido bons resultados”, lamenta. E não é por falta de esforço. Além das campanhas educacionais realizadas em escolas, faculdades e comunidades em geral, a Sedur tem a Operação Silere, que há mais de dez anos apreende equipamentos sonoros, e fiscaliza e multa estabelecimentos, em um trabalho conjunto entre a secretaria, a Transalvador, e as polícias Civil e Militar. Todo final de semana, durante todo o ano
Além de aprender o equipamento, o estabelecimento recebe uma multa que varia entre R$1.211,73 e R$201.788,90, mas nem isso parece inibir aqueles que infringem a Lei Municipal nº 5354/1998, que permite a emissão de ruídos de até 70 decibéis das 7h às 22h, e de até 60 decibéis das 22h às 7h. “Tem finais de semana que chegamos a receber de 800 a 1000 denúncias, e isso é algo humanamente impossível de atender. Por isso sempre ressaltamos a importância do papel do cidadão nessa situação e que as pessoas tomem consciência que a poluição sonora é um risco a saúde dos outros”, afirma a gerente.
São muitas as fontes de poluição
As fontes de poluição sonora - que, com o tempo, causam danos à audição da população - não se restringem ao alto volume do ruído criado por bares e restaurantes. Pelo contrário, elas são inúmeras e a fonoaudióloga Tamires Reis (CRFa 4-11960), da Clínica TR Fonoaudiologia (@trfonoaudiologia), lista algumas: as sirenes e buzinas do trânsito; máquinas como as britadeiras e compressoras usadas na construção civil; as grandes caixas de som das casas de show, e até mesmo templos religiosos, em especial aqueles menores, com uma acústica inadequada.
Porém, um dos grandes vilões da saúde auditiva hoje é o fone de ouvido. “Na pandemia passamos a utilizar mais as vídeo chamadas e as mídias sociais de forma geral, e isso expôs ainda mais a nossa saúde auditiva, em especial a daqueles que ouvem música, áudios e todo tipo de mídia sonora nos fones de ouvido, principalmente os de inserção. Hoje, a faixa da população que está mais exposta a esse tipo de poluição sonora é a jovem, tanto os adolescentes, quanto os jovens adultos”, explica a fonoaudióloga.
Existem situações causadoras de dano auditivo que podem ser difíceis de prever - como o estouro de uma bomba ou o disparo de arma de fogo próximo ao ouvido, exemplifica a fonoaudióloga -, mas há situações em que é possível encontrar meios de zelar pela saúde auditiva. “Se precisar mesmo usar os fones, coloque em um volume baixo e agradável, e caso esteja em uma casa de show, não fique próximo às caixas de som, por exemplo. O melhor conselho é: se você pode evitar, fique longe de lugares com barulhos altos e intensos, essa é uma das melhores formas de proteger a sua saúde auditiva”, sugere Tamires Reis.
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