SALVADOR
Registrar nomes africanos é mais difícil
Por Fabiana Mascarenhas

Há 22 anos, nascia a primeira filha do compositor, arte-educador e poeta Guellwaar Adún. Conhecedor da cultura africana e tendo o candomblé como religião, Guellwaar desejava que o nome da sua filha correspondesse aos valores e crenças dele e da mãe da menina. Decidiram, então, que a criança se chamaria Kemi, nome comum na África e que significa "abençoada".
Na época, ao tentar registrar a filha, Guellwaar esbarrou em um problema que ainda permanece nos dias atuais: a dificuldade de registrar filhos com nomes africanos.
Esteve em três cartórios e, em todos, não só os oficiais de registro se recusaram a registrar a criança, como também tentaram convencê-lo de que seria melhor optar por um nome mais "comum".
"Foi algo constrangedor. Tentava explicar que não tinha escolhido esse nome porque o achava bonito, mas porque tinha a ver com a história da minha família, com meus ancestrais, mas foi bem difícil", afirma.
Há menos de 4 anos, se viu obrigado a passar pela mesma situação. Foi quando nasceu a sua segunda filha, fruto do seu atual relacionamento. Dessa vez, o nome escolhido foi Ominirê, que significa "água da sorte" em iorubá.
Foi ao cartório e ouviu da oficial que o registro não seria possível. "Ela pegou um livro antigo de nomes brasileiros e disse que Ominirê não existia na lista. Expliquei que este era o nome de reis e doutores africanos, que bastava ver na internet, mas ela disse que não tinha como acessar".
Guellwaar teve que ameaçar chamar seus colegas do movimento negro para ter, enfim, o seu pedido atendido. "O que leva um oficial a permitir o registro de nomes católicos como Bento e Pedro, por exemplo, ou de nomes franceses e ingleses e a criar problemas com os nomes de orixás e africanos?", questiona o compositor.
É o que também pensa babá Farofim (Eldon Araújo Lage), babalorixá do terreiro Ilê Axé Fará Ayó Aladê Ologum Edé, localizado na Estrada Velha do Aeroporto. Até hoje, ele não consegue entender o que levou o oficial do cartório em que registrou a sua filha, Sophia Adeloyá, de 3 anos, a aceitar de forma tranquila o nome grego e a criar barreiras com o nome africano.
"Adeloyá significa 'pessoa que carrega a coroa de Iansã'. Minha filha nasceu no dia 4 de dezembro, dia de Iansã. Além de ter tudo a ver com a nossa história e cultura, existe uma razão para a escolha desse nome, mas eles ignoram. No final, tive que registrá-la como Sophia Adeloya, sem o uso do acento porque eles disseram que o nome teria que seguir o padrão gramatical utilizado no Brasil", explica babá Farofim.
Origem
Mãe do garoto Yombo Mbiya, 8, e da menina Nzeba Bilonda, 6, a professora de antropologia Taynar Pereira teve mais sorte no momento de registrar os filhos, segundo ela, por uma razão: o pai deles tem origem africana.
"Com certeza, isso facilitou. No caso de Nzeba houve uma certa resistência, mas bastou meu ex-marido apresentar os documentos e mostrar como se escrevia para que o oficial fizesse o registro", conta.
Para a antropóloga, colocar nomes africanos nos seus filhos é uma forma de reconstruir a imagem do negro na sociedade.
"Acredito que essa resistência existe porque o que é atribuído ao negro ainda é visto como algo negativo. O nome que a gente escolhe para as nossas crianças é justamente uma forma de desconstruir essa negação e de reafirmar a nossa história e identidade".
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes