SALVADOR
Ufba erra e aluno perde a vaga
Por Carina Rabelo
Gabriel Carneiro Machado de Oliveira estava na escola de inglês quando recebeu a notícia de que havia passado no vestibular. Eufóricos, seus colegas entraram na sala em que ele estava e anunciaram a sua aprovação no curso de Engenharia Química da Universidade Federal da Bahia. Foi uma semana de comemorações e farra com amigos e familiares, com aquele gosto de mais uma etapa vencida. No dia da matrícula, porém, Gabriel teve uma enorme decepção: sua convocação foi um engano.
A UFBA errou quando aprovou o candidato pelo sistema de cotas sem que ele tivesse declarado ter estudado exclusivamente na escola pública. Com base nos dados fornecidos por Gabriel na ficha de inscrição do vestibular, ele não poderia participar das cotas, pois cursou até a 5ª série do ensino fundamental em escola particular. Como se declarou índio-descendente, foi erroneamente enquadrado no sistema, mas a universidade só percebeu o engano no ato da matrícula.
Os documentos da ficha de inscrição provam que o candidato não agiu de má fé. Ele declarou ter cursado apenas uma, duas ou três séries" do ensino fundamental em escola pública e não "todo em escola pública". Para entrar na UFBA pelo sistema de cotas, o candidato índio-descendente deve ter estudado durante toda a vida na rede pública de ensino.
Rita Mendonça, mãe de Gabriel, reclama que o filho foi prejudicado com a confusão do sistema. "Gabriel foi submetido a um constrangimento moral no momento da matrícula. Ficou parecendo que ele tentou enganar a faculdade, mas, em nenhum momento, ele prestou declarações falsas na ficha de inscrição. Ele também não queria participar do sistema de cotas", protesta. Rita quer que o filho seja compensado pelo constrangimento com a concessão da vaga pela Universidade.
O pró-reitor de graduação, Maerbal Marinho, admite que houve falha no sistema. "O sistema de cotas ainda não está estruturado para fazer o cruzamento entre a declaração da etnia e a procedência escolar. O candidato deve ter sido selecionado apenas porque se declarou índio-descendente", diz.
Apesar da falha, Maerbal descarta a possibilidade da concessão da vaga ao candidato, já que o aluno não tem os pré-requisitos necessários para participar das cotas e não fez a pontuação mínima para ser aprovado pelo sistema tradicional de seleção. "A vaga tem que ser reservada para quem tem direito", justifica.
Sem escolha
No ano passado, o estudante Eduardo Camargo Silva, que se classificou em 117º lugar, das 160 vagas do curso de Medicina, o mais concorrido da Ufba, foi transferido para o sistema de cotas involuntariamente quando preencheu na ficha que estudou em escola pública, e perdeu a vaga no ato da matricula por "não se enquadrar nas exigências do manual do candidato". O aluno só conseguiu se matricular após uma liminar concedida pelo juiz Durval Carneiro Neto, da 13ª Vara de Justiça Federal.
O estudante Francisco Carlos Mangabeira também passou pelo mesmo constrangimento. Foi aprovado em 31º lugar para o curso de Medicina Veterinária, e também não pôde se matricular porque preencheu a ficha de inscrição como oriundo de escola pública, e foi transferido para o sistema de cotas. "Estudei dez anos em escola pública e apenas um ano em particular. Não poderia me dizer oriundo do ensino privado. Não escolhi concorrer pelas cotas e não precisei delas para ser aprovado no vestibular", reivindica Mangabeira.
A UFBA não oferece ao candidato a possibilidade de escolher se quer ou não participar do sistema de cotas. Se o candidato preencher na ficha de inscrição que estudou em escola pública, conforme sua etnia, pode ser automaticamente transferido para as cotas, mesmo que não queira.
Questionado sobre o direito do aluno que perdeu a vaga dentro do sistema de cotas ter a sua vaga garantida pelo sistema tradicional - caso alcance a pontuação necessária para a aprovação - o diretor do serviço de seleção da UFBA, Nelson Almeida, disse que o Conselho Universitário determinou que o aluno das cotas não concorre com os não-cotistas. "O candidato deve se submeter às regras da Universidade caso queira participar da seleção. É um concurso público como outro qualquer e as exigências do manual devem ser respeitadas", argumenta.
"Optamos por não dar ao candidato a escolha de concorrer ou não às cotas porque ele vai ficar preocupado em saber o que é melhor para ele. Se o aluno prefere concorrer pelo sistema tradicional porque há menos vagas pelas cotas pode abrir o precedente da entrada de alunos da escola particular em um espaço de vagas que era reservado para a escola pública. O sistema ficaria confuso", argumenta Maerbal Marinho.
Como o Projeto de Cotas ainda não foi sancionado pelo Presidente da República, a UFBA têm autonomia para decidir como o sistema será aplicado. Mas nem todas as universidades optam pela transferência involuntária do aluno para as cotas. A Universidade Estadual da Bahia (UNEB), por exemplo, oferece a possibilidade no ato da inscrição no concurso do vestibular, que o aluno escolha se quer fazer parte deste tipo de seleção.
De acordo com o advogado Robertto Lemos, que já conseguiu mais de dez mandatos de segurança para assegurar a matrícula de alunos nesta situação, a UFBA deveria deixar o aluno escolher. "Esta falha tem causado muitos problemas, pois alguns destes alunos poderiam até ser aprovados se concorressem à seleção fora das cotas", protesta.
O Manual do candidato diz que "o candidato deve observar atentamente as instruções dadas para o preenchimento adequado do Requerimento de Inscrição, a fim de não ser prejudicado por um registro indevido da origem escolar e/ou da etnia".
Maerbal Marinho esclarece que "caso o candidato não queira concorrer às cotas, deve ler atentamente o manual do candidato e preencher o formulário de inscrição de forma que não se enquadre no grupo dos cotistas".
Sistema de cotas
O sistema de cotas reserva 45% do total de vagas de cada curso oferecido no Vestibular de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
-Categoria A (36,55%): candidatos de escola pública que se declararam pretos ou pardos.
-Categoria B (6,45%): candidatos de escola pública de qualquer etnia ou cor.
-Categoria D (2%): candidatos de escola pública que se declararam índio-descendentes.
Para participar do sistema de cotas, os afro-descendentes devem ter cursado todo o ensino médio (2º grau) e pelo menos uma série entre a quinta e a oitava do ensino fundamental na escola pública. No caso do não preenchimento dos 43% de vagas reservadas em conformidade com os critérios estabelecidos, as vagas remanescentes serão preenchidas por estudantes das escolas particulares que se declararem negros ou pardos. Para índios-descendentes, a exigência é que eles tenham cursado desde a quinta série do ensino fundamental e até a conclusão do ensino médio na escola pública.
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