SALVADOR
Uma aula de baianês
Por JORNAL A TARDE
29/03/2006 - 0:00 h
Claudio Leal Historiador dos vencidos de Canudos, mestre José Calasans mastigava as palavras ao falar: Na Bahia, meu filho, general Labatut rima com urubu. O jeito manhoso do baiano, que subverte o biquinho francês e cria uma linguagem que diferencia Salvador de outras tantas metrópoles esta, a minha pauta. Ligo para o antropólogo Roberto Albergaria, padroeiro das matérias com poucas fontes, que refuta do outro lado: O baianês é só 10% original. Realçamos nossas pequenas diferenças para criar um simulacro de identidade profunda. É fruto do narcisismo baianocêntrico. Ele acredita que muitas gírias, em verdade, são usadas em todo o Brasil, e defende que o chamado baianês é a mistura do português com o pobrês, velhês, africanês, ruralês, nordestinês e, cada vez mais, o publicitês de araque e o turistiquês de verão. Ok, Mr. Albergaria. Hora de ir à alma encantada das ruas, em busca de vocabulário. Na Praça da Sé, surpreendo um grupo de quatro prostitutas. Feito sinhazinhas, ocupavam um banco de concreto. Antes que fizesse qualquer pergunta, o professor José Henrique Conceição, barba rala e branca, interrompe a conversa. Tira da pasta, ensebada, um diploma universitário. - A entrevista é comigo. Prazer, lingüista da Universidade de Brasília. Professor aposentado. Sem acreditar na casualidade, exijo, com certo pedantismo, que me fale da prosódia baiana. Não existe prosódia. Próxima pergunta. Aliás, eu queria dizer que Antonio Carlos Magalhães só tem uma alternativa, dois pontos. Olha, me desculpe, a entrevista é sobre baianês. Não me interrompa, seu palhaço! Tudo bem. Por exemplo, como é que se diz b(censurado) na Bahia? Sei não, senhor. Dois reais! Porque só tem mulher derrubada. Em Belo Horizonte é 10 - gargalha. De dentinhos cariados, uma das moçoilas se indigna. Com sua instrução, o senhor devia se compreender e respeitar mais as mulheres. E logo pisca o olho pra mim Continue, o professor é bom. A aula de baianês começa. Em tom arrogante, Henrique dita a entrevista. De acordo com o professor Bagno, Bê-á-guê-ene-ó, Bagno, a sociolingüística do baiano é única. Trata-se de um dialeto resultante de escravos que foram massacrados, segundo o professor Décio Freitas, de Alagoas, e de indígenas que foram torturados por 200 anos. Me dê esse papel, o que é que você está escrevendo? Você vai colocar essas besteiras todas no jornal?, pergunta a menina. O professor fica injuriado. Não dê ouvidos. Puta só fala putice. Babaca. Admirei essa parte. Fica bem em sua boca. Continuando, o dialeto nagô e iorubá interferiram na formação do baianês. Exemplifico (pega a lata de cerveja): baiano diz Skóóól. Isto é a inflexão do iorubá, notas? Skóóól. Terminada a aula, o professor bate no ombro do repórter. Se você não colocar que estou em campanha por Heloísa Helena, eu te processo. Depois da ameaça, José Henrique tira do bolso notas de dois reais e indaga ao auditório de moças disponíveis: Quem vai almoçar comigo?. Claudio Leal é jornalista
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes