Doação do tempo é a maior caridade, dizem especialistas

O amor e a atenção dedicados ao próximo, a vontade de fazer o bem e a necessidade de acolher, principalmente a doação do tempo, são sentimentos conhecidos por muitos baianos que enxergam na caridade e na solidariedade a chance de ressignificar a vida.

O Irmão Gabriel, fundador do abrigo São Gabriel para Idosos de Deus, é uma dessas pessoas. Ele abriu as portas de uma casa no bairro Boa Viagem, na Cidade Baixa, para acolher e abrigar pessoas maiores de 60 anos, a maioria sem família, salário ou documentação. Para ele, além de ajudar a recuperar a cidadania dos anciãos, cujas histórias muitas vezes se perderam no passado, compartilhar momentos de amor e atenção é fundamental para que a dignidade seja recuperada.

“A gente não iniciou o abrigo, Deus nos inspirou nessa missão. O local, hoje, acolhe 65 idosos, entre 60 e 103 anos. Grande parte deles não tem família, nem ninguém; a outra pequena parte foi trazida por algum parente que não tem condições de cuidar deles e a gente recebe a todos de braços abertos", afirmou..

Segundo ele, a acolhida não é apenas abrir as portas de casa ou compartilhar o pão. Mais do que isso, a solidariedade se mostra na doação do tempo, na presença e nas horas compartilhadas. "Eu costumo dizer que quando você vai visitar alguém você vai receber a gratidão, porque as pessoas que não têm ninguém, que estão abandonadas, não têm a quem se dirigir a não ser a esses amigos que preenchem esse vazio com um abraço, um aperto de mão, um gesto de solidariedade que não está à venda, só mesmo levando pessoalmente", pontuou.

Visitando frequentemente a Associação Casa de Caridade Adolfo Bezerra de Menezes (Accabem), no município de Lauro de Freitas, na Grande Salvador, e levando consigo alunos do Centro Educacional Professora Nalva Oliveira, onde é diretora, a professora Cláudia Oliveira, 57 , acredita que dessa forma tanto humaniza a educação dos alunos quanto leva um pouco de alento e afeto aos internos da associação.

"Estamos vindo trazer um pouco de amor, de afeto, de carinho, e ao mesmo tempo proporcionamos aos nossos alunos a oportunidade da solidariedade, de fazer o bem através da doação. A gente faz um ato singelo, mas a retribuição maior vem pra gente que renova as forças pra continuar seguindo nessa missão de educar, pois eles aprendem a respeitar e valorizar o idoso", explicou Cláudia.

Dona Miralva Pereira, 87, mudou-se para a Accabem, no Caji, há cerca de dois anos. Segundo ela, após perder os parentes, o acolhimento da instituição e as frequentes visitas que recebe de membros são o que lhe dá forças para continuar a viver. "Esse gesto dos meninos virem aqui e conversarem com a gente é importante demais porque não é só chegar e entregar a doação, eu fico feliz demais em poder conversar, contar minhas coisas", confessou.

Atitudes como essas ajudam a desenvolver valores que são importantes para a convivência saudável em uma sociedade. Quem é visitado pode se sentir acolhido e saber que não é abandonado e quem visita também pode se sentir mais útil e consciente da realidade social do outro, conforme esclarece o psicólogo Alan Souza.

“Estar presente vale muito mais do que dar presentes. Disponibilizar seu tempo, sua escuta e sua atenção para o outro é um presente que não tem preço, mas tem valor. Pois permite criar laços afetivos com o outro, desenvolver empatia, senso de pertencimento e cuidado com o próximo”, diz o psicólogo".

O jovem Fabiano Marques, 15 anos, relata que se sente feliz em participar do projeto de sua escola para visitação de abrigos. De acordo com o estudante, o projeto é importante para dar aos abrigados a sensação de que são queridos.

"Eu decidi vir acompanhar a turma da escola aqui hoje porque esse é um projeto que a gente já faz há quatro anos, e é importante porque muitos desses idosos são abandonados pelas famílias, então eles se sentem sós. A gente vem aqui com o intuito de alegrar um pouco eles. A gente conversa um pouquinho, tira foto, entrega a doação", comentou.

Trabalhando com duas instituições de caridade (a Accabem e o Lar Vida), a psicóloga Ilana Roriz diz que atitudes como a do estudante Fabiano devolvem aos idosos a dignidade e trazem para eles também uma reflexão sobre algumas coisas da vida, além de lhes “mostrar que podem se sentir acolhidos por pessoas estranhas, pois aquelas pessoas estão disposta a lhes dar atenção”.

Além de lares para os idosos, muitas instituições em Salvador e região metropolitana abrem suas portas para acolher crianças e adolescentes. Um desses projetos é o Lar Fonte da Fraternidade, que foi fundado em 2003, inicialmente acolhendo menores com necessidades especiais e deficiências físicas. Hoje, a casa abriga 10 pessoas com deficiência que foram acolhidas quando ainda eram menores.

"Hoje, o abrigo se tornou a primeira residência inclusiva em Salvador, pelo fato de que os meninos que acolhemos aqui se tornaram jovens e adultos, mas continuaram na condição de abandonados. Então, nos tornamos o lar que eles têm. Aqui vêm pessoas que tocam música, oferecem fisioterapia, massoterapia, contam histórias. Eles amam receber as pessoas aqui, são bem receptivos, ficam muito felizes", conta a presidente da instituição, Irmã Maria Lúcia.

Acolher e suprir a carência de outros é, segundo o psicólogo Levi Wenceslau, um ato extremamente nobre, porque nos ajuda a cultivar bons sentimentos, praticar boas ações e auxiliar o próximo, sensibilizando também quem nos cerca e recebendo em troca satisfação, o sentimento de plenitude e desenvolvendo a empatia junto com a gratidão. De acordo com o psicólogo, o lugar de origem desses valores é na família.

"No entanto, por circunstâncias muito diversas, nem todos têm famílias que possam prover essas necessidades. Mas todos nós precisamos de amor, atenção e cuidado, que são pontos essenciais para o desenvolvimento humano. A falta deles é danosa e cruel, especialmente na infância e na velhice. Devemos lembrar que a verdadeira celebração no Natal é a do amor, que cresce nos encontros genuínos, não se vende nem se compra, pois estar presente não tem preço", afirmou Levi Wenceslau.

Para a gestora da Secretaria Municipal de Promoção Social e Combate à Pobreza (Sempre), Ana Paula Matos, que este mês lançou parceria com mais de 30 instituições sem fins lucrativos para ações voltadas às celebrações natalinas, "dedicar tempo em abrigos e casas de acolhimento, dá às pessoas que lá residem a esperança e a oportunidade de serem vistas. Doar atenção a idosos e crianças fortalece vínculos sociais e a saúde mental e física", concluiu.

* Sob a supervisão do jornalista Luiz Lasserre