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ENTREVISTA/ MARIA RITA LOPES PONTES

“Falta sensibilidade do governo federal com a Osid”

Superintendente diz que Obras Sociais Irmã Dulce há 3 anos não recebem aporte do Ministério da Saúde

Por Osvaldo Lyra

19/09/2022 - 0:00 h | Atualizada em 19/09/2022 - 19:11

As Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) abrigam atualmente um dos maiores complexos de saúde com atendimento 100% gratuito do Brasil. Obra, que é fruto do trabalho incansável daquela que se tornaria a Santa Dulce dos Pobres, a primeira santa brasileira. Mas, para essa obra avançar, precisa da ajuda de toda a sociedade. Até porque, como disse Maria Rita Lopes Pontes, sobrinha de Santa Dulce e gestora da Osid, “falta sensibilidade do Governo Federal”. De acordo com ela, é “preciso que os governantes, ministros, tenham um olhar diferenciado, porque quando o presidente (Bolsonaro) precisou em Minas Gerais, Juiz de Fora, ele contou com o apoio dos filantrópicos, que fazem um papel essencial na área de saúde”. “Não recebemos há 3 anos o aporte emergencial do Ministério da Saúde”, lamentou, ao pedir ajuda de empresários e da população para que auxiliem com mais doações. Até porque, “quando cada um faz um pouco, o pouco de muito se soma e torna muito”. Confira:

Maria Rita, vamos falar primeiro sobre o relançamento do livro, a biografia que foi escrita por você sobre a obra de Santa Dulce. Como foi feita, de onde partiu a inspiração?

A primeira edição, que foi lançada em 1983, é fruto de um pedido dela. Ela, vendo a divulgação que as obras de Madre Teresa tinham por estar na mídia, por ter muitos livros, ela disse “será que você não poderia fazer isso também para divulgar as Obras?”. Eu falei “claro”. Imagine. Eu, jornalista recém-formada, aceitei o desafio. Primeiro, porque eu teria oportunidade de ter relatos orais dela. Então, ia beber na fonte e mais todos ou quase todos, os documentos. Ela não guardava nada. Os bilhetes, as honrarias que ela recebia, as homenagens. Ela era totalmente avessa a essas homenagens. Ela dizia sempre “eu não faço para receber nenhum aplauso dos homens, mas eu faço tudo para Deus”. E aí eu guardava, não me pergunte o porquê, eu acho que por um espírito arquivista, como jornalista recém-formada, eu ia guardando o que ela me mandava, recortes de jornais, documentos, cartas. E com isso eu tinha um bom acervo, mais a pesquisa com pessoas que conviveram com ela, e eu pude mesmo trabalhando, morando no Rio de Janeiro dar essa alegria a ela. O livro chegou à 18ª edição, e essa edição atualizada, revisada, inclusive os termos que a gente usava na época, passaram já tantos anos, quase 40 anos, eu resolvi dar uma revisada também e atualizei. Cheguei a colocar só os fatos que aconteceram nas Obras em primeira pessoa. O livro foi escrito em terceira pessoa antes. E eu resolvi colocar em primeira e chegamos até a pandemia. Então, eu considero esse livro o mais completo, e fala também, tem um capítulo sobre o Dulcismo, que é a nossa cultura, a cultura que ela nos ensinou, os valores. E eu acho importante que a gente possa passar isso para essa geração que não conheceu ela e para os profissionais que estão na casa. A gente precisa muito. Porque a Obra, para ela se perpetuar, ela tem que manter os valores que Santa Dulce nos deixou. Não adianta a gente pensar em ter uma boa gestão somente. É preciso que a gente seja alicerçado na fé e nos valores que ela nos delegou.

O trabalho das Obras Sociais fala por si só e os números reforçam a sua importância, sobretudo, para a população menos favorecida. São mais de 23 mil cirurgias, mais de 43 mil internamentos por ano, mas para que essa engrenagem possa funcionar, faltam recursos. Muitos números e poucos recursos, Maria Rita?

É isso. Qualquer pessoa, mesmo que não seja um administrador, consegue entender. Receitas congeladas e custos aumentando cada dia mais com a inflação, com a pandemia, impactou diretamente a área de saúde. Enfim, não está sendo fácil. O contrato congelado há 5 anos sem sofrer reajuste. Não recebemos há 3 anos o aporte emergencial do Ministério da Saúde. O último foi no ano da canonização. Esse aporte ajuda a melhorar a situação financeira, mas ele não aconteceu. E graças à sensibilidade do governador Rui Costa, que nos deu um socorro. Foi para dar um fôlego. Então, nosso contrato, que o estado é que faz a gestão, o acompanhamento, melhor dizendo, aportou o valor de R$1,7 milhão por mês para que a gente possa diminuir esse déficit. O déficit hoje está em 1,5 milhão, graças a esse aporte diminuiu, e a gente está tentando levar da maneira que pode, com a ajuda dos empresários, de toda a sociedade, para que as Obras mantenham todos os atendimentos, que aumentaram também depois da pandemia, o número de cirurgias, atendimentos ambulatoriais. E ainda tem, como você sabe, o trabalho na área de educação, que também é muito importante. Irmã Dulce foi uma visionária quando ela resolveu atuar nessas duas áreas. Não adianta você trabalhar só na saúde, se você não der uma educação de qualidade para essas crianças e jovens. Lá em Simões Filho nós temos um centro educacional com 940 crianças e adolescentes hoje. E através do programa Adote uma Turma a gente espera até o final do ano conseguir também um equilíbrio na educação. Educação também é muito difícil. Não tem o convênio como o do SUS, então a gente tem que correr atrás de recursos para bancar essa escola de tempo integral.

O déficit pode chegar perto da casa dos 40 milhões, já que, como você falou, são despesas que mudam mês a mês e não há uma despesa fixa, apesar de o dinheiro, infelizmente, ser fixo. Falta mais sensibilidade por parte do Governo Federal e até mesmo dos outros governos municipal e estadual, Maria Rita?

Não, no caso, vamos separar. O governo municipal hoje o único contrato que nós temos com a prefeitura é da UPA Santo Antônio, aqui em frente às Obras. Esse contrato não tem, nesse momento, nenhum problema, é um serviço que a gente presta e que recebe pelo atendimento. O Governo do Estado, como eu te falei, a gente tem além do contrato do plano operativo, nós temos também outros contratos como organização social para gerir os hospitais do estado nos municípios de Barreiras, Santa Rita de Cássia, Irecê, Lauro de Freitas, Juazeiro, e agora assumindo o de Paulo Afonso. Esses contratos como organização social estão equilibrados. Não há nenhum desequilíbrio financeiro, porque eles têm reajuste a cada ano, e o governo não permite que haja perdas para a instituição que está administrando. Então, a gente não tem problemas com eles. Fazemos isso por uma questão de levar a missão de Santa Dulce para outros locais. É um trabalho que nos permite também crescer, ampliar a nossa missão, dar oportunidade de trabalho a outras pessoas, na cultura Dulcismo, de Santa Dulce. E o desequilíbrio vem mesmo desse contrato maior do Hospital Santo Antônio com o Governo Federal, a tabela do SUS que não sofre nenhum reajuste há 20 anos, e o contrato do SUS que não tem reajuste há 5 anos. Então, daí o desequilíbrio das Obras Sociais. Se não fossem as doações e o apoio de toda a sociedade, pessoas físicas, principalmente, se fosse uma outra empresa, já teria fechado suas portas.

Então, falta sensibilidade do governo federal, sobretudo pelo atendimento ser 100% gratuito?

Isso, falta sim sensibilidade, não é de hoje, não. Nesses últimos 3 anos, a gente está sofrendo mais, porque não houve aporte. Mas é uma luta constante de todas as filantrópicas do Brasil para que tenham um olhar pela saúde. Nós fazemos muito o papel do estado, nós que eu digo todos os filantrópicos, santas casas do Brasil, todos estamos fazendo o papel do estado também. Então, é preciso que os governantes, ministros tenham um olhar diferenciado, porque quando o presidente precisou em Minas Gerais, Juiz de Fora, ele contou com o apoio dos filantrópicos. Os filantrópicos fazem um papel essencial na área de saúde.

A gente está falando de recursos públicos, mas é importante a gente chamar atenção de cada cidadão, do empresário, das instituições da sociedade civil que já têm esse trabalho de doação para a Osid. Quais as principais formas hoje para ajudar as Obras Sociais Irmã Dulce?

Existem várias formas. Por conta da situação financeira, o agravamento, em abril desse ano, nós lançamos a campanha 1 milhão de amigos, que permite que qualquer pessoa de todo o Brasil possa fazer sua doação através do pix [email protected]. Foi uma maneira que nós encontramos, primeiro com o envolvimento de alguns artistas, para que a gente chegasse a ter 1 milhão de amigos. Ainda estamos longe dessa meta, mas estamos trabalhando para sensibilizar a sociedade nesse sentido. Quem se torna amigo deverá, é a nossa esperança, se tornar também um sócio protetor. Tem um programa de fidelidade com a instituição contribuindo mensalmente com a importância de R$10 por mês. O doador pode pensar: poxa, mas só 10 reais? É muito pouco. O que a gente compra com 10 reais? É muito. Como ela dizia: quando cada um faz um pouco, o pouco de muito se soma e torna muito. Então, é a pura verdade. Esses 10 reais que podem parecer nada para quem doa, são muito para a gente. E aí, quem quiser se tornar sócio protetor, pode visitar o nosso site www.irmadulce.org.br, entrar na janelinha de como ajudar, aí vai encontrar o sócio protetor, ou telefonar para nossa central de relacionamento com o doador, o telefone é 71 3316-8899. E aí vai dar seus dados para se tornar um sócio protetor, vai fazer o cadastro. Tem outra maneira de se tornar um apoiador das Obras Sociais Irmã Dulce, para aquelas pessoas que acham que ainda têm menos e não vão poder ajudar. A campanha da Neoenergia Coelba, que é uma contribuição através da conta de luz a partir de R$1. E, para isso, ele pode entrar também em contato com a nossa central de relacionamento com o doador pelo número 71 3316-8899. Então, são formas simples. Outra forma: o cupom fiscal, a nota fiscal, se cadastrando no site da Secretaria da Fazenda e quando for pagar sua mercadoria no mercado, na farmácia, onde for, no shopping, pode pedir: eu quero CPF na nota. Essa é uma outra modalidade. O Governo do Estado tem repassado recursos trimestralmente, é um recurso importante, eu lembro até que essa semana saiu uma notícia que o Aristides Maltez vai ampliar o seu atendimento, vai construir um novo prédio também com a ajuda dessa campanha. Essa campanha nos ajuda, aqui na obra a gente construiu o Hospital da Criança com esse recurso em 2000. Então, as pessoas podem achar que um cupom fiscal... Gente, faz diferença. Deem o CPF na nota, porque está ajudando a todas as entidades. A gente tem o cadastro na Secretaria de Fazenda e a pessoa ao colocar o CPF na nota está ajudando as instituições, então é muito importante.

E tem o projeto também Adote uma Turma, que é uma novidade…

No Adote uma Turma, que eu te falei, nós temos 26 turmas em Simões Filho e já conseguimos adoção para 13, estamos correndo atrás das outras. Eu espero até o final do ano, com apoio de vocês, de todos os parceiros, da imprensa, dos empresários, tem alguns empresários que estão indo lá na próxima semana, o Instituto Paulo Cavalcante vai nos visitar na próxima semana com a Acelen, que também vão se tornar parceiros do programa Adote uma Turma. Então, essa modalidade é um valor de R$6 mil ou R$12 mil por mês, e tem algumas contrapartidas bem bacanas para o empresário, e que vão também como sócio protetor ter uma relação muito direta com a gente. A gente vai informar como está essa turminha de alunos através de vídeos, vão ter placas, espaços no nosso site, nas nossas cartas do sócio protetor. Enfim, eu acho que a gente também tem que dar uma contrapartida para as pessoas que estão nos apoiando, isso é muito importante. Esse reconhecimento, essa gratidão da nossa parte. E tem mais uma coisinha. Semana que vem nossos panetones, os panetones Santa Dulce, vão estar nas vitrines de supermercados e eu peço que comprem, porque além do sabor, a solidariedade, ainda está ajudando uma causa, melhorar a educação dessas crianças que habitam um dos municípios mais violentos do Brasil, Simões Filho se eu não me engano é o 13º do nosso país. E são crianças que se não estivessem lá o dia inteiro, fazendo 3 refeições diárias, com assistência psicológica para eles e para as famílias, atendimento odontológico, oficinas de arte e educação, música, o programa NEOJIBA também está lá, elas estariam na rua. Então, é muito importante. E quem quiser fazer uma encomenda maior, não quiser carregar sacolas de panetone para casa, pode ligar para o 71 3616-1265 que a gente entrega, negocia quantidade e faz entrega, às vezes até tem um desconto.

Maria Rita, você falou dessa ação dos empresários que tiveram reuniões recentes, algumas empresas estão ajudando, mas é importante a gente chamar atenção de outros empresários para dar a sua parcela de contribuição?

Sim. Com certeza. Existem diversas formas de ajudar. Com material de construção, a gente está desenvolvendo uma obra importante, porque nós adquirimos uma ressonância magnética e estávamos sem saber como a gente ia construir a sala da ressonância. Mas tivemos um doador, um empresário baiano que hoje tem uma condição que pode ajudar, e ele doou a construção dessa sala. A Meta. Então, a gente logo vai ter a nossa ressonância magnética. Enfim. Se a pessoa, o empresário, também não puder ajudar financeiramente, pode ajudar com material de construção, com roupas, com alimentos, os supermercados também, medicamentos. Tudo é bem-vindo. Roupas usadas. A gente tem bazar. Há pessoas que moram aqui, idosos, pessoas com deficiência. Então, tudo é muito bem-vindo.

A gente tem hoje um aspecto importante que é as Obras Sociais, o próprio santuário de Irmã Dulce e que integra um roteiro religioso do corredor da fé. Qual a sua expectativa para esse impulsionamento de visitas ao santuário a partir do fortalecimento desse corredor que está sendo estruturado pela prefeitura?

Tem. O governo também apoia com algumas ações, e eu tenho a maior expectativa, porque nós sofremos com a pandemia, o turismo foi muito impactado, e para você ter uma ideia, no mês de fevereiro de 2020, antes da pandemia, a gente estava recebendo 2 mil pessoas por dia no memorial. Tinha alguns dias, principalmente final de semana, que a gente estava recebendo 2 mil pessoas por dia. Mesmo número de pessoas que a gente recebe no ambulatório. A fila mudou de lugar no fim de semana. Então, eu acho que esses turistas, esses devotos, vão voltar. Na festa dela do 13 de agosto, aconteceram em vários municípios baianos e fora também do estado manifestações importantes, procissões, fizeram novenas. Uma série de homenagens a ela, inclusive em lugares distantes, como Angra dos Reis. Então, essa devoção pela primeira santa brasileira, que é muito nova, não tem 3 anos ainda, eu acredito que a tendência é aumentar. A visitação aumentar. E nós estamos preparados para receber essas pessoas, não só por conta do corredor da fé, mas a gente tem uma lojinha, temos o café, o Dulce Café, o espaço do memorial que muito em breve vai passar por uma requalificação através de um projeto da Lei Rouanet que foi aprovado. A captação já começou e a gente espera até dezembro conseguir uma parte dos recursos para começar essas obras. Nós estamos com muita esperança e com muita vontade de trabalhar também no turismo religioso.

Santa Dulce dedicou sua vida a ajudar os outros. Que mensagem você acredita que nossa santa baiana daria para a população, para os seus fiéis, nesse momento que a gente vive de tantas dores, tantos tormentos e tantos conflitos sociais?

Com certeza, até me emociono (pausa, choro), diria que é preciso a gente amar. O que fazer para mudar o mundo é amar. Se a gente praticar isso diariamente, o amor, com todas as pessoas, a gente vai conseguir superar.

Maria Rita Lopes Pontes
Maria Rita Lopes Pontes | Foto: Divulgação

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