ONDE ESTÃO AS MARCAS?
Influenciadoras pretas ainda buscam reconhecimento na web
Falta de valorização não apenas impacta a carreira, mas também perpetua estereótipos e reforça o racismo
Por Isabela Cardoso
A popularização de influenciadoras digitais nas redes sociais se tornou um sucesso nos últimos anos, permitindo construir um potente alcance para promover marcas e produtos. No entanto, ainda é um nicho em que mulheres pretas se veem em uma luta constante de reconhecimento nesse mercado.
A falta de valorização não apenas impacta a carreira das influenciadoras pretas, mas também perpetua estereótipos e reforça o racismo estrutural na sociedade. Além disso, esse preconceito ignora perfis que possuem um público representativo e igualmente engajado em comparação a outras blogueiras brancas.
A criadora de conteúdo Joana Guerra, de 38 anos, é formada em Letras e estudante de Psicanálise. Com mais de 35 mil seguidores, ela traz para seu público temas do universo feminino com foco principal em saúde mental, negritudes e beleza. O seu trabalho na internet começou em 2014, mas as publicidades com pequenas marcas só chegaram em 2020, quando ela começou a perceber que precisava saber precificar o seu negócio.
"Você não se valoriza e isso vira uma bola de neve. Quando você percebe, está recebendo R$ 50 pela hora de trabalho, às vezes menos. Quando você não sabe botar preço no seu trabalho, a marca paga o que quer. Você vê marcas nacionais e grandes querendo te pagar o valor que ela receberia vendendo um produto apenas da sua cartela. Isso quando elas não dizem que não tem dinheiro e te oferecem visibilidade em troca do seu trabalho", explicou Joana.
Outra influencer digital preta é a Val Benvindo, de 32 anos, que é jornalista e uma das apresentadoras do Band Mulher, com o quadro "Meu nome é Val". Ela possui mais de 20 mil seguidores no Instagram e tem o selo de verificação. O trabalho dela é assessorado por um agência, responsável por entender, precificar direcionar os trabalhos ideais para ela.
Val destacou que, em muitas vezes, essa falta de reconhecimento das marcas traz um processo processo de dúvidas e paralisante na busca de valorizar o próprio trabalho.
"Por exemplo, em novembro, muitas marcas procuram, mas é sempre aquela verba pouca. A gente acha importante fazer, mas é muito doloroso em alguns momentos. Isso paralisa. Confesso que estou em um processo agora de entender se é isso mesmo que eu quero, se eu sou boa no que eu faço, me questiono muito. As marcas não fecham as coisas, será que o problema está em mim? Eu fico também fazendo sempre uma autoanálise, porque às vezes o problema está na gente ou o que a gente produz não é legal. No entanto, você às vezes compara o seu trabalho com o de outras pessoas, você fala assim, 'poxa, eu estou fazendo uma coisa tão bacana e essa pessoa faz uma coisa tão mediana', mas ela fecha mais coisas assim, sabe?", desabafou a jornalista.
Em muitos trabalhos, o racismo fica evidente apenas nas entrelinhas. Joana contou que, mesmo com contrato fechado com uma marca do sul, seu conteúdo não foi repostado no perfil, mas havia publicações de influenciadoras brancas.
"Uma vez fechei um trabalho com uma marca de Santa Catarina. No contrato estava explicito que eles iriam repostar meu conteúdo em suas redes. Eram três posts por três meses. O conteúdo foi feito, aprovado pela marca e postado. Nenhum foi repostado, observei que as outras influenciadoras não negras aqui de Salvador estavam no feed. Já tive situações de racismo com alguns donos de agências aqui de Salvador também", disse a influencer.
Para além do preconceito racial, Val destacou a necessidade das marcas incorporarem realmente a diversidade de todas as minorias, com indígenas, Pessoas com Deficiências (PCDs) e todo o público LGBTQIAP+.
"A gente consegue ter algumas marcas que são comprometidas, que você entra nas redes e vê criadores de conteúdos o ano inteiro, você vê que existe uma diversidade. Estou falando aqui dos lugares claros de criadores de conteúdos pretos porque eu sou uma mulher negra, mas é importante falar que a diversidade é para além disso. A gente precisa de mais pessoas indígenas, de PCDs, pessoas trans, de mais pessoas LGBTQIAP, pensar que essas empresas precisam ter essa mistura. Essa diversidade é refletida já que elas comunicam e vendem, para que todo mundo esteja representado nas redes", comentou a jornalista.
"Sobre as questões raciais, cada vez mais a gente tem falado sobre isso assim, o que é muito cansativo a gente falar sobre. Trezentos anos de escravidão e a gente tem o que falar o óbvio. Parece que as coisas agora estão andando um pouco, mas ainda tem muito e a gente ver uma diferença muito forte na remuneração de criadores pretos e de criadores brancos", concluiu Val.
No meio dos influencers, tiveram fenômenos que abriram espaço para visibilidade, como Rafaella Moreira, Sthe Matos e Sheuba. Elas são criadoras de conteúdo com mais de 1 milhão de seguidores, o que acaba deixando evidente a falta de acesso para outras blogueiras pretas, como explicou Joana.
"Quando falamos em proporcionalidade, Salvador é a cidade mais negra fora do continente africano e ainda temos a realidade de ver em campanhas e eventos a representatividade única. Dez influenciadores e tem lá a cota de um preto. Isto fica pior quando falamos nas oportunidades para nano influenciadores, como é o meu caso, para muitas marcas, com meu número de seguidores, eu não sou ninguém", contou.
De acordo com a CB Insights, o Creator Economy, setor que lida com tudo o que gira em torno da criação e consumo de conteúdo online, movimentou 1,3 bilhões em 2021.É o resultado do engajamento das pessoas em conteúdos das redes sociais, que acaba gerando consumo.
Por causa disso, muitas marcas buscam influencers pelos números de seguidores e engajamento alto nas redes sociais, conforme Joana percebeu. "Não tenho como competir com 100 mil ou 1 milhão de seguidores. Infelizmente, muitas marcas buscam números sim", disse.
Ainda assim, há uma crescente demanda por representatividade e inclusão nas campanhas publicitárias, o que está levando marcas a mudarem suas estratégias de marketing e se comprometerem com a diversidade. Algumas delas, por exemplo, estão criando programas de apoio a influenciadoras negras e outras minorias, oferecendo suporte financeiro e consultoria para ajudá-las a aumentar sua influência e impacto.
Para Val, quando uma mulher preta conquista um espaço onde é valorizada, é uma cadeia de impactos. Ela já foi impactada por nomes como Wanda de Silva e Glória Maria, e hoje tem a potência de impactar quem a assiste na televisão e nas redes sociais.
"A conquista desse espaço [na televisão se deu muito por conta da importância de Pâmela entender que era necessário que no programa existisse uma diversidade entre as apresentadoras. Ela sabe que não representa a maioria da população baiana e ela trouxe convite para eu integrar a equipe de conteúdo. Em uma dessas reuniões de pauta, pensando em novos quadros, ela me convidou para ter um e eu adorei a ideia. Eu sempre quis trabalhar com televisão e e sempre entendi também o impacto disso. Eu sempre eu fui impactada por mulheres pretas na televisão, Wanda de Silva, Glória Maria, sempre foi muito importante", ressaltou.
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