BAHIA
Justiça suspende leilão do prédio do Arquivo Público do Estado da Bahia
Por Rodrigo Aguiar e Luiz Felipe Fernandez

Inicialmente previsto para receber propostas até as 10h desta terça-feira, 9, o leilão da Quinta do Tanque, sede do Arquivo Público do Estado da Bahia (Apeb), no bairro da Baixa de Quintas, em Salvador, foi suspenso por decisão judicial. O prédio é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1949.
Na noite de segunda-feira, 8, o juiz George Alves de Assis, da 3ª Vara Cível de Salvador, acatou pedido do Ministério Público da Bahia (MP-BA), que apontou o risco para o patrimônio histórico e cultural, caso o leilão ocorresse sem um plano prévio de salvaguarda e remoção do acervo ali existente.
“Com efeito, não bastasse o prédio, tombado desde o ano de 1949, já traduzir, por si só, marca histórica de notável expressão para o Estado da Bahia, sua alienação sem que seja observado um plano efetivo de salvaguarda e remoção do seu acervo tem o condão de impor sério abalo ao patrimônio cultural baiano, o que não pode ser admitido. Afinal, o risco de desvio, ou mesmo de simples perda do acervo, não pode ser descartado”, escreveu o magistrado na decisão.
O juiz ainda determinou que a Fundação Pedro Calmon, gestora do Arquivo Público, apresente dentro do prazo de 60 dias um plano de salvaguarda e remoção do acervo.
No pedido, as promotoras de Justiça Cristina Seixas Graça e Eduvirges Tavares, apontaram que “não foi localizado nenhum Plano de Salvamento/Transferência do acervo do Apeb, que consiste em documentos históricos, administrativos, judiciários e legislativos de relevante valor cultural e histórico para a Bahia e para o Brasil”.
O pedido do MP-BA foi apresentado nos autos da Ação de Restauração de Autos promovida pela TGF Arquitetos contra a antiga Bahiatursa.
Apesar da suspensão do leilão da Quinta do Tanque, o magistrado manteve a alienação do lote 2 do mesmo edital, referente à área onde está construído o Hotel Piritiba, no município de mesmo nome. O bem foi arrematado pelo valor de R$ 1,08 milhão.
No processo, quem consta como diretor-presidente da Bahiatursa à época, em 1991, é Cláudio Taboada, ligado ao antigo PFL, atual DEM, e que hoje trabalha com consultoria. A pasta era subordinada a então Secretaria de Indústria e Cultura, comandada por Paulo Gaudenzi, falecido em 2019.
Gaudenzi foi titular da pasta durante os mandatos dos pupilos de Antônio Carlos Magalhães, Paulo Souto (1995-1998 e 2003-2006) e César Borges (1999-2002).
Críticas
Diversas entidades criticaram a venda do conjunto arquitetônico datado do século 16, antiga casa de repouso dos jesuítas até meados do século 18. Avaliada em R$ 12,57 milhões, a Quinta do Tanque tem lance mínimo de R$ 5 milhões. Antes da suspensão, podiam ser feitos lances no valor de R$ 6,48 milhões. O assunto também ganhou as redes sociais, com uso das hashtags #preserveOPatrimonioNacionalApeb #naoAoLeilaodaQuintadoTanque e #salveoApeb.
No primeiro leilão, finalizado no dia 18 de outubro, não se chegou ao preço de avaliação. Por isso, o imóvel foi a segundo leilão, quando o bem é anunciado com preço inferior ao da avaliação inicial.
Em nota pública, o departamento baiano do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-BA) destacou que o prédio "tem um dos usos mais significativos para a história e a memória da cidade, do Estado, do país e de suas relações internacionais, particularmente no período em que Salvador exerceu o papel de capital do Atlântico Sul".
A entidade ressaltou ainda que a Quinta do Tanque abriga desde 1980 o Arquivo Público, onde estão documentos que são referência para pesquisadores e cidadãos de diferentes horizontes acadêmicos e sociais. "Para uma ideia da sua importância, destaque-se que ali estão abrigados quatro conjuntos documentais já reconhecidos pelo Programa Memória do Mundo da Unesco", afirma o instituto.
"O IAB-BA vem a público repudiar tal decisão e encaminhamento, na expectativa de que, por não atender a qualquer requisito de interesse público em sua formulação, seja cancelada a operação comercial do leilão da Quinta do Tanque", diz a nota, assinada pelo presidente da instituição, Luiz Antonio de Souza.
A Universidade Federal da Bahia (Ufba) manifestou "veemente indignação", ao apontar que o local é objeto de estudo e lugar de trabalho de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, principalmente de Arquitetura e Urbanismo, Ciências da Informação e Filosofia e Ciências Humanas.
"É digno da maior estranheza que um bem alvo do maior grau de preservação existente no país possa ser arrolado em leilão e, consequentemente, privatizado", afirma a universidade, ao acrescentar que o edifício-sede do Arquivo Público abriga mais de 400 mil documentos dos períodos colonial, monárquico e republicano, "que registram a trajetória de combatividade e resistência do povo brasileiro e são fonte para inúmeros pesquisadores, sobretudo historiadores, cientistas sociais e arquivistas, não restando dúvidas quanto à necessidade de que se mantenha seu caráter público e aberto a livre acesso".
O governo do Estado disse estar "irmanado na indignação manifestada por instituições oficiais e da sociedade civil" e informou que adotará todas as medidas para que o imóvel "retorne ao patrimônio público em propriedade plena, sem ônus algum".
A Associação dos Gestores Governamentais do Estado da Bahia (AGGEB) publicou uma nota manifestando "indignação" com o caso e "preocupação" com o leilão do conjunto onde está localizado o Arquivo Público da Bahia.
A entidade, que pede o cancelamento do leilão, ressalta que as centenas de milhares de documentos reservam parte da história da "gestão pública" de países da Europa e da África.
Com base no Decreto-Lei n° 25/1937 sobre o tombamento de patrimônio público, a AGGEB aponta ilegalidade na "transferências de bens tombados que não sejam públicos", já que estes são "inalienáveis". O órgão também alerta para o "risco" que seria submetido todo o "acervo" que hoje está guardado no local.
"Art. 11. As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas entidades", parafraseia a nota divulgada nas redes sociais da AGGEB.
"Por fim, a AGGEB considera inadmissível submeter o extenso e precioso acervo documental ao risco que advém da alienação do seu espaço de guarda e manutenção, o prédio da Quinta do Tanque, e assim se manifesta pedindo o cancelamento do referido leilão", conclui.
Processo
Em ação ajuizada em setembro de 1990 contra a antiga Bahiatursa, a empresa TGF Arquitetos buscou indenização por serviços que teriam sido prestados na elaboração de projetos.
Julgada procedente a ação em dezembro daquele mesmo ano, houve um acordo entre as partes em agosto de 1991, que não teria sido cumprido, conforme a parte autora.
Iniciada a execução, a Bahiatursa ofereceu para penhora, em outubro de 2005, a Quinta do Tanque.
Com a extinção da Bahiatursa em 2014, suas funções foram assumidas pela Secretaria de Turismo e o Estado da Bahia ingressou na ação, representado pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
"Desde então, o Estado da Bahia, via PGE, tem apresentado sucessivas manifestações no processo no sentido de preservar o patrimônio público, sem lograr êxito. A empresa autora da ação solicitou o leilão do bem, que foi deferido pelo Juízo, tendo o Estado apresentado medidas judiciais visando evitar a realização. Portanto, o leilão não é promovido pelo Estado, mas por ordem judicial", informou, em nota, o governo.
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