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Mãe Stella de Oxóssi: o adeus a uma imortal

Por Roy Rogeres | A TARDE BA

27/12/2018 - 23:25 h | Atualizada em 21/01/2021 - 0:00
Mulher negra, de santo e de opinião deixa um rico legado
Mulher negra, de santo e de opinião deixa um rico legado -

Na tarde desta quinta-feira, 27, a Ialorixá Maria Stella de Azevedo Santos, ou Mãe Stella de Oxóssi, ou, ainda, Odé Kayodê, nome recebido após a iniciação no candomblé em 1939, uma das maiores e mais respeitadas líderes religiosas do Brasil e internacional, cuja importância atravessou as fronteiras continentais, deu o seu último suspiro, aos 93 anos, no Hospital Incar, em Santo Antônio de Jesus, onde estava internada desde o último dia 14 para tratar uma infecção.

Foram 42 anos à frente de um dos terreiros mais famosos do País, o Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador, e mais de 80 anos de contribuição histórica para a religião do Candomblé, o que fez de Mãe Stella de Oxóssi uma referência da Bahia para todo o mundo. Seu legado está imortalizado desde 2013 na Academia de Letras da Bahia (ABL), onde ocupou a cadeira nº 33, e nas inúmeras páginas documentadas de livros, artigos, estudos e jornais que ajudam a contar e a perpetuar a história da mais famosa sacerdotisa baiana. Intelectuais e religiosos comentaram com exclusividade para A TARDE a contribuição e o legado de Mãe Stella de Oxóssi para a educação, a religiosidade e a cultura brasileira.

Educação

Nelson Pretto, professor titular da Faculdade de Educação da UFBA, comentou a contribuição da sacerdotisa no âmbito da Educação. Ele lembra que a relação com Mãe Stella foi de completa admiração, sobretudo, por conta do trabalho dela, a quem conheceu ao frequentar o terreiro Ilê Axé Opó Ofunjá, quando foi entender como funcionava o candomblé por lá desenvolvido. Depois, enquanto diretor da Faculdade de Educação da UFBA, junto com a professora Meire Arapiraca, quando a convidaram para lecionar uma aula inaugural para os estudantes e futuros professores, e, a partir daí produziram o livro “Expressões de Sabedoria”, que são entrevistas e depoimentos feitos e produzidas por Mãe Stella, a professora leiga Juvani de Souza, e o professor Felipe Serpa. O livro encontra-se no repositório da EdUFBA.

Posteriormente, eles se aproximaram e, para a surpresa de Pretto, num dia em que foi visitá-la, há uns cinco anos, Mãe Stella demonstrou preocupação e curiosidade com os aplicativos para celular, e com essa demonstração ele ficou impactado, achou fantástico ela demonstrar tal interesse. Imediatamente, o professor acionou a equipe do Raul Hacker Club, e eles se propuseram a produzir e desenvolver o aplicativo Axé. “Orientações de Mãe Stella”, que traz mensagens escritas e faladas por ela, seguindo a tradição oral da religião. Em sua justificativa para criação da ferramenta, ela disse: "Ninguém é tão sábio que não tenha necessidade de ser um eterno aprendiz".

“Ela sempre foi uma mulher avançada para o seu próprio tempo, não só como mulher, pois ela sempre foi uma líder feminista no sentido do empoderamento e da participação da mulher, e teve uma grande preocupação com o ensinamento do Axé, por isto, ela sempre escreveu em artigos, em livros, em A Tarde inclusive, sempre se preocupando em colocar a cultura do Axé a disposição da sociedade, ela seria o que nós chamamos de um intelectual público, a Mãe Stella foi e será sempre uma intelectual pública”, considera Nelson Pretto.

Liderança

As consequências dos trabalhos das mais diversas naturezas, conferiu a Mãe Stella não só títulos e o respeito como sacerdotisa, mas, a referência de uma liderança espiritual com muita visibilidade.

“Ela aproveitou essa visibilidade, atuando no campo da formação das juventudes, particularmente das juventudes negras, no sentido de mostrar a importância do Candomblé, do Iorubá, e de todos os rituais e da religião, como sendo algo que precisava ser ensinado e aprendido, por isso ela sempre escreveu muito, e com o digital ela se debruçou sobre os aplicativos, e com o seu canal no YouTube, até ficar um pouco mais adoentada, quando teve dificuldades...”, lembra o docente.

Sincretismo

Nelson Pretto afirma ter acompanhado com atenção e religiosidade, a crítica que Mãe Stella faz e sustentava quanto ao sincretismo religioso, e acredita ser fundamental no atual cenário político a defesa que Mãe Stella sempre fez quanto a convivência entre as diversas religiões. “Neste momento político em que particularmente as religiões de matrizes africanas estão sendo atacadas pelas igrejas evangélicas, o diálogo que ela e várias lideranças do Candomblé fazem com as outras religiões é muito importante, porque o que efetivamente nós precisamos é de pessoas e lideranças que defendam e batalhem para que não tenhamos clima de intolerância na sociedade, e, para isto, a escola tem fundamental importância para que não promova a intolerância. Acredito que para as próximas gerações, o legado de Mãe Stella, de todas as lideranças que defendem uma relação harmônica entre as diversas religiões, é muito importante porque uma sociedade só poderá ser justa se ela respeitar efetivamente os desejos e os valores individuais e coletivos”, opina.

Para o docente, Mãe Stella teve tanta importância em vida, quanto terá após a sua morte, pois deixou muitos ensinamentos registradas para a juventude e também para os mais idosos. “Eu acredito como um acadêmico e um cidadão de fora do Candomblé, que Mãe Stella me ensinou muito a respeitar e a considerar as coisas mais fundamentais dessa religião com as outras, no cenário nacional e internacional, Mãe Stella se destacou justamente por essa perspectiva mais ampla de entender a religião e a sociedade, ela efetivamente foi uma líder do seu próprio tempo”.

Pretto destaca que tudo que Mãe Stella representou e continuará representando para o Estado da Bahia, está imortalizado através da Academia de Letras da Bahia (ALB). “Que foi um marco muito importante da história, numa demonstração de arejamento da academia, o que é fundamental para a ciência, para a educação, na busca de uma sociedade planetária justa”, considera.

Tata Anselmo Santos, líder do do terreiro Mokambo, amigo de Mãe Stella e profundo conhecedor das religiões de matrizes africanas, iniciado no Candomblé em 1975, relatou a contribuição religiosa da sacerdotisa, que considera uma referência, uma pessoa adiante do seu tempo. “Ela pegou o reino que herdou e transformou o que recebeu em algo melhor, e aí está o grande legado dela. Sempre com um pé no futuro, e é disto que a nossa religião precisa. Obviamente que uma pessoa como ela influenciou outras e outras Casas”, afirma.

Na concepção do Tata, muitas pessoas “cantam uma certa pureza” no que diz respeito ao sincretismo religioso, mas na realidade isto não existe, uma vez que o candomblé é brasileiro, embora a raiz e a origem sejam africanos. “Mas o candomblé é brasileiro e ela sempre reverberou isto. Quem criou esse processo sincrético foram os próprios escravizados para poderem sobreviver, ou seja, uma estratégia inteligente, e não um ato de submissão, não foi isso, muito pelo contrário. Para que hoje tenhamos a cabeça erguida é preciso que alguém tenha aberto esses caminhos. Alguns segmentos do Candomblé seguiram, e outros mantiveram o que já tinham, mas o fato de ter acontecido dessa maneira, não fez com que ela deixasse de ter o respeito e a admiração de todos, tanto quem pratica quanto quem não pratica o sincretismo”, disse.

Tata Anselmo apontou as capacidades intelectuais, e os maiores ensinamentos religiosos de Mãe Stella. “São incontáveis ensinamentos absorvidos através dela para com a nossa religião, mas resumiria tudo no título de um livro: “Meu tempo é agora”- que é fantástico, para que os tradicionalistas, sobretudo, entendam que a contemporaneidade uma hora bate à nossa porta, não adianta, pois o candomblé é uma religião viva, a medida em que as coisas vão acontecendo a gente vai se modernizando, mas com o cuidado de modernizar sem perder de vista a tradição, porque o candomblé é uma religião tradicional, e muitas coisas dos mitos e rituais eles não estão para serem modificados, e sim perpetuados. Então, é uma linha muito tênue entre uma coisa e outra, e que as vezes as pessoas fazem uma bagunça, mas ela conseguiu passar para as pessoas que o nosso tempo é agora, temos que viver o agora pensando em preservar isso para o futuro: comportamentos pessoais, religiosos, e uma série de questões, além da visibilidade que ela conquistou com tudo isto”, destaca.

Visibilidade

Segundo Tata Anselmo, em se tratando de candomblé, a visibilidade vem numa crescente, e começou nos anos 1950, com Joãozinho da Goméia, que foi o grande propulsor do candomblé para o mundo, uma pessoa extremamente bem aceita pela mídia, políticos, um simbolo de bondade. Depois vieram outras pessoas, como D. Menininha, e D. Aninha, e Mãe Stella.

“Então, inúmeras pessoas da sociedade civil começaram a enxergar o candomblé com os olhos que têm de enxergar mesmo, não é nenhuma beneficie, e quem chega se apaixona pela cultura, e vê que não é nada daquilo que as pessoas falam por ignorância, não pejorativamente, mas por não saber, e D. Stella, no tempo dela (O meu tempo é agora), foi essa pessoa que tentou o tempo inteiro levar o nome do Candomblé para diversos setores da sociedade, e esta contribuição é muito importante, pois já está feita, ela vai estar sempre, não vai existir passado, o que está feito está feito. É uma costura que a gente faz: “- eu sei que a minha parte é uma gota d'àgua no oceano, mas eu estou tentando fazer da mesma forma, dignificando a nossa religião, levando para diversos outros espaços, e ajudando a quebrar esses paradigmas”, salientou, parafraseando Madre Teresa de Calcutá.

Sobre a religião Candomblé, massivamente defendida pela sacerdotisa, Tata Anselmo diz que hoje em dia está uma maravilha se comparado há tempos atrás. “Falamos em universidades, televisão, todas as mídias, e antes as pessoas nem queriam saber quem éramos nós e nem nos ouvir, e este é fruto do trabalho de todas essas pessoas, com a grande, histórica e significativa contribuição da Mãe Stella para dignificar a nossa religião”, salienta.

“A primeira coisa que Mãe Stella soube manter bem é a parte mágica do Candomblé, a parte do amor ao Orixá, do cuidar do Orixá, da fé, porque hoje em dia as pessoas estão perdendo isso, as vezes fico preocupado porque vou a um lugar e não vejo as pessoas adorarem o Orixá, eles adoram a roupa nova, os instrumentos, o efêmero, ou as profissões das pessoas que se aproximam, se é um mestre, um doutor, um artista, que está na Casa como filho de santo, e Dona Stella não, ela jamais valorizou estas coisas e eu tive a felicidade de com ela aprender, sempre foi uma pessoa com autoridade sem ser autoritária”, salienta.

Reviravolta

Mãe Stella mudou-se de Salvador em março de 2017, onde o terreiro Ilê Axé Opó Ofunjá está sediado especificamente no bairro do Cabula, para Nazaré das Farinhas, no Recôncavo Baiano, após sofrer um acidente vascular cerebral, quando perdeu quase toda a visão, e se locomovia com a ajuda de uma cadeira de rodas. A piora em seu estado de saúde abriu uma guerra silenciosa em torno da sua sucessão. Atualmente, pelo menos cinco grupos movimentam-se para suceder Mãe Stella, que não preparou nenhum nome natural ao posto. A ialorixá partiu com a companheira, Graziela Dhomini, e os integrantes do terreiro decidiram entrar com uma ação na Justiça contra a mudança e acusaram a companheira de proibir visitas a ialorixá. Já companheira de Mãe Stella, a filha de santo, psicóloga e escritora Graziela Dhomini, afirmou que a mudança de cidade ocorreu porque não foram oferecidas condições de que ela continuasse no local, diante o estado de saúde da religiosa. Ela ainda acusou integrantes do terreiro de agredir e retirar ela à força do templo, inclusive, um vídeo que circula na internet mostrou o momento. Por conta disso, ela registrou uma queixa na delegacia do Idoso e do Ministério Público da Bahia (MP-BA).

Sobre o ocorrido e a reviravolta nos seus últimos anos de vida, Tata Anselmo diz acreditar que existem coisas que acontecem na vida que realmente não tem como explicar, por exemplo, essa reviravolta na reta final da vida de Mãe Stella. “Penso que tudo que a gente passa é para aprender, quem sou eu para dizer o que uma zeladora do porte dela tinha ainda para aprender, mas esse ensinamento de se colocar sempre na condição de aprendiz é uma das suas heranças. Quem somos nós para julgar? O candomblé não julga, não tem o hábito de julgar as atividades de ninguém sejam elas quais forem, ainda que não haja concordância e é um direito que cada um tem, pois tem algo que se chama respeito, que é inegociável, e isso ela soube muito bem fazer, manter a respeitabilidade”, disse.

“Quem está próximo dela, é que sabe da vida, do trabalho, de tudo que ela fez de bom para o candomblé, e eu rezo todos os dias para que Oxóssi esteja com ela, e sei que está, pois ela deu tudo o que tinha de melhor, e se teve algum problema que não sabemos exatamente o que foi, e ninguém poderia imaginar...nós não julgamos, e eu só peço que a flecha certeira de Oxóssi acerte nas melhores opções que ela tiver. D. Stella tem uma história muito bonita dentro do Candomblé, e que nenhuma situação ofusque todo o brilho dela, tudo que ela conquistou, todo o legado perpetuado que certamente norteará várias gerações”, desabafou.

Certa vez Mãe Stella foi receber uma homenagem na Assembléia Legislativa da Bahia, e convidaram Tata Anselmo para ir, naquele dia ele não ficou na platéia, o colocaram na mesa, ele achou estranho, mas foi. Ela recebeu uma vasta homenagem e quando acabou tudo, em meio a uma séquito de pessoas, Mãe Stella segurou a mão dele e não largou, eles desceram as escadarias juntos, sentaram. Tata Anselmo tomou a sua a benção e foi agradecer a oportunidade, e ela simplesmente respondeu: “É de pessoas como você que eu ainda confio”. “Para mim, foi extremamente importante, não em nível de vaidade, mas de responsabilidade, é como se ela tivesse me dito: “Continue como você está, que está tudo certo”. Tenho em meu coração que Oxóssi nunca vai renegar tudo que ela fez. Caminha, tropeça, levanta, e, mais uma vez, para mim, que estou disposto a aprender sempre, é uma lição. Podemos tropeçar em qualquer fase da vida, e até este ensinamento ela também deixa, mas sem esquecer nunca a parte do levantar, a mais importante”, finaliza.

Jaime Santana Sodré, historiador, escritor, doutorando em História Social, PhD em História da Cultura Negra, professor da Universidade do Estado da Bahia e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, a quem Mãe Stella se referia como “Meu príncipe”, falou sobre a influência cultural e o legado de Mãe Stella de Oxóssi.

O docente destacou que no ambiente religioso do Candomblé existem algumas figuras que são consideradas verdadeiros patrimônios, não só por suas participações pessoais ligadas a liturgia, como também à sua marca de personalidade, e Mãe Stella é uma dessas marcas de personalidade. “Eu digo até que ela faz uma transição entre uma prática religiosa do candomblé um pouco mais do passado, já jogando elementos do futuro, inclusive da modernidade, então, Stella, que é minha mãe e minha amiga, e nós temos uma admiração recíproca, ela sempre me inspirou sob o ponto de vista de posições claras, ousadas, e acima de tudo, voltadas para a caracterização do candomblé como uma verdadeira religião, então, ela foi encarregada de fazer esse embate, não só com a sociedade, mas também com os seus próprios limites dentro do seu próprio terreiro, para tentar implantar suas ideias”.

Para Sodré, Mãe Stella será sempre lembrada em três planos fundamentais: o primeiro, enquanto mulher, e mulher negra, que evidentemente por ter essas duas marcas, enfrentou dificuldades sociais em função do racismo. Segundo, enquanto mulher de formação de nível superior, uma vez que foi enfermeira, e no exercício da profissão já praticava caridade, como a pessoa generosa que sempre foi.

E o aspecto o qual chama atenção é o recorte da mulher negra Stella como uma intelectual qualificada, representada e representando o que existe de mais absoluto em termos de Candomblé, e transformando isso em documentação literária, uma contribuição de escrever que levou ela à Academia, sendo essa questão um aspecto revolucionário em relação a participação de uma mulher negra dentro de uma Academia que cuida das letras, e, além do mais, abre espaço para a presença de uma mulher de santo, além de quebrar os paradigmas, inaugura uma questão interessante de publicar artigos para o jornal A Tarde, e fez disto uma excepcionalidade.

“Uma mulher negra, de santo, e de opinião, e ela enriqueceu o nosso reportório, não só escrevendo no jornal, mas também por meio dos seus livros, o que considero fundamental, uma mulher ligada ao candomblé registrar as suas ideias.E o terceiro aspecto é o da Stella guerreira e combatente, enfrentando rivalidades, preconceitos, questões que não convém agora examinar, mas o cotidiano das relações humanas, os ambientes coletivos, em que uns são contra, outros a favor, mas afinal de contas, ela traçou o plano de sua vida e seguiu como pensou, e aí veio a parte dela que tem posição, que tem lado”, afirma.

Uma das questões que o candomblé deve muito a Stella, na concepção do especialista, diz respeito a liberalidade e autenticidade do candomblé.

“Quando ela vai a campo combater o sincretismo, dizendo claramente da desnecessidade desse apoio em outra religião, levando em conta que o candomblé já tem todos os substratos necessários de uma religião...e é por aí que Stella enfrenta não só algumas pessoas que acham que o sincretismo é algo natural, como também inaugura uma maneira de fazer a fé ligada exclusivamente a questão da africanidade, o que leva ela a percorrer o País com a ideia de não ao sincretismo, leva ela a manifestar essa ideia fora do contexto nacional, e buscando uma África renovada, uma religião renovada, e esse aspecto é fundamental, pois sem impregnar-se de ódio ou rivalidade, explicar simplesmente que o candomblé se basta, a sua tradição, o seu repertório litúrgico, e ela vai à rua dizer isto, começando evidentemente a alterar a programação litúrgica da sua própria Casa, da desnecessidade de acabar de fazer o santo no candomblé e ir à Igreja católica para se sacralizar, ela estabeleceu este limite. Além disto, nesse aspecto de limitar adeptos do candomblé em espaços religiosos, ela nunca disse que não podiam ir a uma manifestação religiosa de outro culto, desde que dissessem que é de candomblé, ou vacilar quando perguntados qual religião se professa”, recorda..

Sodré relembra ainda que Mãe Stella se revelou também contra a ideia da folclorização, quando se levantou vigorosamente contra a concepção de que Salvador para se revelar turisticamente teria que se apregoar de valores da tradição africana para ser exposto na via pública, a disposição da folclorização.

“O grande embate dela, foi quando a certa feita pensou-se na decoração do carnaval de Salvador baseada nos Orixás, e ela muito aguçadamente foi para frente das organizações dizer que estavam tentando implantar essa ideia e ela foi contra. E estabeleceu um outro limite, ao dizer que a religião do Candomblé é feita em espaços condicionados para isto, no caso os terreiros, e não para ser exposto em via pública. O empenho dela junto a outras pessoas ligadas as federações de culto afro fez com que a decoração da cidade fosse mudada, deixou-se de fazer aquela utilização predatória do acervo religioso do candomblé, para ser uma decoração diferenciada que tratasse da questão africana, ela também estava ali no embate colocando claramente que o espaço do candomblé não era o carnaval, e até alegava se outras religiões fariam isto, de sair desfilando no carnaval com os seus signos...”, revela.

Mãe Stella contribuiu também do ponto de vista musical. “Pois no Ilê Axé Opó Ofunjá se fazia os festivais de música sacra, com tocadores, alabês, de todo o país e de fora, e ali se perpetuava esses sons e ritmos...”, lembra.

Outra questão forte dela está inteiramente ligada a educação, pois ela se empenhou e manteve uma escola dentro do terreiro, a escola Municipal Eugência Anna dos Santos, com o recorte de não ser exclusivamente para pessoas do candomblé, nem alunos ligados a tradição religiosa do candomblé. “Era, como é até hoje, uma escola de porta aberta, em que se ensina a cultura Iorubá, a cultura baiana, e o que é mais louvável é que dentro do conjunto de alunos que têm ali, muitos são evangélicos, e não se acanham de frequentar aquele ambiente. Ou seja, uma visão inteiramente ligada a educação de modo que pessoalmente poderia dizer da sua maneira gentil de tratar as pessoas, da forma elegante de aconselhar as pessoas”, destaca,

Qualidades

“Mãe Stella teve três qualidades que são muito louváveis, a primeira que eu sempre admirei é tratar todos os filhos de santo com igualdade, e ela antes de pedir, ela fazia, ela estimulava o fazer. Segundo, a disciplina sem arrogância, obedecendo aos desígnios que o Orixá manda, e a terceira, é que sempre foi uma personalidade forte, quando ela determinava e queria algo é porque ela já estava sabendo...Ela tinha opinião e segurava firmemente. Ela sempre tratou as pessoas do candomblé sem olhar a Nação, de modo que sempre fora uma espécie de aglutinadora, sem discriminações, e ademais, o conhecimento, a leitura, a preparação intelectual para compreender o tempo em que vivia, claro que se busca na ancestralidade o conhecimento litúrgico, mas é preciso estar sintonizado com o presente, e para isto, nada mais que uma intelectual do quilate dela para além de ser aquela que joga os búzios, ser aquela que reflete, raciocina e escreve sobre o que pensa”, finaliza.

Histórico

Mãe Stella de Oxóssi estudou no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, dirigido pela professora Anfrísia Santiago, e formou-se Enfermagem pela Escola de Enfermagem e Saúde Pública, em Salvador. Exerceu a função de visitadora sanitária por mais de trinta anos. Ingressou no Candomblé em 1939, quando recebeu o nome de Odé Kayode, designada Kalola, 1964, escolhida a quinta Iyalorixá do Ilê Axé Opó Afonjá, em 1976.

Em 1981 fundou o Museu Ilê Ohum Lailai, da Escola de Ensino Fundamental Eugênia Anna dos Santos, defendeu a municipalização da escola em 1999, quando implantou o ensino da Cultura Afro-Brasileira, 1999-2000, da Associação de Jovens do Ilê Axe Opô Afonjá - AJA, 1994; da Feira de Cultura Africana Afonjá, 1994-1999; protetora da área do terreiro no ACPC, 1995 e tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, 1999.

Participante do Projeto de Mobilização Cultural da Criança em Risco; da II Conferência Municipal de Tradição dos Orixás e Cultura onde fez seu primeiro discurso público, 1983, Salvador; da III Conferencia Mundial de Tradição dos Orixás e Cultura em Nova Iorque - EUA, 1986; integrante da comitiva da Comemoração da Semana Brasileira na República do Benin, Africa, 1987. Homenageada no Show da Família Caymmi no Teatro Castro Alves - TCA, 1995, com a Cantiga para Mãe Stella. Primeira mãe de santo a ocupar a cadeira no 33, da Academia de Letras da Bahia, 2013.

Recebeu o Troféu membro de Destaque da Comunidade Negra, 1988. Honra ao Mérito de Grão Mestre de Cavaleiro, 1990; Membro Honorário do Templo Yorubá (OMO Orisha) de Porto Rico, 1993; Medalha 02 de Julho, Câmara Municipal de Salvador, 1997; Medalha Maria Quitéria, Câmara Municipal de Salvador, 1997; Ordem ao Mérito da Cultura na classe Comendador da Presidência da República, 1999; Destaque Mulheres no Combate ao Racismo, Assembleia Legislativa - ALBA, 2001; Prêmio Jornalístico Estadão - Fomentadora de Cultura; Doutor Honoris Causa - Universidade Federal da Bahia - UFBA, 2005; Medalha Zumbi dos Palmares, 2005; Doutor Honoris Causa - Universidade Estadual da Bahia - UNEB, 2009.

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