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LINHA VERDE

Moradores de Vila Santo Antônio acusam fraude em tentativa de reconhecimento quilombola

Irmãos com histórico de vida fora do território lideram grupo com narrativa contraditória sobre real existência de vínculo com quilombo

Por Da Redação

09/11/2024 - 17:44 h
Comunidade quer ser ouvida em caso que envolve acusação de fraude
Comunidade quer ser ouvida em caso que envolve acusação de fraude -

Pouco badalada, embora localizada entre famosos destinos do conjunto de praias da Linha Verde, no litoral norte da Bahia, a pequena Vila Santo Antônio se tornou cenário de uma história que tem levado preocupação e revolta a seus pouco mais de 250 moradores. Isso porque membros de uma mesma família, que tem origem numa localidade próxima, alegam que toda a Vila de Santo Antônio e uma grande faixa do terreno no qual ela está localizada, fariam parte de um território de povos remanescentes quilombola.

Em meio a argumentos controversos dos integrantes do alegado quilombo, moradores tradicionais da Vila negam a veracidade da história. Para eles, a verão criada seria incentivada por outros interesses, que não o de reconhecimento histórico de legítimas comunidades tradicionais de povos remanescentes de quilombos. Apesar dos critérios estabelecidos em lei, a grande maioria dos integrantes da família que reivindica a condição de quilombo não estabeleceu, ao longo de suas vidas, relação com aquele território, e não preservam uma cultura que legitime os laços de ancestralidade que alegam.

Em 2003, um decreto federal editado pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva regulamentou o procedimento para a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação de terras ocupadas por remanescentes de comunidades quilombolas. De acordo com essa legislação, são considerados remanescentes das comunidades dos quilombos “os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.

Pescador e proprietário de um pequeno restaurante na vila, Tomaz Batista é tio de parte dos irmãos que compõem a família que se autodeclara quilombola. Ele discorda e afirma que a versão contada pelos sobrinhos não é verdadeira. “Minha irmã não era quilombola, meu pai não era quilombola, eles não são filhos de quilombola, como é que agora eles se naturalizaram quilombola? Essa região nunca foi quilombo e ninguém aqui pensava, nem falava de quilombo antes de começarem com essa história”, relata Tomaz, que nasceu e viveu todos os seus 72 anos naquele lugar.

Para entender o que está acontecendo na Vila Santo Antônio, é preciso conhecer a narrativa que envolve esse grupo familiar liderado por dois irmãos, Domingos e Walmir Mendes de Oliveira. Após a morte de dois tios, afamília ocupou uma pequena área de terras, com cerca de 8.700 metros quadrados, denominada Sítio Santo Antônio, situada no limite da faixa de domínio da rodovia BA – 099 (Linha Verde). No entanto, os irmãos não cresceram na localidade. No caso de Walmir, ele é natural de Santo Amaro, no Recôncavo Baiano, sequer nasceu naquele lugar. Ambos passaram grande parte de suas vidas e fixaram residência na cidade de Candeias, na região metropolitana de Salvador, onde também constituíram suas respectivas famílias. Agora, eles reivindicam, perante órgãos federais, a certificação de toda a área que fica localizada entre Costa do Sauípe e o povoado de Diogo, no município de Mata de São João, como uma comunidade de povos remanescentes quilombolas.

Mesmo não havendo indícios de qualquer tradição e outros indicativos de que aquele local já viveu como um quilombo, a área do sítio da família em questão já foi certificada pela Fundação Cultural Palmares (FCP), sendo nomeada como Comunidade Quilombola de Santo Antônio – Jitaí. Outros trâmites, também no âmbito federal, seguem em processo para a regulamentação da área.

Assim como outros moradores de longa data da Vila Santo Antônio, o pescador Tomaz acredita que o grupo esteja recebendo orientações externas para dar prosseguimento judicial à questão. “Eu conheci até os avós deles. E era um povo que não falava de quilombo, nem de escravo. É provável que foi alguém de fora que chegou e orientou eles a fazer isso. E dizendo que era um quilombo seria mais fácil de conseguir o que eles querem. Ninguém aqui nunca havia falado de existir quilombola”, reafirmou.

Retrospectiva e contradições

Domingos Mendes de Oliveira, 62 anos, é o mais velho dos irmãos que compõem o grupo familiar que se declara quilombola e reivindica a demarcação do território onde se encontra a Vila. Domingos deixou a região da Vila Santo Antônio ainda criança, quando foi morar na cidade de Candeias, levado pelo pai, patriarca da família, Germano Alves de Oliveira. Assim como grande parte dos demais irmãos, cresceu, estabeleceu família e a vida de trabalho na Região Metropolitana de Salvador (RMS).

Desde o ano de 1986 até o presente, Domingos tem domicílio eleitoral no município de Candeias, é aposentado e, em diversos documentos públicos, declara endereço também na cidade da RMS. Apesar de não ter residido nas proximidades da Vila Santo Antônio nas últimas décadas e não ter trabalhado em atividade rural, Domingos se declara como lavrador, e é citado como um dos detentores da memória da comunidade remanescente quilombola que sustenta existir.

O irmão Walmir também faz afirmações diferentes da sua trajetória de trabalho. Ele também se declara lavrador, no entanto a sua real ocupação é como comerciante, com uma loja de peças e mecânica de motocicletas, além de ser dono de uma empresa de serviço de internet que atua na região de Mata de São João.

Registros de imagens de satélite feitas em diferentes períodos comprovam a ausência de qualquer atividade produtiva na área do sítio herdado pelos irmãos.

Comunidade quer ser ouvida

Atualmente, a Vila Santo Antônio possui pouco mais de 200 moradores residentes, entre crianças e adultos. Mais de 50 deles compõem a Associação de Moradores de Vila Santo Antônio (Amasa). A representação coletiva também se posiciona contra a tentativa de estabelecer que exista, ali, um território remanescente quilombola.

Vice-presidente da Associação, Daise Silva, 29 anos, conta que, até então, os moradores nativos, detentores de memórias e tradições da comunidade local, não foram ouvidos por órgãos públicos sobre a questão. “Nós, enquanto Associação, nunca fomos ouvidos por nenhum órgão. Estamos muito preocupados porque nós não sabemos o que é que pode acontecer. Temos medo de sermos afetados por algo que nós não fazemos parte e nem acreditamos que eles façam parte, porque aqui nunca existiu quilombo. Uma área, para ser considerada quilombola, ela precisa ser reivindicada pela maioria das pessoas, e isso não acontece aqui. Está sendo reivindicada por uma pequena família, que reside lá na entrada, e toda a vila está sendo incluída nisso”.

Um dos receios da comunidade da Vila, que tem o turismo como sua principal fonte de renda, geração de renda e movimentação econômica, é que a regulamentação da área como território de povos remanescentes quilombo ameace a continuidade dessas atividades que há décadas são a marca do lugar e da história da população que lá nasceu e reside. A pretendida regularização fundiária para tornar a região território de povos remanescentes quilombolas, de forma ilegítima, significa ainda um retrocesso de mais de cem anos para a comunidade.

“Nós temos consciência de que existem, sim, verdadeiras comunidades quilombolas que precisam ter seu reconhecimento, mas também temos certeza que esse não é o caso dessa família. Também nos deixa indignados como os órgãos públicos não percebem essa farsa montada. Soubemos que o pedido deles passou na frente de outros que já esperavam por ano. Isso acaba prejudicando os verdadeiros processos de reconhecimento de comunidades legítimas”, reforçou Daise.

Fragilidades

Além do posicionamento contrário da população da Vila, a tentativa de afirmação de território de povos remanescentes quilombola é contestada pelo assessoramento jurídico prestado aos moradores e à Associação. A principal fragilidade apontada é a falta vivencia e preservação da cultura que justifica a falta de conhecimento, por parte do grupo que defende a versão quilombola, de uma tradição e cultura dos povos remanescentes de quilombo. Além disso, não tem relatos históricos que aquele território foi objeto de resistência de povos tradicionais, nem há elementos que comprovem existir preservação de uma cultura de ancestralidade, de memórias e manifestações, como a religiosidade de matrizes africanas, predominante em verdadeiras comunidades com origem histórica de quilombos que preservam os seus traços de ancestralidades.

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