BAHIA
Novo estatuto da família é questionado por segmentos sociais
Por Fabiana Mascarenhas

Todo dia, eles fazem quase tudo sempre igual. Acordam às 5h40 da manhã, tomam café juntos e cada um sai para resolver as atribuições relacionadas às suas respectivas atividades profissionais. Erivelton Oliveira Afonso, 34, é técnico em mecânica em uma fábrica. Vanberto Afonso Pereira, 51, é joalheiro.
Às seis da tarde, Vanberto - que frequentemente trabalha em casa - espera o companheiro para jantar. Juntos há 10 anos, o cotidiano do casal é semelhante ao vivido por muitas famílias brasileiras.
Mas para 17 dos 22 deputados da comissão especial destinada a proferir um parecer ao projeto de lei nº 6.583, Erivelton e Vanberto não são uma família. Nem eles nem os 60 mil casais homoafetivos que vivem no Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso sem contar as uniões não declaradas.
A comissão aprovou, no dia 24 de setembro, por 17 votos favoráveis e 5 contrários, o Estatuto da Família. O projeto de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR/ PE) define entidade familiar como o núcleo social formado, exclusivamente, entre um homem e uma mulher, por meio do casamento ou união estável.
O texto, que tramita na casa desde 2013, dispõe sobre os direitos da família e as diretrizes das políticas públicas voltadas para áreas como saúde, segurança e educação. "Somos uma família como qualquer outra e precisamos ser respeitados como tal", exige Vanberto Afonso.
Para Marcelo Cerqueira, presidente do Grupo Gay da Bahia (GGB) - a mais antiga ONG homossexual da América Latina -, o estatuto é uma violência. "Fere a cidadania os direitos civis e interfere na vida de 10% da população brasileira formada por LGBTs. "Não podemos admitir essa exclusão", desabafa.
Formatos
Único deputado baiano a fazer parte da comissão, João Carlos Barcelar (PTN-BA) foi um dos cinco parlamentares contrários à aprovação do projeto de lei.
"Esse projeto exclui não somente a comunidade LGBT, mas todos os outros formatos familiares existentes em nossa sociedade. A família nuclear tradicional - formada por um homem e uma mulher - é majoritária, mas não a única. Toda e qualquer família tem direito à proteção", diz.

E são muitos os arranjos familiares atuais. Cecília, 10, mora com o pai, o professor de antropologia Diego Marques, da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Eles constituem uma família monoparental masculina, assim chamada quando o homem cria os filhos sozinho, por escolha ou ocasião.
Diferentemente do que pensa a maioria das pessoas, não houve briga pela guarda da garota, a mãe de Cecília, felizmente, não morreu nem se trata de um caso de abandono. "A ideia da nossa filha ficar comigo foi consensual. Temos uma ótima relação, a mãe dela é superpresente, só vive em outro estado", explica Diego.
Esse modelo representa 3,9% do total dos arranjos familiares com filhos existentes na Bahia, segundo dados da última Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad), realizada em 2013 pelo IBGE. No caso das residências chefiadas por mulheres, esse percentual chega a 30%. No Brasil, as famílias monoparentais somam 29,9% do total.
"No Brasil, vivem atualmente 190 sociedades diferentes e diversas famílias não se enquadram nesse padrão constituído pelos progenitores e seus descentes. Esses arranjos familiares distintos do tradicional somam mais da metade do total entre nossa população. Trata-se, portanto, de uma lei retrógrada, que vai na contramão da realidade social", afirma Diego Marques.
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