BAHIA
Pesquisa quer melhorar cultivos na seca
Por Jane Fernandes
A solução para que o cultivo de milho e feijão tenha produtividade estável em regiões do semiárido, sem tanta dependência dos regimes hídricos naturais, é o foco de uma pesquisa em desenvolvimento na Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em Juazeiro (norte baiano, 505 km da capital). O trabalho é uma iniciativa do coordenador do curso de engenharia de bioprocessos e biotecnologia da unidade, Adailson Feitoza.
A identificação de bactérias que possam se associar a diferentes culturas agrícolas, resultando na melhor adaptação às regiões áridas e/ou semiáridas é o objetivo central do estudo, que tem apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). De acordo com o professor Feitoza, diversos trabalhos científicos têm apontado a importância de micro-organismos, bactérias e fungos na resistência de plantas diversas em áreas com irregularidade de chuvas.
“Se conseguirmos selecionar uma bactéria que tenha a capacidade de se associar e promover benefícios para diferentes culturas ela poderá ser utilizada. No entanto, isto ainda é bem difícil de ser conseguido, dada a especificidade de relação entre bactérias e plantas que pode existir”, esclarece o pesquisador. Por conta disso, ele e a equipe têm trabalhado com diferentes bactérias, com distintas capacidades de associação com os vegetais.
A grande variedade de interações possíveis também levou o grupo a concentrar mais esforços na pesquisa voltada para as culturas de feijão e milho, selecionadas devido à grande importância para os produtores do semiárido. “Esses cultivos no semiárido estão sujeitos aos regimes hídricos naturais, ou seja, dependem intensamente dos períodos chuvosos”, explica Feitoza.
O coordenador lembra que a pesquisa foi iniciada em Euclides da Cunha, município com produção relevante de feijão e milho, e partiu do estudo das bactérias das cactáceas (popularmente conhecidas como cactos). Ele recorda que com “as irregularidades das chuvas e com os longos períodos de estiagem, vários produtores tiveram grandes prejuízos no período de 2011 a 2015”.
“O projeto surgiu durante o doutorado na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. O objetivo inicial não era trabalhar com o foco na temática seca, mas selecionar bactérias que pudessem auxiliar como biofertilizantes para diversas culturas”, conta Feitoza. O foco do trabalho mudou com a percepção de que as bactérias encontradas em áreas produtoras de sisal possuíam a capacidade de tolerar as condições de seca.
Ação
“Os mecanismos exatos para indução desta tolerância às condições de seca ainda não foram elucidados, no entanto o que se sabe é que estas bactérias produzem uma série de compostos, como alguns hormônios que podem ser liberados e captados pelas plantas”, diz o pesquisador. Ele acrescenta que essas bactérias que vivem em associação nas raízes das plantas liberam nutrientes, retirados do solo, que não seriam captados e absorvidos diretamente pela planta.
Outro fato conhecido sobre essa interação, destaca Feitoza, “é a capacidade das bactérias colonizarem as raízes das plantas e recobri-las com uma estrutura gelatinosa, que reduz a perda de água através das raízes quando a temperatura do solo está muito elevada”. O pesquisador comenta que esse mecanismo também permite que nutrientes sejam agregados ao redor das raízes melhorando a nutrição.
Os fatores elencados acima pelo pesquisador é que levam as culturas agrícolas a sobreviverem quando submetidas a condições de estresse, como indisponibilidade de nutrientes ou ainda períodos de estiagem. “São essas características que queremos que as nossas bactérias consigam desenvolver em culturas de interesse agrícola”, reforça.
De acordo com o pesquisador, o projeto conta atualmente com mais de 300 bactérias com potencial quanto à capacidade de induzir tolerância à seca em culturas de interesse agrícola. Desse total, cerca de 50 já tiveram o material genético sequenciado.
Feitoza explica que o sequenciamento é fundamental para determinar se a bactéria oferece algum risco de causar danos à saúde do homem e outros animais. “Além disso é fundamental para conhecer o potencial genético de cada uma”, complementa o professor.
Resultados iniciais animam a equipe de pesquisadores
O coordenador do curso engenharia de bioprocessos e biotecnologia da Uneb de Juazeiro, Adailson Feitoza, conta que os resultados iniciais para os testes em condições de cultivo doméstico e também na área agrícola são animadores.
“Já estamos tentando formular um produto biológico com base nestas bactérias e iniciar testes com diferentes produtores de milho para verificar a eficiência em campo”, destaca o professor e cientista.
“O desenvolvimento de uma tecnologia como esta visa facilitar o trabalho do agricultor. Por este motivo são direcionadas para uma aplicação simples, rápida e, principalmente, segura”, garante Feitoza, esclarecendo que o uso de bactérias não exige técnicas especiais de cultivo.
O pesquisador ressalta que o uso de bactérias na agricultura não é novidade no Brasil e cita os resultados da soja inoculada com rizóbios, tecnologia que colocou o País entre os líderes mundiais na produção do grão. “O agricultor apenas mistura a bactéria com as sementes e, em seguida, planta normalmente. O uso de outras bactérias, como as que estamos testando, não foge muito deste tipo de aplicação”, explica.
Feitoza afirma que os experimentos têm demonstrado o potencial de bactérias nativas da caatinga para o desenvolvimento de biotecnologias voltadas para o semiárido e regiões com condições climáticas semelhantes.
“A grande vantagem destas bactérias da caatinga é o fato de serem nativas e, desta forma, possuírem um metabolismo adequado para sobreviver em regiões com déficit hídrico”, reforça.
Coleta
Para identificar os micro-organismos que estariam no centro do estudo, Feitoza e equipe inicialmente coletaram material aderido às raízes de algumas plantas nativas da caatinga e, posteriormente, isolaram e cultivaram as bactérias encontradas nas amostras.
O passo seguinte, conforme o professor, foi a submissão das bactérias a testes para identificar o potencial delas na promoção do crescimento de plantas em condições adequadas, e também na tolerância a condições de seca, como elevadas temperaturas, déficit hídrico e salinidade elevadas.
Estudo integra série Bahia Faz Ciência, criada no ano passado
A pesquisa, coordenada pelo professor Adailson Feitoza, da Uneb de Juazeiro, integra a série Bahia Faz Ciência, da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado (Secti). A iniciativa, criada no segundo semestre do ano passado, tem o objetivo de ampliar o acesso da população às pesquisas e projetos desenvolvidos pelas instituições baianas.
A Bahia Faz Ciência já destacou pesquisas desenvolvidas nas universidades federais da Bahia (Ufba), do Oeste da Bahia (Ufob), do Sul da Bahia (UFSB), do Recôncavo da Bahia (UFRB) e do Vale do São Francisco (Univasf); nas universidades estaduais de Santa Cruz (Uesc), do Sudoeste da Bahia (Uesb), de Feira de Santana (Uefs) e do Estado da Bahia (Uneb); e nos institutos federais da Bahia e Baiano.
Trabalhos desenvolvidos no Colégio Estadual Francisco da Conceição Menezes, em Santo Antônio de Jesus, e no Centro Territorial de Educação Profissional da Bacia do Rio Grande, em Barreiras, também foram contemplados entre as 24 pesquisas já abordadas na série da Secti.
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