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BAHIA

Professora de filosofia está afastada há dois anos após abordar cultura negra e Estado laico

Por Mariana Gomes

24/11/2021 - 15:29 h
Há 21 meses afastada, a professora de filosofia Ana Maria Leal abordava o conteúdo programático sobre ensino da cultura afrobrasileira | Foto: Acervo pessoal
Há 21 meses afastada, a professora de filosofia Ana Maria Leal abordava o conteúdo programático sobre ensino da cultura afrobrasileira | Foto: Acervo pessoal -

Há quase dois anos, a professora de filosofia Ana Maria Leal foi afastada de seu trabalho no Centro Educacional Padre Camilo Torrend, no município de Dias D'Ávila, após, de acordo com a própria, ter havido insatisfação de pais de estudantes com o uso de uma canção de funk e outros elementos da cultura afro-brasileira, durante a abordagem de conteúdo sobre a consciência negra.

Antes disso, a filósofa alega ter sido transferida da Escola Municipal Professora Anfrísia Santiago, após uma aula sobre Estado laico, em agosto de 2018. Segundo Leal, ambas as comunidades escolares são majoritariamente neopentecostais, segmento evangélico, e rechaçaram as aulas de filosofia.

Sem trabalhar desde fevereiro de 2020, Ana Maria, que é concursada do município desde 2002, explicou ao Portal A TARDE que, com o início das acusações, "colegas começaram a fazer piadas". A defesa da professora, feita pelo advogado Vinícius Santana, explica que o afastamento é resultado de denúncias realizadas pela mãe de dois estudantes. "Meu psicológico está abalado desde então", pontuou ela.

De acordo com a defesa, após um desentendimento entre a professora e uma aluna em sala de aula, a mãe da estudante reclamou com a secretaria da escola, que solicitou um pedido de desculpas à docente. Na ocasião, Ana Maria teria gritado em sala para chamar atenção da turma, conhecida por ser “indisciplinada”. Com o acontecimento, a mãe da estudante abriu também uma ocorrência na delegacia, prestou queixa ao Conselho Tutelar e acionou o Disque 100. O Conselho Tutelar dispôs denúncias por tratamento vexatório, desrespeito às crianças e submissão dos estudantes "a vexame ou a constrangimento",com base no Estatuto da Criança e do Adolescente.

No percurso das denúncias, a mãe da estudante, que é evangélica, ainda reportou insatisfação com conteúdos trabalhados na aula de filosofia. Ela reclamou do uso de funk durante uma das aulas, chamando de música de ‘baixo calão’, e acusou a professora de promover ideologia política.

"Os adolescentes adoram funk e selecionamos músicas antigas, como aquela que diz 'é som de preto, de favelado'. A comunidade não gostou", relata a filósofa citando a canção dos MCs Amilcka e Chocolate, lançada em 2005. "Eu sou professora. Sei muito bem o que faço em sala de aula. Essa é uma música que não tem cunho sexual", concluiu.

Além disso, Ana Maria trabalhou textos da poeta Mel Duarte, da compositora Bell Puã e da filósofa Djamila Ribeiro, conhecidas pelo ativismo contra o racismo e o machismo.

Já são 21 meses desde a decisão, no processo administrativo, pelo afastamento da professora. Segundo a portaria no Diário Oficial de Dias D’Ávila, assinado pela prefeita Jussara Márcia, Ana Maria Leal não tem data de retorno para as escolas.

Estado laico

O outro caso envolvendo a professora aconteceu em agosto de 2018, na Escola Municipal Professora Anfrísia Santiago, onde Ana Maria integrava a equipe docente havia onze anos. Na ocasião, a professora usou um vídeo sobre Estado laico, feito pelo professor Guilherme Terreri, mais conhecido como a drag queen Rita Von Hunty, youtuber do canal Tempero Drag. Ao Portal A TARDE, a educadora contou que os pais dos estudantes, "majoritariamente neopentecostais", reclamaram à secretaria da escola. Segundo a Secretaria de Educação da cidade, ouvida pela reportagem, a denúncia foi acolhida pela pasta e a professora foi transferida para o Centro Educacional Padre Camilo Torrend, longe do centro de Dias D’Ávila.

Preconceito

A mãe que registrou oficialmente as denúncias no Centro Educacional Padre Camilo Torrend demonstrou insatisfação também ao ver, durante um seminário sobre consciência negra promovido pela professora, estudantes vestidos com roupas de baiana, figura tradicional para a cultura da Bahia e que utilizam vestimentas das religiões afro-brasileiras.

Também foi relatado nas denúncias sucessivas aos órgãos competentes que a professora era candomblecista, possibilidade negada por Ana Maria. “Eu tenho profundo respeito pela religião, mas de fato não sou candomblecista”, disse Leal.

O caso chegou ao Ministério Público em 12 de outubro de 2019 e tramita hoje no assunto de “crime Resultante de Preconceito de Raça ou de Cor” no MP-BA. Além disso, o advogado de Ana Maria Leal abriu uma ação no Juizado Cível em Dias D’Ávila.

A secretaria de Educação de Dias D'avila confirma que não há previsão para o retorno da docente. “Em março, estivemos com Ana Maria e verificamos o motivo do processo não estar em vigor. A comissão na Prefeitura explicou que não deu andamento devido à pandemia. O processo está em análise”, relatou a secretária Hermínia Souza, que ocupa o cargo desde janeiro deste ano.

A defesa de Ana Maria defende que não há razões para que a filósofa continue sem exercer o cargo. “Um processo de afastamento deve ser analisado em até 60 dias, com possibilidade de ampliação para até 120 dias, desde o início. No caso de Ana Maria, já são quase dois anos. Isso é também uma lesão ao erário público, pois a professora continua recebendo, quer trabalhar, mas não tem autorização”, explica Vinícius Santana.

A reportagem do Portal A TARDE entrou em contato com a regional do Sindicato dos TRabalhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB) em busca de mais informações. Por meio da assessoria, a entidade informou que não conseguiu contato com a coordenação da escola e, por isso, não pode se posicionar antes de saber todos os fatos.

Neste mês, outra professora de filosofia também foi rechaçada em sala de aula na Bahia. Uma estudante do colégio estadual Thales de Azevedo, em Salvador, prestou queixa após a docente abordar os temas de racismo, assédio, machismo e diversidade. A educadora chegou a ser intimada pela polícia após a mãe da aluna registrar uma queixa por "doutrinação feminista".

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