INDEPENDÊNCIA DA BAHIA
Recôncavo foi protagonista na luta do povo baiano pela independência
Cidades como Santo Amaro, Saubara e Muritiba foram palco de triunfos pela libertação
Por Alan Rodrigues
A conquista da independência do Brasil na Bahia é resultado de uma série de movimentos e mobilizações espalhadas por todo o estado. Até a batalha final, muitos, de várias origens e localidades, foram os que abraçaram e acalentaram o sonho de se libertar da coroa portuguesa.
Uma parte dessa história é razoavelmente conhecida, mas, muitos fatos ainda permanecem ignorados pela maioria da população. Como, por exemplo, a origem da tropa patriota que enfrentaria os portugueses e que começou a se formar muito antes do Dois de Julho.
Em fevereiro de 1822, antes mesmo de D. Pedro I declarar o Brasil independente da Coroa Portuguesa, começaram os conflitos em solo baiano e tropas recuaram do Forte de São Pedro para o Recôncavo Norte, se abrigando na Casa da Torre.
Casa da Torre
Antônio Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque, senhor da Casa da Torre e herdeiro das terras de São Bento de Monte Gordo, arregimentou, então, um embrião do exército libertador, formando a milícia da torre, composta de homens brancos, negros, mestiços e indígenas.
Assim, a Casa da Torre, que já servia como posto de observação privilegiado na defesa da Baía de Todos os Santos de embarcações inimigas, tornou-se uma das principais bases de comando da guerra. Irmão de Antônio, Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque, senhor de engenhos, se tornou Capitão-Mor agregado à vila de Santo Amaro da Purificação e primeiro comandante da tropa patriota.
Logística
Mas, nem só de combatentes foi construída a luta pela independência. A Feira de Capuame, onde hoje é o município de Dias d´Ávila, além de fornecer mantimentos para os soldados, também armazenava armas e munição para a tropa patriota, como conta o historiador Diego Copque, em seu livro “A Presença do Recôncavo Norte da Bahia na consolidação da independência do Brasil”.
O acesso ao local era feito pela Estrada das Boiadas, que tinha início na freguesia de Santo Antônio Além do Carmo e passava por Pirajá, Água Comprida (Simões Filho), Moritiba do Rio Joanes (Góes Calmon), chegando a Camassary, Capuame, até chegar ao Açu da Torre. Era por esse caminho que o gado de Capuame era levado para o abate, no matadouro do Barbalho, e foi com o bloqueio dessa estrada que as tropas portuguesas ficaram sem suprimentos. enquanto as tropas baianas tinham alimentação garantida.
Reconhecimento
No primeiro centenário da independência, celebrado em 1923, foi inaugurada a primeira estrada Salvador-Feira – que nada tem a ver com a BR 324 -, sobre a estrada das boiadas. Às margens dessa estrada, no dia 27 de julho de 1822, foi instalado, no Engenho Novo Cotegipe, um quartel-general, a apenas quatro léguas da Freguesia de São Bartolomeu de Pirajá. O engenho se consolidou como base de comando e operações das tropas que desciam do recôncavo para atuar na guerra.
Outros municípios também contribuíram, de forma institucional ou informal, para arregimentar apoiadores e fortalecer o apoio popular à luta pela independência. A Câmara da Vila de Nossa Senhora da Purificação e Santo Amaro, ou simplesmente Santo Amaro, “foi a primeira casa legislativa a se pronunciar pelo reconhecimento de D. Pedro I como o Regente Constitucional do Brasil”, destaca a diretora geral do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC) do governo do estado, Luciana Mandelli.
Saubara também teve importante papel para a Independência do Brasil na Bahia, pois sua localização representou o entreposto para o Rio Paraguaçu e proteção de outras localidades. Vladimir Pinheiro, diretor geral da Fundação Pedro Calmon, participa do projeto “Rotas da Independência” e está percorrendo as cidades que fizeram parte da luta pela libertação do domínio português. Ele enfatiza a importância da participação feminina com o movimento “As Caretas do Mingau”.
Tratava-se de mulheres, de religião de matriz africana, que se fantasiavam para “assustar” os portugueses, muito católicos, e, assim, levar mingau para as tropas que escondiam na mata. Em contrapartida, a ilha de Itaparica teve papel decisivo nos confrontos, interrompendo o abastecimento das tropas portuguesas, durante o cerco à cidade de Salvador.
Outra cidade com papel destacado na construção do movimento pela independência é Caetité, que aderiu, em 15 de agosto de 1822, à proposição do Brasil ter um único centro de Poder Executivo, mobilizando todo o sertão baiano com apoio financeiro, armamentos, munição, homens e mantimentos para Cachoeira, sede do governo provisório.
Caetité ainda teve importância na expulsão dos portugueses remanescentes após a vitória de 2 de julho de 1823, através de combates liderados pelo grupo conhecido como “Mata-Marotos”, com registros datados de 1830.
Projeto vai resgatar participação do interior
A reconstituição da história da Independência do Brasil na Bahia passa pela recuperação de eventos registrados ao longo de mais de dois séculos e, em sua maioria, não documentados de forma oficial. “O Dois de Julho, embora seja tombado como bem imaterial da Bahia, ele não teve um processo de tombo e registro por evento. Ele é tombado como um todo. Em tese ficou resumido ao cortejo em Salvador, como se tudo estivesse representado aqui”, diz Luciana Mandelli.
No próximo dia 25, ela entrega o projeto de revalidação do cortejo elaborado pelo IPAC. Na ocasião, o governador Jerônimo Rodrigues deve anunciar o edital para recebimento de propostas de inventário, via lei Paulo Gustavo, para levantamento de acontecimentos e personagens que integraram a luta pela independência no interior do estado.
“No final do ano do centenário e depois dos estudos aprovados, cada município irá ganhar um busto ou monumento que simbolize a passagem do Dois de Julho”, antecipa Mandelli. Ela explica que, ao longo do tempo, o cortejo foi ganhando símbolos, mas, em outras cidades, não houve registro. Mandelli cita a luta dos abolicionistas, a participação das cidades de Vera Cruz e Caetité como exemplos.
Alguns pesquisadores questionam a existência da heroína Maria Felipa, cuja figura foi resgatada por relatos orais passados entre gerações. O próprio Caboclo e a Cabocla, não têm nome, lembra Mandelli. Maria Quitéria só foi reconhecida 10 anos após a independência, graças à sua condecoração.
E o corneteiro Lopes tem sua existência documentada por ter sido militar, embora, mais uma vez, a precisão histórica tenha sido substituída pelo saber popular. “Não se pode afirmar que o corneteiro Lopes não tocou a música certa, ninguém estava lá”, diz Mandelli.
Para a historiadora, a possibilidade de ampliar a pesquisa sobre os eventos que culminaram no Dois de Julho é uma oportunidade de preencher lacunas que a história oficial não tem como suprir. “A história como ciência já absorve instrumentos de história oral e de elementos sociais e culturais como elementos de comprovação histórica”, justifica a diretora do IPAC, que destaca a importância desse resgate no fortalecimento da identidade cultural baiana.
“Esse exercício nosso é de entender que o Dois de Julho é um evento que expressa o que é o sentimento do povo baiano, na forma mais própria dele. Não é possível alienar do povo baiano a sua condição de resistência e de luta, de organização cívica e política. Só que, ao mesmo tempo, nem sempre foi útil para os governos registrar essa parte de organização popular”, conclui.
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