COLEÇÕES DE A TARDE
Festas juninas em Salvador eram parecidas com as do interior
Característica principal da celebração era a comemoração em família com a mesa repleta das comidas típicas
Por Cleidiana Ramos*

As festas juninas ganharam, na Bahia, um status de celebração que se aproxima da mobilização em recursos e infraestrutura do Carnaval. Em cidades como Amargosa, Senhor do Bonfim, Piritiba, dentre outras, a festa ganhou o formato de espetáculo atraindo a rede de negócios que este tipo de evento mobiliza.
Mesmo nas pequenas cidades o modelo tem se repetido. Em Salvador, os shows de ritmos não apenas juninos ocupam espaços amplos como o Centro Histórico, Parque de Exposições, dentre outros locais, organizados por empresas privadas ou pelo poder público. Estes são fenômenos de pouco mais de 40 anos, pois, anteriormente, a Festa de São João em Salvador aproximava-se bastante do modelo da comemoração nas cidades do interior, especialmente da característica de festejar em ambiente doméstico ou em pequenos grupos de vizinhos e familiares.
A coleção de edições e de fotografias do Cedoc A TARDE, especialmente das seis primeiras décadas do século XX, permitem identificar esse panorama.
Na edição de 25 de junho de 1915, por exemplo, o destaque foi para uma celebração na capital com fogueiras e em ambiente doméstico. A lista de pratos típicos citados na reportagem incluiu a canjica, mas também o manuê, que tem receita muito próxima a do lelê, ou seja, feito com milho e sumo do coco.
“Toda a cidade, apezar da crise, divertiu-se ante-hontem e hontem aos clarões das fogueiras e no ambiente morno das salas de jantar, em cujas mesas se viam a clássica cangica, manuê, laranjas e genipapinho. De todos os lados cintilavam as luzes dos balões em diversas direcções e rasgava os ares o rastro rutilo dos foguetes. Pistolas, estrelinhas, bombas, busca-pés, restos da formosa pyrotechinca allemã, completavam o programma chimico das festas”. (A TARDE, 25/6/1915, p5).

Um ano antes o relato de A TARDE sobre as festas de São João em Salvador deu ênfase a algo, infelizmente, ainda bem conhecido: os acidentes por conta do uso dos fogos. Em localidades como Baixa de Quintas, Alto do Peru, Santo Antônio, Taboão, dentre outras foram registrados acidentes que deixaram queimaduras ou mutilações.
Transformações
Com base na cobertura de A TARDE podemos perceber como a festa em Salvador foi se modificando. Na década de 1950, o destaque ainda era para o hábito de acender fogueiras, mas já há referências, além das festas domésticas, às realizadas nos clubes e nas ruas.
“Famílias residentes ao Boulevar Suíço vão festejar o São João, aderindo ao programa organizado pelo “Boulevar Esporte Clube”. A festa principal será amanhã, às 20 horas, com cinema ao ar livre, bingo, havendo queima de fogos de artificio. Constará também do programa uma partida de “basquete- ball”. O largo estará fartamente iluminado, havendo uma barraca armada, serviço de cangica, bolos de São João e refrigerantes”. (A TARDE, 23/6/1950, p.2).
Em 1960, na edição de 23 de junho, foram publicadas duas reportagens sobre a Festa de São João. Naquela que foi veiculada na segunda página veio o alerta de que as novas dinâmicas da vida na capital, especialmente o alto custo dos produtos, já não permitia a celebração como em outros tempos. Mas o texto destacou que em alguns locais da cidade, os ritos antigos estavam mantidos.

“Alguns bairros populares ainda festejam condignamente o grande dia. No Godinho e na Saúde, por exemplo, existe a fraternidade que transformava as ruas em uma só família. Todos trabalham para enfeitar a rua com as bandeiras coloridas e muitas fogueiras brilham na noite. “Castro Neves” é o bairro campeão absoluto dos balões. Ali ainda se solta balões porco, zepelins, garrafa, bola e de outros tipos. Há ali os técnicos em cortes e formato respeitados por toda a comunidade. Na Liberdade, também o "São João” é muito animado. É, talvez, o único lugar da cidade onde se solta corisco, bomba, rojão e outros fogos explosivos de grande potência. As fogueiras iluminam as noites e os balões desfilam poeticamente pelos céus”. (A TARDE, 23/6/1960, p.2).
Já a reportagem publicada na página sete da edição de 23 de junho de 1960 foi dedicada a detalhes sobre a celebração com textos sobre a biografia de São João, o costume de acender fogueiras e as letras e partituras de canções típicas da festa. Vinte anos depois, em artigo assinado para A TARDE, a folclorista Hildegardes Vianna acentuou que, apesar das transformações, a cidade não deixava de festejar São João.
“Para louvar São João, embora não disponha, nas cidades, de campo livre, lenha farta e liberdade necessária para determinadas expansões como as de armar fogueiras e soltar balões o povo não se aperta. Festeja o santo sem fogueira, sem balão. Mas recorre aos fogos de artifícios, às danças em voga e o mais que ocorrer e puder ser feito”. (A TARDE, 23/6/1980, p.4).
Registros imagéticos
Na coleção de imagens do Cedoc A TARDE há registros desse São João celebrado ainda em ambiente doméstico e até nas ruas, mas ainda longe do modelo de grandes eventos. As imagens mostram crianças vestidas com as roupas típicas da festa, as celebrações nas ruas e a mesa repleta das comidas do período.
Esses registros são importantes para a observação de uma característica própria das celebrações, especialmente as que possuem espaço para as intervenções de diversos agentes: as festas se modificam e, embora um ou outro modelo acabe por predominar, sempre fica algo dos elementos que elas já possuíram.
*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia
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