BAHIA
Urbanização no entorno do rio Ipitanga preocupa população
Por Lucas Barbosa | Agência Mural
A picada de uma jararaca faz parte de uma das muitas recordações das visitas do historiador Ângelo Guimarães, 27 anos, à região da Boca da Mata, banhada pelo rio Ipitanga, em Cajazeiras. Mas, para ele, a ameaça que mais preocupa é o impacto humano à preservação do local.
Nessa região está localizada a barragem de Ipitanga, construída em 1935 e que integra um conjunto de represas responsável por 40% da distribuição da água de Salvador. No entorno, novos empreendimentos e despejo de lixo no rio têm chamado a atenção.
“É um lugar importante para a história de Cajazeiras e é uma pena ver que recebe resíduos vindos de empreendimentos, condomínios e ocupações irregulares em torno do rio”, diz Guimarães.
O historiador é ex-morador do bairro e conta que costuma fazer trilhas na área. “Já tinha encontrado outras serpentes no mato e o que recomendo é o dever de respeitar a natureza e sua dinâmica, porque não podemos passar por cima dela”.
Outro frequentador, o servidor público Anderson Cardim, 38 anos, costuma nadar no rio quando visita sua mãe, moradora das proximidades. Ele aproveita também para coletar resíduos nas águas, mas acredita que grande parte da sujeira não é responsabilidade da população local. “Nunca vi um morador sujar conscientemente o meio ambiente. Nada que cause impacto, o que causa danos mesmo é o despejo do lixo dos condomínios no rio”, observa Cardim.
Estrutura
Com cerca de 644,72 km² de extensão, o rio Ipitanga nasce no município de Simões Filho e deságua no rio Joanes, na cidade de Lauro de Freitas. Em seu curso há três barramentos de água, as represas Ipitanga I, II e III, que formam o sistema de barragens Joanes-Ipitanga.
Em Boca da Mata está a barragem do Ipitanga I, que também alimenta as estações de tratamento do Parque Boladeira. Ali, moradores costumam nadar, pescar e utilizar como espaço de lazer.
Segundo os índices divulgados pelo Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos), em 2020, a barragem Ipitanga I tem um único ponto considerado com níveis regulares de qualidade da água.
Outros pontos que não estão no reservatório, mas fazem parte do curso, tiveram os níveis de qualidade de água considerados impróprios para consumo e banho.
A assistente social Jamile Araújo, 33 anos, moradora do bairro, demonstra uma relação afetiva com o rio. “Há décadas não tínhamos outras opções de lazer. Íamos em família e era natural as crianças conhecerem o caminho da barragem. Tinha uma boa conexão com a natureza”, relembra.
Quando o Hospital Municipal de Salvador (HMS), localizado no bairro, começou a ser construído em 2016, Jamile fez parte do grupo de moradores que iniciou uma mobilização contrária ao empreendimento preocupada com os possíveis danos ao rio e ao meio ambiente. “Não tínhamos noção da riqueza natural que era aquilo. Mas depois que começaram a obra do hospital municipal, percebemos o quão rico era aquele lugar e o risco da contaminação”.
A moradora afirma que na época acompanhava as reuniões do conselho gestor do rio. O resultado da mobilização foi uma denúncia ao Ministério Público considerando que o projeto do hospital não apresentou o EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança), relatório que levanta os impactos ambientais e sociais. Ressaltando ainda que o rio faz parte da Área de Proteção Ambiental (APA) Joanes-Ipitanga.
A denúncia gerou efeitos. Apesar de ter sido inaugurado em 2018, o hospital precisou rever o projeto e garantir o direcionamento dos seus resíduos para uma unidade de tratamento de esgoto construída pela Embasa (Empresa Baiana de Águas e Saneamento).
“Claro que queríamos um hospital. Só não queríamos na beira do rio. O hospital ia atrair outros empreendimentos, como está atraindo agora, e isso é um problema para área verde”, diz Jamile.
Condomínios fechando passagens e delimitando áreas na região também preocupam. “Nas margens do Ipitanga existem empreendimentos e ruas que foram construídas perto da barragem. As construções destroem a mata ciliar, provocando a erosão do rio, e fazem com que ele transborde em outras regiões”, afirma o biólogo Bruno Marchena.
O biólogo avalia que há um problema na fiscalização da qualidade dos rios e aponta que a Embasa concentra os cuidados em alguns trechos do rio, como o da barragem. “São ignorados os pontos de poluição ao longo do caminho. A solução é a descentralização do tratamento da água”, afirma. Sobre a manutenção da área, a Embasa, por meio da assessoria de imprensa, não respondeu até o fechamento desta edição.
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