BRASIL
Mesmo com desigualdade, mulheres conquistam cada vez mais espaço no mercado de trabalho
Por Gisele Souza*
A sociedade brasileira convive com diversas desigualdades existentes, que são frequentemente perpetuadas e uma dessas é a de gênero, uma vez que embora as mulheres tenham conseguido grandes avanços nas mais diversas áreas, em especial no ambiente de trabalho, alguns desafios ainda se fazem presentes.
Quando comparadas aos homens, as funções, remunerações e cargos das mulheres ainda estão em defasagem considerável. A hierarquia institucional ainda exalta o sexo masculino principalmente em cargos de chefia, como exemplo da política, ou até mesmo em profissões que são historicamente femininas, como de cozinheiro(a), pois os grandes chefes de cozinha reconhecidos e renomados são, em sua grande maioria, homens.
Logo, as mulheres ainda são principais vítimas das injustiças sociais, em que até mesmo o assédio e insulto no ambiente de trabalho não são algo incomum. De acordo com o relatório do Fórum Econômico Mundial, a igualdade de gêneros só se dará, caso a evolução pelos direitos das mulheres permaneça, em 2095. Além disso, o relatório aponta que a discrepância na participação econômica e oportunidades femininas chega a 60% ou mais.
Por isso, neste mês em que é celebrado o Dia da Mulher, o Portal A TARDE convidou profissionais para relatarem sobre suas trajetórias no ambiente de trabalho e refletirem sobre as desigualdades nesse meio.
Quebrando Paradigmas
A especialista em recrutamento e seleção, e também psicóloga, Rafaela Regis, 37 anos, é idealizadora e sócia-diretora da empresa Atrativa RH, que tem quase 10 anos de história, composta atualmente por 99,99% de mulheres no quadro de funcionários.
Segundo ela, a empresa chegou a ter dois estagiários homens logo no início de fundação, que ficaram no máximo por seis meses, mas depois acabaram chegando apenas mulheres, se tornando um ambiente majoritariamente feminino. “Hoje são 12 pessoas na empresa, em que destes só temos apenas um homem, que chegou em torno de 2 ou 3 meses. Nós convivemos muito bem, sempre tivemos um bom convívio, a gente partilha, damos risada das coisas, temos mais intimidade”, pontuou.
A especialista explicou que o ambiente não tinha intenção e propósito de ser exclusivamente feminino, mas acabou acontecendo. “Foi por acaso, foi chegando mulheres e aí foi ficando, sendo hoje um quadro quase 100% feminino”, disse.
Segundo a pesquisa Delivering Through Diversity, companhias lideradas por mulheres têm 21% a mais de chances de conseguir lucrar financeiramente.
Sobre o avanço das mulheres no mercado de trabalho, mesmo que de forma árdua, Rafaela acredita que as mulheres ao longo dos anos estão conseguindo crescer muito no mercado de trabalho. "Antigamente para uma mulher estar em um cargo de liderança era muito difícil isso acontecer, hoje a gente já vê isso acontecendo muito mais”, citou.
O avanço com a empresa ao longo da trajetória não foi fácil. De acordo com ela, a empresa iniciou apenas como uma sala, mas hoje já conta com seis salas. Em um certo momento da vida, Rafaela enfrentou a realidade com o machismo em um ambiente de trabalho, no qual ficou marcado em sua memória: “Um cliente de uma empresa de tecnologia de Camaçari, que eu fui para uma reunião, com uma pessoa [homem] que eu represento me olhou e disse: ‘O que é que essa menina está fazendo aí?’”.
“As mulheres são tão fortes quanto os homens. Elas podem estar em qualquer lugar e tem cargos que as mulheres se sobressaem muito mais que os homens (..) Cada dia que passa as mulheres demonstram mais a competência profissional e que são fortes no mercado de trabalho”, acrescentou Rafaela.
A empresária ressaltou que seu foco profissional é de a autoestima das mulheres, para que elas consigam estar aonde desejar e que consigam se destacar mais nas entrevistas e dinâmicas de grupo.
Recorte Racial
A pós-graduada em Gestão Executiva e Liderança Estratégica, Alessandra Nogueira, 34 anos, trilhou um caminho na empresa Sabin Medicina Diagnóstica, há quase 8 anos. Ela começou como recepcionista, passou a ser supervisora, por meio de um processo seletivo interno, e hoje é coordenadora de atendimento.
Como mulher negra, embora não tenha vivenciado a dificuldade dobrada pela questão de gênero e racial nos ambientes de trabalho, ela reconhece essa desigualdade. “Acredito que esse fato de não ter uma grande quantidade de mulheres negras talvez seja realmente um reflexo da dificuldade que ela tem em se inserir”, explicou.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), mulheres brasileiras ganham, em média, 76% da remuneração masculina, já as mulheres negras recebem ainda menos, sendo 43% dos salários dos homens brancos.
“É necessário dar oportunidade e acreditar nas mulheres e nas mulheres negras, porque talvez isso dificulte. E até mesmo as próprias pessoas precisam acreditar na sua capacidade, no seu potencial”, ressaltou.
De acordo com o levantamento realizado pelo Sabin Medicina Diagnóstica, dentre os colaboradores baianos, 75% são mulheres e destas 85,64% são negras.
No entanto, ainda nas empresas brasileiras existe uma baixa ocupação das mulheres negras nos cargos. “Eu me sinto vitoriosa. Eu consigo representar e trazer muita força a outras pessoas, representando mulheres negras no nosso país, que provavelmente tenham dificuldade”, disse.
Inserção da mulher no ambiente de trabalho
Nas últimas década do século XX, a inserção da mulher no campo de trabalho passou a ser marcante na sociedade brasileira. Em 1970, mais precisamente, as mulheres começaram a entrar com maior força no mercado de trabalho, sendo costureiras, professoras, funcionárias do comércio e afins.
E essa mudança se dá com ênfase pelo contexto histórico do período, quando vários movimentos ganharam força e começaram a ir para as ruas, em prol dos seus direitos.
Desse período em diante, as mulheres começaram a ter novas ocupações, destaque e maior protagonismo. No entanto, por mais que exista mulheres que exerçam a advocacia, medicina e engenharia, profissões que possuem alta remuneração, elas ainda enfrentam a desigualdade salarial – mesmo sendo contra a legislação - e a falta de reconhecimento.
De acordo com o relatório apresentado pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa apenas o 130º lugar no ranking de equidade salarial. Além disso, aponta que as mulheres ocupam apenas 20% dos cargos de gestão, ainda que a força de trabalho seja composta por 45 milhões de mulheres.
A ênfase no sentido de cuidado, seja com o lar ou com a família, é socialmente destinada às mulheres. E ocupações nesse princípio possuem status social e remunerações inferiores, como exemplo da profissão de técnico(a) de enfermagem, professor(a), manicure, funcionário(a) público, cabelereiro(a), ou ligadas aos serviços domésticos.
Políticas públicas
Muitas mulheres questionam a falta de políticas públicas que priorizem essa demanda social e histórica, para que ocorra a desconstrução dos papéis e representações sociais de gênero, embora já existam movimentos que atuam no combate desta realidade.
Na visão de Andrezza Jacinto, 38 anos, formada em Comunicação Social, a desigualdade de gênero no ambiente de trabalho é algo difícil de ser revertido, mas não impossível. “Teria que ter também campanhas, incentivos das empresas. De repente a questão das cotas poderia ser um viés, mas não existe uma fórmula, acredito que só a gente lutando pelos direitos, fazendo acontecer e acredito que já vem acontecendo uma tendência dessa busca, pois se observarmos temos grandes mulheres no poder hoje, em grandes companhias, na política. Esse movimento está sendo devagar, mas já tá acontecendo esse movimento para que a gente consiga ter uma igualdade”, destacou.
Andrezza trabalha atualmente na supervisão de logística da Sabin Medicina Diagnóstica desde 2017, no entanto, entrou na empresa em 2015, no setor ligado a compras. Em seu relato, ela afirma que na primeira entrevista para o laboratório, com cargo ligado ao almoxarifado, se sentiu em um ninho, pois havia no máximo três mulheres disputando a vaga, contando com ela, entre vários homens, mas que conseguiu se destacar e passar e compor o quadro alto de funcionárias da empresa.
“Hoje tem muita disparidade. Nas maiorias dos países, principalmente emergentes, o número de mulheres na liderança é bem baixo. (...) Ao analisar o panorama mundial, nacional, existe bastante desigualdade”, afirmou.
Quanto aos avanços das mulheres no ambiente de trabalho, ela acredita que “a mulher está conseguindo ocupar o seu espaço dentro do mercado de trabalho. Não como a gente gostaria, nem na velocidade que gostaríamos, mas conseguimos observar isso. Ainda conforme a comunicóloga, “há ainda um caminho muito longo para nós mulheres percorrermos”.
Liderança
Ainda conforme o levantamento feito pela Sabin Medicina, nesse contexto feminino, 62,81% assumem cargos de liderança no estado.
A Gestora Regional Nordeste do Sabin, Agnaluce Moreira, 52 anos, também Farmacêutica-Bioquímica, que está na gestão há dois anos na empresa, acredita na força do empoderamento feminino em cargos de liderança no mercado de trabalho.
“O empoderamento feminino está aí, tem se mostrado as grandes lideranças com mulheres. A gente sabe das dificuldades que algumas pessoas acabam tendo para a entrada no mercado de trabalho”, relatou.
Diante o avanço das mulheres nesse cenário, a gestora ressalta: “O Sabin foi fundado por duas mulheres. A nossa presidente também é mulher. Estamos hoje há mais de 16 anos entre as melhores empresas para a mulher trabalhar.”
Agnaluce conta que antigamente em um ambiente masculino não se sentia tão confortável, mas que agora já é uma situação tranquila. No entanto, afirma que ainda existem ocasiões que geram certo desconforto. "Um grupo de WhatsApp [relacionado a uma determinada marca] era um grupo muito masculino, então de vez em quando vinha aquelas piadas masculinas e constantemente as pessoas tinham que lembrar que tinham mulheres no grupo”.
Sobre essa desigualdade de gênero no mercado de trabalho, a farmacêutica-bioquímica acredita que é “uma questão que é muito cultural, no qual a gente tinha anteriormente o homem como provedor e a mulher ficava em casa com as crianças”, comunicou.
Dupla jornada
Esse quadro de desigualdade de gênero envolve aspectos históricos, culturais e sociais, baseando-se que a mulher é vista como a principal responsável por administrar as tarefas domésticas, exercer o cuidado com os filhos e marido, o que faz com que ela acumule maiores funções do que apenas o do ambiente trabalhista, tornando-se uma dupla jornada, que leva a um desequilíbrio. “É uma jornada tripla trabalhista, uma de trabalhar, outra de ser mãe e a outra de ser esposa/namorada”, ressaltou a especialista em recrutamento.
Em casos dessas mulheres que têm filhos, ou que estão comprometidas em um relacionamento amoroso, a dificuldade em conseguir ingressar em um ambiente trabalhista aumenta, e elas acabam sendo preteridas em seleções de emprego
“Antigamente a gente via como se fossem dois ambientes separados, do mercado de trabalho e o ambiente familiar. Então cada vez mais vemos essa junção”, relatou a Gestora Regional, Agnaluce.
Pandemia de Covid-19
Com a pandemia de Covid-19 houveram as suspensões das aulas, o início do trabalho remoto e as atividades domésticas ficaram sobrecarregadas, o que fez com que muitas mulheres precisassem optar pela desistência do seu emprego, em razão da divisão desigual no cuidado com as crianças e tarefas domésticas nas maiorias dos lares.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto tal (IBGE), 8,5 milhões de mulheres tinham deixado a força de trabalho, seja formal ou informal, no terceiro trimestre de 2020, na comparação com o mesmo período do ano anterior.
Logo, as mulheres tendem a ser as mais impactadas também pelo desemprego, além da dupla/tripla jornada.
No Brasil, a pesquisa do Gênero e Número e Sempreviva Organização Feminista realizada com 2.641 entrevistadas, evidenciou que 50% das mulheres brasileiras passaram a cuidar de alguém na pandemia. Do total, 41% afirmaram trabalhar mais na quarentena. Assim como o isolamento social colocou em risco o sustento dos lares de 40% delas.
Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), entre março e novembro de 2020, foram extintos 220 mil postos de trabalho ocupados por mulheres, enquanto foram criadas 107,5 mil vagas para homens.
*Sob supervisão da editora Keyla Pereira
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