BRASIL
PL amplia acesso de população trans a universidades
Criação de cota foi proposta pela deputada Erika Hilton, mas ainda precisa tramitar no Congresso
Por Priscila Dórea
Um Projeto de Lei (PL) que prevê que as universidades e institutos federais de ensino reservem 5% de suas vagas para pessoas transexuais e travestis - que somam quase 4 milhões de pessoas no Brasil, de acordo com estudos da Universidade Estadual Paulista (Unesp) - foi protocolado pela deputada federal trans Erika Hilton (PSOL-SP) e agora aguarda despacho da Câmara dos Deputados. Tornar as cotas para a população trans uma lei é um passo enorme, mas especialistas e estudantes apontam que ainda há muito a ser feito para garantir dignidade e educação de qualidade para essas pessoas.
Aluna do curso de enfermagem da Universidade Federal da Bahia (Ufba) - onde cotas para pessoas trans e travestis existem desde 2019 -, a estudante trans Amora Vitória Santos Alves é membro fundadora do Coletivo Trans Ufba e uma dos 51 estudantes trans ativos que a federal tem atualmente. Ela fez parte da comissão que contribuiu para a construção do PL e aguarda com expectativa a aprovação. Porém, afirma Amora, melhorias ainda precisam ser feitas, principalmente acerca da comprovação dos estudantes.
“Na primeira vez que pisei na Ufba como aluna de enfermagem foi muito prazeroso e até hoje não encontrei nenhum foco de transfobia por parte dos alunos ou professores, mas a minha entrada como pessoa trans foi muito fácil, bastou que eu enviasse um termo pela internet. Os riscos de fraudes em um sistema tão frágil são imensos”, explica a estudante, que afirma ser lógico a chance de haver fraude com um sistema assim.
"E isso já foi comprovado uma e outra vez antes, com os inúmeros casos de fraude dentro do sistema de cotas raciais. Temos que aprender com o que aconteceu antes e fazer uma versão melhorada”, explica Amora, que afirma ter levado questões quanto a isso durante as discussões para a criação do PL, que por sua vez, no formato que está agora, exige apenas a autodeclaração do estudante.
De acordo com o Inep, por meio de dados produzidos pelo Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (Gemaa), em 2020 e 2021, apenas cinco universidades públicas brasileiras destinaram cotas para o ingresso de pessoas transexuais e travestis na graduação. Tornar as cotas para pessoas trans uma lei, aponta o avaliador do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), Rodrigo Bouyer, sócio do Somos Young, é uma reparação histórica e contemporânea
Porém, implantar essa lei é apenas o primeiro passo, argumenta ele. “É preciso haver uma bolsa permanência para essas pessoas, pois o ensino superior não é barato e o acesso das pessoas trans ao mercado de trabalho ainda é permeado de muitos estereótipos e preconceito. O que nos leva a necessidade de oportunizar empregos para essas pessoas, com ministérios do Trabalho e da Indústria, por exemplo, trabalhando em conjunto. A precariedade na qual grande parte da população trans vive não vai ser revertida se não houver trabalho”, enfatiza Rodrigo Bouyer.
As pessoas trans são excluídas socialmente desde muito novas, salienta o coordenador do Centro de Promoção e Defesa dos Direitos LGBT da Bahia (CPDD-LGBT), Renildo Barbosa, e isso as faz ter nenhum ou pouco acesso até mesmo ao básico. “Essa cota é uma forma de reparar parte dessa exclusão que essas pessoas sofrem durante a vida, que as permite dar esse passo para ter educação superior. Promover essa reparação da melhor forma possível é o que nós, enquanto sociedade, devemos nos ater”.
Pioneira
Em 2018, a Universidade do Estado da Bahia (Uneb) ampliou o escopo da sua estratégia de equidade ofertando, além de vagas para outras minorias sociais, 5% de sobrevagas - aquelas que vão além das previstas nos certames - para transexuais e travestis. De acordo com os dados do primeiro semestre de 2023, da Secretaria Geral de Cursos da Uneb, a universidade conta com 65 graduandos cotistas regularmente matriculados. Entre o ano de 2019 e o primeiro semestre de 2023, o número de graduandos cotistas aumentou em 52% e a taxa de evasão entre os mesmos decaiu 6%.
A incorporação de transexuais e travestis no sistema de cotas da Uneb faz com que o ensino superior se coloque no horizonte de possibilidades de estudantes pobres das escolas públicas do nosso estado, aponta a docente da Uneb e coordenadora da pesquisa departamental 'Nômades do saber: um estudo sobre migração estudantil', Dina Maria Rosário dos Santos. “Deseja-se que, ao adentrar a universidade por meio do sistema de cotas, tenhamos cada vez mais jovens concluindo o ensino médio cientes de que a Uneb tem estratégias de equidade para o acesso e para permanência”.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes