CADERNO 2
Ana Cañas explora obra de Belchior com single e album ao vivo
Projeto reúne clássicos, com canções conhecidas compondo o DVD que vai ser lançado já em janeiro
Por Lila Sousa*

Monólogo das Grandezas do Brasil, canção do cantor e compositor cearense Belchior, ganhou uma nova versão pela voz da cantora Ana Cañas. Um ano após o lançamento do álbum Ana Canta Belchior, o single inédito, executado à voz e violão, instrumento tocado pela própria cantora, já está disponível nas plataformas de streaming.
Lado B do Belchior, esta canção tem uma história particular para Cañas. “Resolvi gravar ela dois dias antes do DVD, foi muito inesperado. Acordei com uma sensação de que faltava uma música”, conta.
A canção apresenta o projeto que vem na sequência, um DVD e o disco ao vivo com a banda, trazendo uma mensagem que, para Cañas, trata de um Brasil potente na sua diversidade e pluralidade, porém tão sofrido. “É o momento certo dela chegar ao coração das pessoas”, afirma Cañas.
O projeto reúne clássicos, com canções conhecidas compondo o DVD que vai ser lançado já em janeiro. Inclusive, com uma música inédita que a artista ganhou da família de Belchior. Guiada pela imersão na obra e vida do artista, Ana sentiu que faltava revelar algo mais, uma canção já gravada pelo cantor, mas que não fosse tão conhecida. “Tirei ela no violão, mandei pra algumas pessoas. Todo mundo ficou superemocionado com a letra, ficou enlouquecido, falando ‘nossa que letra atual, forte e importante’”, diz.
Cañas foi apresentada a Monólogo por Mikael, fiho de Belchior: “Mikael falou pra mim ‘olha eu acho Monólogo uma música muito importante do meu pai, só que na época ela não aconteceu. Meu pai lançou o disco e ela foi o single do disco dele’. Então fiquei com isso na cabeça, e fui ouvir a música”.
A proposta da artista é apresentar um pouco do Belchior que nem todo mundo conhece, já que monólogo está um pouco mais escondida no repertório do cantor. “O Belchior tem esse senso do coletivo, da justiça social, de que o abismo social que a gente tem no nosso país é uma coisa que não deveria existir porque a gente tem muitas potências”, explica a intérprete.
Obras literárias
Os inúmeros motes de Belchior, versos que são hinos, são frases fortes que apontam para o caminho da crítica social. “Desde Alucinação – ‘Amar e mudar as coisas me interessa mais; ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro – Sujeito de sorte, que acabou se tornando um hino da pandemia de resistência… Belchior sempre revela o que precisa ser revelado, põe o dedo na ferida e expõe as nossas mazelas”, reflete Ana.
“Monólogo está dentro desse conjunto de canções potentes e tem muitas frases que eu reconheceria como possíveis motes de camisetas que a gente possa usar depois: ‘A estrada é uma estrela pra quem vai andar’”, brinca a cantora.
“Como sempre o Belchior é muito idiossincrático, costumo dizer que é uma faca com mel na ponta. Ele corta, fere, mas deixa o ‘amar e mudar as coisas me interessa mais’, deixa o apontamento pra onde a gente pode seguir, que seja um caminho frutífero”, enaltece a artista.
No dia do lançamento do single, Ana Cañas fez um show em parceria com Nando Reis, e tocou pela primeira vez Monólogo para o público. “Nunca cantei essa canção em show nenhum meu do Belchior. E curiosamente o Nando é essa participação desse show com o qual eu já tenho uma parceria longeva e muito feliz, Pra você guardei o amor. Ele é um grande amigo, um artista que eu admiro muito”.
Para Cañas há um paralelo entre Nando Reis e Belchior. “Na minha cabeça louca de artista eu faço um paralelo dos dois, de capacidade poética, e idiossicrática mesmo, acho que são muito únicos na história da música popular brasileira”. A artista considera que são casos inexplicáveis de caminhos que foram muito bem sucedidos no sentido da comunicação, da música e do sucesso que eles alcançaram.
Ela os define como possuidores de uma obra acessível, mas muito rebuscada, com poesia refinada.
“Nando é um par do Belchior no sentido poético, musical, lírico, da potência da letra, como a letra chega primeiro, como atravessa o coração das pessoas que gostam desses autores e amam suas canções. É uma poesia muito refinada, rebuscada, e por isso atravessa o tempo”, afirma a artista.
Cañas reflete que através da força da poesia a música e a arte transcendem. “O entretenimento é super importante, mas é definitivamente é a poesia que crava pra além do tempo, espaço e reverbera eternamente nos nossos corações”, complementa.
Momento Intérprete
Com novos rumos para o país, Ana Cañas planeja continuar o projeto com o lançamento do DVD, que está previsto para janeiro. “A gente conseguiu virar essa página dolorida, dolorosa da nossa história. Trazer esse DVD nesse momento de renascimento, da gente recuperar essa estima que o Belchior sempre nos lembra, da potência do nosso povo, da nossa pluralidade e diversidade”. Para ela há razão e sentido no lançamento dessas canções, do disco e DVD nesse momento de Brasil.
Artista dona de uma discografia não linear na música brasileira, Ana Cañas vive um momento interprete. Com um inicio de carreira em que cantava nos bares de São Paulo, ela de tornou cantora para sobreviver. “Nesse momento eu não tinha dinheiro pra comer, entregava panfletos nos faróis e essa história é verdade, e eu conto no show. De uma certa forma a música salvou a minha vida”, conta Ana.
“A música me pegou pela mão e me deu um caminho pra seguir. É um ofício que eu tenho muita honra e privilégio, agradecimento mesmo de percorrer”, diz.
Há uma conexão entre o início da carreira e o momento atual da vida de Ana Cañas, que segue interpretando grandes artistas. “Nos bares eu cantava Nina Simone, Edith Piaf, Billie Holiday. Se eu fosse me definir nesse momento, eu me definiria como uma intérprete feliz por ter escolhido um dos compositores mais geniais da nossa história, com quem eu aprendo todas as vezes que eu abro a boca pra cantá-lo e interpretá-lo”, conclui.
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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