CADERNO 2
Erasmo foi o mais roqueiro dos MPBistas e o mais MPBista dos roqueiros
Obra do cantor e compositor possui mais de 600 canções e permanece
Por Chico Castro Jr. e Equipe 2+ com agências

Se desfaz a dupla Carlos. Uma das mais profícuas, queridas e populares da música brasileira. Erasmo, o eterno Tremendão, nos deixou na manhã de ontem. O artista estava internado no Hospital Barra D’or, no Rio de Janeiro, após ter dado entrada às pressas, na manhã da segunda-feira, 21.
A causa da morte foi uma síndrome edemigênica – um desequilíbrio bioquímico que dificulta a manutenção dos líquidos dentro dos vasos sanguíneos. Erasmo havia tido alta de outra internação no último dia 2 para tratar um quadro de edema.
Nos bastidores da música, Erasmo Carlos era tido como alguém que, além de genial, era extremamente gentil, boa gente. E parecia mesmo. Com uma fala mansa, suave e tranquila, o principal companheiro de Roberto Carlos era muito querido não apenas como artista, mas como o “amigo de fé” que de fato era e os inúmeros depoimentos nas redes sociais não deixam dúvidas quanto a isso.
Curiosamente, apenas dias antes de sua partida, Erasmo foi premiado com o Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Rock ou de Música Alternativa em Língua Portuguesa pelo seu último disco, O Futuro Pertence À… Jovem Guarda (Som Livre), lançado em fevereiro. Com a saúde já debilitada, o Gigante Gentil não pôde comparecer à cerimônia para receber seu gramofone de ouro.
Na sexta-feira última, dia 18, a gravadora divulgou aquela que talvez tenha sido a última declaração do artista, comemorando a premiação: “É tão importante entender o conceito quanto ouvir a música… existem várias formas de amor, e eu preciso de todas. Obrigado a todos que contribuíram para mais essa vitória, esse Grammy é o reconhecimento do nosso trabalho. O Futuro Pertence à Jovem Guarda!!!!!!”, declarou Erasmo.
Até o horário de fechamento desta edição, ainda não havia sido divulgadas as informações sobre velório e enterro de Erasmo Carlos.
Sputniks, Tim, Roberto
Nascido Erasmo Esteves em 5 de junho de 1941, no Rio de Janeiro, ele era filho de dois baianos: o delegado de polícia Nilson Coelho (que ele só conheceu aos 23 anos de idade) e dona Maria Diva. Erasmo cresceu no bairro da Tijuca, na Zona Norte, na Vila Matoso, que ficava localizada à Rua do Matoso, 102, casa 21.
Foi lá que, já adolescente, ficou amigo de Sebastião Rodrigues Maia, que mais tarde ficou conhecido como Tim Maia e de Jorge Duílio Lima Meneses, na época conhecido como Babulina e mais tarde como Jorge Ben. Em 1957, o primeiro o ensinou a tocar violão e o convidou para entrar em sua banda, The Sputniks, na qual já estavam Arlênio Lívio, Wellington Oliveira e Roberto Carlos.
Em seu livro de memórias Minha Fama de Mau (Objetiva, 2009), Erasmo conta que foi no mesmo violão que Tim o ensinou tocar três acordes “que ouvi tocar pela primeira vez, lá em casa, um cara do bairro de Lins de Vasconcelos, que eu tinha acabado de conhecer. Adorei vê-lo cantando aqueles rock americanos no meu quarto. Ele era um garoto que, como eu, amava Elvis – e poucos anos depois, como eu, viria a amar João Gilberto. O baiano de Chega de Saudade me confirmou que havia algo na Bahia que fazia meu coração bater diferente, como eu já havia percebido com Dorival Caymmi. (...) O nome do cara do Lins era Roberto Carlos”.
Nascia ali, no humilde quarto de um adolescente na Tijuca, a dupla de maior sucesso na história da Música Popular Brasileira. The Sputniks virou The Snakes, foi apadrinhada pelo produtor e apresentador Carlos Imperial e ainda naquele mesmo ano de 1957, acompanhou Cauby Peixoto na que talvez tenha sido a primeira gravação do rock brasileiro: Rock and Roll em Copacabana, depois incluída no filme Minha Sogra é da Polícia (1958).
Em homenagem aos dois Carlos em sua vida – Roberto e Imperial – adotou o nome Erasmo Carlos e lançou seu primeiro sucesso, o compacto O Terror dos Namorados. O sucesso nacional só veio anos depois, em meados dos anos 60, quando participou do programa Jovem Guarda, que também veio a nomear um movimento e uma geração de artistas liderados por Roberto e ele próprio: Wanderléa, Jerry Adriani, Renato & Seus Blue Caps e muitos outros.
Carlos, Erasmo
O fim do programa Jovem Guarda em 1968, uma acusação de corrupção de menores e a patrulha ideológica vinda da ala mais combativa da MPB contra a ditadura militar tornou a virada para a década de 1970 um momento de transição para Erasmo.
No álbum Erasmo Carlos e os Tremendões (1969) começou a namorar com o samba rock e sons mais tropicais. Mas o álbum que ainda hoje é apontado pelos críticos como seu auge criativo viria em 1971: Carlos, Erasmo é um monumento do rock brasileiro, com clássicos como De Noite na Cama (composta por Caetano Veloso para ele), É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo (dele e de Roberto), Dois Animais na Selva Suja da Rua (de Taiguara, um grito desesperado contra a ditadura), Agora Ninguém Chora Mais (um samba rock envenenado de Jorge Ben com o auxílio luxuoso de Renato & Blue Caps no coro) e a primeira ode à maconha do rock brasileiro, Maria Joana (dele e de Roberto), lançada mais de 20 anos antes do surgimento do Planet Hemp.
Ao longo dos anos 70 e 80 Erasmo seguiu se mantendo em evidência, gravando um álbum por ano, participando dos especiais de Natal do Amigo de Fé Roberto Carlos e fazendo muitos shows, além de aparições constantes em programa de TV e filmes.
Com o álbum Mulher (1981), tem novo pico de popularidade, graças aos hits Mulher (Sexo Frágil), escrita com sua mulher, Narinha, e Pega na Mentira. Narinha viria a morrer em 1995, em sua terceira tentativa de suicídio (cianeto), quatro anos depois do divórcio do casal.
A tragédia ocasionou um hiato de seis anos em sua carreira, que ele só retomou em 2001, com o álbum Pra Falar de Amor. No século 21, já consagrado como um dos maiores compositores do rock brasileiro e da MPB, gravou bons álbuns, como Rock 'n' Roll (2009) e Sexo (2011).
Em entrevista ao A TARDE em 2011 para divulgar Sexo, Erasmo disse à este repórter, por telefone: “Quando eu gravei Rock 'n' Roll, todo mundo começou a me perguntar se na sequência, viria Sexo & Drogas”, ria-se do outro lado da linha. “Mas isso é a mentalidade de pessoas que ficaram escravizadas nos anos 1970. Drogas não fazem mais parte da minha vida, e certamente não será este o título do meu próximo disco”, avisou.
“Mas aí pensei, por que não fazer Sexo? Aí, fiz”, acrescentou. Erasmo sabia tudo.
Artistas lamentam
Contemporâneo de Erasmo na Jovem Guarda, Eládio tocou na pioneira banda baiana Os Panteras, com Raul Seixas, Mariano e Carleba. Acompanharam em shows locais Roberto Carlos, Jerry Adriani, Wanderley Cardoso e outros – mas não Erasmo. “Por incrível que pareça, não aconteceu na época. Mas ela era o mais roqueiro de todos, sempre admiramos demais”, conta Eládio.
Em 2011, justamente quando Erasmo veio se apresentar no Teatro Casa do Comércio para divulgar Sexo, o trio remanescente d’Os Panteras foi prestigiar o ídolo. Após o show, foram cumprimenta-lo no camarim. “Ele nos recebeu com tanto carinho, foi uma coisa impressionante. Fizemos fotos, batemos papo etc. Que homem educado, atencioso. Ele sempre foi e sempre será o grade roqueiro da Jovem Guarda”, afirma Eládio.
Outro contemporâneo baiano, Paulinho Boca de Cantor, também lamentou a perda. “Erasmo Carlos, Pai do rock brasileiro. São tantas emoções e maravilhosas canções que nem séculos serão suficientes pra que as esqueçamos. Perdas irreparáveis tem acontecido na velocidade da vida e das redes sociais. Mas ficam as histórias eternas. Vá na luz Erasmão, nas asas de uma canção”. Já o mineiro Beto Guedes lembrou que antes do Clube da Esquina, era fã da Jovem Guarda: “Quando pensava em começar a mexer com música, antes de conhecer a turma do Clube da Esquina, eu já era um cara que era fã da Jovem Guarda. Que ele fique em paz e a gente continua aqui ouvindo as belas canções que ele fez e deixou aqui para todos nós”.
Maestro da Orquestra Sinfônica da Bahia, o carioca Carlos Prazeres também homenageou o conterrâneo para A TARDE: “Meu xará, vascaíno assim como eu, fez a passagem. Ele vai, mas serão eternas por aqui suas mais lindas canções, retrato de um povo, que por mais sofrido que seja, nunca deixa o amor em segundo plano. Viva nosso Tremendão, viva a música brasileira”.
Cantor baiano que faz um ótimo show só com repertório de Roberto & Erasmo, Dão não quer chorar a perda do ídolo, e sim, celebrar sua vida e obra: “Erasmo Carlos vive e viveu nas nossas casas. Suas canções têm cheiro, momentos e lugares. Com a força do seu canto, esquentou quartos e secou milhões de prantos. Aumenta o rádio e bota o som de Erasmo Carlos, pois o Tremendão merece muita festa”.
Filha de Itamar Assumpção, Anelis lembra que foi ele quem lhe apresentou as canções do Tremendão: “Foi meu pai que muito adorava Jovem Guarda, me trouxe o Erasmo, artista imenso. Bonito compreender essa trajetória e honrar na memória toda a contribuição deste Tremendão brasileiro”.
Em outra entrevista para A TARDE em 2013, este repórter e Erasmo encerraram uma longa conversa telefônica com o seguinte diálogo: “Erasmo, é sempre um prazer falar com você”. Erasmo respondeu: “Pô, pra mim também, que eu posso falar um monte de mentira e você acredita”, ao que rimos muito.
“Espero ouvir muito mais mentira do senhor, ainda”, afirmei. “Tá bom, bicho! Obrigado por tudo e fica com Deus”. Nós que agradecemos, Erasmo. Nós que agradecemos.
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