CADERNO 2
Festival chega à 2ª edição com tributo a Letieres Leite
Instrumentista baiano nos deixou em outubro de 2021
Por Eugênio Afonso
O mundo artístico já sabia, sobretudo na Bahia. Mas boa parte do público consumidor de música passou a entender o tamanho e a importância do maestro, instrumentista, compositor e pesquisador soteropolitano Letieres Leite, infelizmente, depois de sua partida em outubro do ano passado, aos 61 anos, em decorrência da covid-19, essa maladia que tem vitimado tanta gente boa.
Por isso mesmo, sua vasta obra, pensamentos e ensinamentos precisam permanecer em movimento. Então, para manter viva a memória desse mestre genial e visionário é que acontece, de 06 a 10 de junho, o Festival Rumpilezz II - Honra ao Rei.
Um evento híbrido (presencial e virtual) com show no Teatro Castro Alves (TCA) e programação digital gratuita transmitida pelo canal do Instituto Rumpilezz no YouTube.
Fabricio Mota, historiador, educador, músico e diretor artístico do festival, explica que esse é o desdobramento de um trabalho que começou ainda com a presença física de Letieres. Ele afirma que o propósito principal do encontro é homenagear esse grande gênio da música e mostrar a grandiosidade de sua obra.
“Letieres foi um divisor de águas na história da música. Ele está no panteão dos artistas da música que propuseram uma maneira diferente de olhar pra esse fazer humano. Sua obra demarca a história da música brasileira”, acredita Mota.
O diretor lembra ainda que esse ano o festival tem um formato de homenagem, mas quer dar continuidade ao grande fórum que é fazer um festival de música instrumental capitaneado pelo Instituto Rumpilezz.
“O sonho de Leite era transformar o festival em uma agenda cultural que pudesse debater música, pertencimento negro. E ele é fundamental porque se transforma em um verdadeiro espaço de troca. Um evento para poder falar sobre a experiência de processos criativos, a importância de se conhecer a história das populações africanas e o processo de se produzir música negra. É também sobre mercado, indústria da cultura e da música”, resume o historiador.
Virtual e presencial
No cardápio, oficina, webinário, concerto-instalação interativo, intervenção visual assinada pelo VJ Gabiru, e ainda o concerto em tributo a Letieres com apresentações do Coletivo Rumpilezzinho, Letieres Leite Quinteto e Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz, que acontece ao vivo no palco principal do TCA, dia 9, às 20h, com participação das cantoras Margareth Menezes e Nara Couto. Programação completa, com detalhes de dias e horários, pode ser conhecida no Instagram do Rumpilezz (@rumpilezz).
Segundo Margareth, o coração sempre aperta com a falta do maestro, mas ela garante que é uma honra poder participar do tributo. “Vou cantar duas músicas que foram rearranjadas por Letieres com a execução belíssima da Orkestra Rumpilezz. Quereres, de Caetano Veloso, e Uma História de Ifá, música importante da minha carreira”.
A baiana Nara Couto, que se apresenta ao lado de Maga, diz que será um dia para celebrar a música através de um espetáculo lindo e preparado com muita qualidade, força e afeto.
“Vou fazer dois momentos com a Rumpilezzinho. O primeiro vai ser uma abertura, uma performance cantada e recitada em homenagem a Exu para simbolizar que estamos abrindo os caminhos com energia, que estamos felizes e alegres. E em um segundo momento vou cantar uma canção que tem arranjo de Letieres, Brilho do Mar, uma das composições do meu repertório que tive a honra de Letieres ter arranjado”, comemora Couto.
Multitalentoso e ativista
Um dos oito filhos de Maria do Carmo dos Santos Leite e Antônio Letieres Leite, o garoto ‘sem nome’ (já que foi batizado apenas com sobrenomes) desde cedo enveredou pelo campo das artes.
Criador e regente da Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz, o premiado instrumentista, compositor e pesquisador baiano, ao longo de mais de 30 anos de estudo, catalogou e sistematizou as bases conceituais para a criação do método Universo Percussivo Baiano (UPB). Um sistema de ensino e aprendizado de música, composição, arranjo e regência, que se consolida como uma epistemologia negra.
Para Mota, Letieres compreendeu a complexidade filosófica, rítmica, política, estética e sonora das matrizes africanas na música brasileira. “Ele era uma pessoa afro-centrada. Fazia música não só como entretenimento, mas como algo que pudesse mexer nas estruturas da sociedade. Era um ativista, um cara engajado. Sua obra precisa ser reconhecida, respeitada e multiplicada”.
Letieres desenvolveu também pesquisas sobre as contribuições das populações negras na formatação da cultura da América diaspórica. Foi um artista totalmente comprometido com a cultura afro-baiana a ponto de dar um lugar de prestígio educacional e artístico à música forjada nas ruas de Salvador.
Margareth conta que Letieres não só estudou profundamente a música negra, como foi até os países africanos conhecer de perto a fonte desse legado. “Ele demonstrou a importância da música africana na formação da identidade brasileira. Sabia exatamente onde estavam as intersecções das claves, os tambores e seus toques, os ferros e os metais, e fazia questão de despertar em nós, artistas negros, essa consciência soberana”.
Como artista múltiplo que era, fundou a Academia de Música da Bahia e atuou como produtor e diretor musical de diversos projetos da música popular brasileira e mundial. Maria Bethânia, Lenine, Gilberto Gil, Toninho Horta, Paulinho Moura, Lulu Santos, Ivete Sangalo e Olodum foram alguns dos nomes nacionais de peso - além do saxofonista Joshua Redman e do trompetista Steven Berstein, ambos norte-americanos -, que fizeram parceria com o compositor.
“Ele cravou na história da música baiana e popular brasileira seu nome, mostrando a erudição e, ao mesmo tempo, a contemporaneidade, o entendimento de todo esse legado da nossa música afro-brasileira em vários contextos. Isso é maravilhoso. Acho que o povo merece ver, ouvir e entender um pouco da obra do maestro Letieres Leite”, convida Margareth.
“Letieres era um apaixonado por ritmos e movimento. A multiplicidade dos pensamentos e ações dele nos deixou um legado gigante. Devemos preservar o acreditar de Leite, a missão que ele conduziu com tanta intensidade e que hoje reverbera em seus projetos e obras. No meu sentir, Letieres virou música, melodia, ritmo, riso”, finaliza, em tom poético, Nara Couto.
Festival Rumpilezz II - Honra ao Rei é promovido pelo Instituto Rumpilezz e patrocinado pela Petrobras por meio do programa Petrobras Cultural.
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