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CINEMA

Obsessão dilacerante

Em Decisão de Partir, Park Chan-wook cria história de investigação, mas está interessado mesmo no romance

Por Rafael Carvalho | Crítico de cinema

10/01/2023 - 9:00 h
Moça, que é suspeita de um crime, vira a cabeça do tira
Moça, que é suspeita de um crime, vira a cabeça do tira -

Parece um dia comum na vida do policial Jang Hae-joon (Park Hae-il), com mais um episódio de assassinato que lhe surge em meio a outros casos investigados por ele no momento. O corpo de um funcionário público que trabalha na imigração sul-coreana é encontrado ao pé de uma colina onde ele aparentemente foi fazer escalada, hobby usual seu. Tudo leva a crer que se trata de morte acidental.

Mas soa um tanto suspeito o comportamento da esposa do homem morto, a misteriosa Song Seo-rae (vivida pela atriz chinesa Tang Wei).

Ela não parece muito sentida com a morte do marido, além de ter um passado suspeito (migrante chinesa casada com um homem mais velho). Estaria ela envolvida na morte do marido?

O policial Jang passa, então, a investigar mais de perto esta mulher, ao que se descobre um comportamento realmente estranho. Mas mais que isso, suas ligações com operações criminosas na China a tornam uma peça mais complexa no jogo de armações que estão por trás da morte do marido. No entanto, a proximidade dela com o policial caminham para um enlaçamento sentimental que bagunça não apenas a investigação, como a própria vida dos dois.

O cineasta parte, portanto, da trama policial, mas quer mesmo falar dos possíveis laços de ternura e amor que se estabelecem entre um policial e uma investigada. Jang é um homem casado, vive aparentemente feliz com a esposa, mas o encontro com Song desestabiliza-o aos poucos.

Não é o caso das paixões avassaladoras que tomam o sujeito de assalto; antes, infiltra-se na relação de ambos na medida em que Song revela também as suas fragilidades – especialmente enquanto imigrante que chegou à Coreia do Sul e foi acolhida apenas pelo rico marido.

Essa trama não é necessariamente algo novo – o policial que se apaixona por uma jovem viúva suspeita de assassinato. Mas Park constroi uma narrativa que funciona como um quebra-cabeça, não apenas em relação à investigação do crime em si, mas também, e principalmente, sobre os sentimentos que os personagens passam a nutrir um pelo outro. Planta-se a dúvida sobre se aquilo é mesmo amor verdadeiro ou apenas uma maneira de se livrar da Justiça.

Maneirismo autoral

Para tanto, o cineasta lança mão de uma série de recursos narrativos que embaralham essa história quando tudo poderia ser muito mais linear e simplificado. Mas não, o diretor tem a intenção de confundir o espectador, tanto pela rapidez com que as informações nos são reveladas (enquanto Song fala de seu passado na China, em voz off, vemos Jang perseguindo o suspeito de um outro caso que ele está investigando naquele momento), quanto pela constante mudança de perspectiva em relação ao caso da morte do marido de Song e também da relação entre os dois protagonistas.

É como se o filme buscasse a todo instante uma nova reviravolta, uma alteração na ordem das coisas que revele algum sentido escondido nas ações dos personagens ou nos sentimentos que vão se criando entre eles. Tudo isso apenas para causar surpresas no público, ajudado por uma montagem realmente competente em termos técnicos, mas que busca criar firulas narrativas para soar “autoral” e “criativo”. Tal operação, no entanto, parece ter sido bem-sucedida, vide o prêmio de Melhor Diretor que Park recebeu no último Festival de Cannes.

É o tipo de afetação narrativa que tenta conferir agilidade ao filme, torná-lo sempre muito estimulante e interessante, mas que não deixa de revelar certos maneirismos de encenação que esvaziam o próprio sentido do mistério das investigações.

Quando estamos nos afeiçoando aos personagens e seguindo a trama com mais clareza, o filme faz questão de sobrepor novas camadas e elementos que jogam a trama para outra direção. Isso ocorre em muitos momentos, o que pode tornar a experiência um tanto cansativa e frustrante.

Coração dilacerado

Se o mistério e a trama policial acabam se tornando apenas pano de fundo para a história de amor que se desenha ali, no campo do melodrama, Decisão de Partir também se revela pouco eficiente. A relação de Jang e Song é cheia de altos e baixos diante das tantas alterações de curso que vemos no decorrer do filme.

O novo longa do diretor fica no meio termo entre a violência estilizada de um Oldboy (2003) – filme que o tornou mais conhecido aos olhos do mundo –, mas que nunca se revela de fato, e a paixão avassaladora de um A Criada (2016) – filme anterior do cineasta que possuía grandes toques de erotismo, algo que aqui no seu novo trabalho é apenas sugerido e nunca de fato revelado.

Decisão de Partir é, portanto, um filme que vacila a todo instante. Não quer entrar de vez na trama policial, mas também não se decide em perscrutar o caso amoroso dos personagens. O diretor está mais interessado em deixar no ar os mistérios, os desejos, as angústias de cada um, soltando pistas aqui e ali no decorrer da trama e criando reviravoltas constantes. Sobram apenas os mesmos tiques de direção de filmes anteriores como em Sede de Sangue (2009), uma história de vampiros, e em Segredos de Sangue (2013), sua incursão no cinema anglófono.

A aposta no drama romântico, que evoluiria para uma paixão desnorteadora – especialmente para Jang –, ganha ares de obsessão de ambas as partes, mas por motivos diferentes. Para ele, é o sentimento de atração pelos mistérios de uma mulher de vida complicada, algo que ele não vivia na pacata rotina com sua esposa, e que passa a beirar uma obsessão por Song; e para ela, é uma tentativa de se manter viva, mas também com certos impulsos que a levam em direção a mais casos de crime e de morte.

Ainda assim, o filme tem dificuldade de construir com eficiência esses caminhos duplos que se entrecruzam no decorrer da trama. Decisão de Partir pode muito bem passar como um drama de amores impossíveis, permeado pela sombra das tragédias mortais que unem os dois personagens, mas tem muito mais de maneirismo do que de sentimento genuíno.

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