CADERNO 2
Stranger Things cativa, apesar de muitas subtramas
Não só o elenco cresceu na nova temporada da série, episódios também estão mais longos
Por João Gabriel Veiga*
![Aquele senso de maravilhamento estilo anos 80 segue intacto – ao som de Kate Bush](https://cdn.atarde.com.br/img/Artigo-Destaque/1190000/1200x720/Artigo-Destaque_01196893_00-ScaleDownProportional.webp?fallback=https%3A%2F%2Fcdn.atarde.com.br%2Fimg%2FArtigo-Destaque%2F1190000%2FArtigo-Destaque_01196893_00.jpg%3Fxid%3D5455479%26resize%3D1000%252C500%26t%3D1739135253&xid=5455479)
Crescer é difícil. É difícil para aquele que está passando pelos ritos de transição, mas também para quem assiste uma criança se tornar um adulto. Stranger Things não muito diferente do que foi a franquia Harry Potter nos anos 2000 – é uma série que convidou todo seu público para assistir essa passagem da vida de seus protagonistas em tempo real: se na 1ª temporada, os heróis embarcavam na jornada sombria pelo Mundo Invertido com um olhar fantasioso, agora a angustia da adolescência torna tudo mais sombrio.
Stranger Things nunca teve medo de flertar com o terror, incorporando a fama dos anos 1980 — década na qual a trama se passa — como os Anos de Ouro do gênero em seu tom. Em sua quarta temporada, no entanto, o horror deixa de ser “apenas” monstros de outra dimensão e passa a ser também psicológico.
Will e seus amigos sempre correram perigo, mas agora a série faz uma pausa para refletir nos efeitos emocionais que essa carnificina deixou nesses jovens que já não são mais crianças.
A nova leva de episódios chega três anos após a terceira temporada, porém não é necessário refrescar a memória, já que essa temporada funciona como um novo capítulo da história. A linha tênue entre o real e o fantasioso é acentuada de maneira sagaz pela contextualização da trama com um fenômeno peculiar da virada dos anos 1980 para os 90: o pânico satânico. Além de investigarem um novo vilão do Mundo Invertido, os jovens heróis se veem como alvo de uma caça dos “cidadãos de bem” de Hawkins, que atribuem as mortes que ocorreram na cidade a um culto diabólico liderado por crianças que jogam RPG.
Esse é o ano de 1986 na cidade de Hawkins, onde estão todos os membros do elenco original — menos Eleven e a família Byers, relocados para a Califórnia para se afastar da trilha de sangue deixada para trás. No entanto, mesmo entre os que ficaram na terra natal, o clima deixado pelos eventos da temporada passada e pela nova dinâmica social do Ensino Médio é de distanciamento.
Um dos marcos da entrada na adolescência é justamente isso: pessoas se afastam, mas novas pessoas se aproximam. A narrativa do seriado sempre incorporou a divisão de seu elenco em vários grupos para explorar aspectos diferentes de sua trama, e usa essa dinâmica em seu roteiro de maneira efetiva para não apenas explorar as mudanças individuais de seus personagens, mas para combiná-los em novos bandos que dão uma cara diferente para Stranger Things.
Max rouba a cena
É interessante ver personagens cujos caminhos não haviam se cruzado antes, como a certinha Nancy e a excêntrica Robin, pois o público está familiarizado com eles, mas essas novas relações revelam ou salientam lados inusitados das personagens. Além disso, algumas separações, como a do casal Mike e Eleven, fazem as partes envolvidas seguirem rumos diferentes do esperado.
Essa junção do foco no aspecto emocional da trama com um olhar especial em personagens coadjuvantes culmina no ponto alto da temporada: a trama paralela que acompanha Max. Introduzida na terceira temporada como uma criança rebelde, ela amadurece como uma adolescente angustiada, enlutada após descobrir o mundo paranormal de Hawkins da pior forma possível: presenciando a morte de seu irmão, Billy.
Essa trama leva Stranger Things para um caminho escuro, cheio de pedregulhos. Desde a primeira temporada, com a busca de Joyce por seu filho Will, a série não parece tão humana, tão real. Não é de se espantar que o vilão da temporada seja uma criatura humanoide que invade a mente de pessoas traumatizadas em seus pesadelos e as persegue até a morte: uma analogia pouco sutil porém efetiva para o poder corrosivo do trauma.
Com um material rico, a jovem intérprete Sadie Sink rouba para si o protagonismo da nova temporada, fazendo com que o público crie uma empatia avassaladora com sua personagem. Para além do carisma que ela já havia demonstrado ao viver Max como a garota descolada de outra cidade, a atriz se mostra à altura do desafio. Antes mesmo de ficar claro o rumo que seu arco dramático levará, já é possível sentir a veracidade e a força dos sentimentos que Max guarda.
Além de uma atuação reveladora, seu arco também traz o melhor momento da temporada. O quarto episódio, focado no luto de Max, tem uma grande intensidade dramática, e também cumpre o serviço social de apresentar o público mais jovem ao trabalho da cultuada cantora Kate Bush — seu clássico Running Up That Hill é aqui utilizado com maestria para engrandecer uma cena crucial.
A megalomania atrapalha
No entanto, se a quarta temporada de Stranger Things pode ser descrita como grandiosa — com muitos personagens, muitas ambientações, episódios ultrapassando a marca de uma hora —, essa grandiosidade leva diversas vezes ao excesso.
Se algumas tramas se destacam (como a já citada crise de Max, a força-tarefa dos jovens para descobrir quem é o novo vilão e o retorno de Eleven para o estado de cobaia de laboratório), algumas cansam e não despertam o interesse.
Apesar de trazer o reencontro de Hopper com Joyce (a química entre David Harbour e Winona Ryder é inegável), a subtrama que envolve os adultos na Rússia é completamente desnecessária, não acrescentando nada ao desenvolvimento dos personagens, da trama geral e atrapalha o ritmo já conturbado dos longuíssimos episódios. Além disso, esse eixo narrativo reforça uma tendência de Stranger Things que já aparecia em momentos passados: o ufanismo norte-americano gratuito que beira a uma paródia risível do anticomunismo da Guerra Fria.
Essa subtrama engloba um problema geral da quarta temporada de Stranger Things: apesar de extremamente divertida e comovente, cansa pelo excesso. A própria duração dos episódios é uma decisão criativa megalomaníaca que leva a isso: variando de 1h15min a até 1h40min por episódio, todas as histórias aqui contadas ficam diluídas ao longo dos capítulos, o que atrapalha que elas ganhem impulso na narrativa.
Com seu quarto ano, Stranger Things se consolida como o grande blockbuster da televisão contemporânea — conseguindo superar Game of Thrones ao demonstrar uma consistência inegável de qualidade ao longo das temporadas. O primeiro volume — os dois episódios finais da temporada serão disponibilizados apenas em julho — termina com várias interrogações que só têm a força que têm pelo elo criado cuidadosamente por essa produção grandiosa ano após ano, episódio após episódio. Um elo que cresceu junto com as crianças.
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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