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CARNAVAL

Blocos afros e afoxés desafiam dificuldades e preparam a folia

Edital Ouro Negro e Salvador Capital Afro garantem apoio às agremiações

Por Priscila Dórea

22/01/2023 - 5:00 h

Com muita cor e sons que os distinguem - de longe! - em meio a toda musicalidade da maior festa do mundo, os blocos afro e os afoxés já se preparam para o Carnaval 2023, que terá início a exatos 26 dias a contar de hoje. Com alguns figurando a lista dos primeiros blocos carnavalescos da capital baiana, toda beleza e exuberância das entidades não foram muito afetadas pela demora no impasse “Circuito na Boca do Rio ou não?” Elas seguem afligidas, ano após ano, por dificuldades financeiras que ações, editais e programas de apoio ainda não conseguiram erradicar - mas continuam tentando.

“Nós, enquanto bloco afro, enfrentamos inúmeras dificuldades no que diz respeito ao aporte financeiro ao longo do ano. Nossa principal fonte de financiamento para o Carnaval tem sido o Edital Ouro Negro, uma iniciativa potente do Governo do Estado de valorização aos blocos afros e afoxés, que ao longo dos anos tem impactado positivamente na manutenção dos blocos tradicionais. No entanto, ainda sentimos a carência de iniciativas públicas e privadas”, explica a produtora cultural e coordenadora do Carnaval do Olodum, Carolina Pereira da Silva.

A produtora afirma que é preciso que as grandes empresas olhem para os blocos afro enquanto patrimônio imaterial, como já foram consolidados “e que queiram somar e fortalecer os desfiles carnavalescos que movimentam, geram renda, e levam história e conhecimento para as ruas” e ainda aponta que o impasse acerca da mudança de circuito não os afetou efetivamente, porém, caso a mudança ocorra no futuro, irá afetar a curto e a longo prazo os blocos.

Com o tema ‘Tambores: A Batida do Coração – Caminhos da Eternidade’, a proposta do Olodum em 2023 é resgatar a história da utilização dos instrumentos percussivos, com foco nos tambores de Gana e na cultura dos povos Ashanti. O bloco é um dos beneficiados pelo Edital Carnaval Ouro Negro em 2023, política pública do Governo do Estado que teve os resultados preliminares divulgados na última quinta-feira (19) e que recebeu um número recorde de inscrições nessa 14ª edição: 199 propostas de 123 instituições.

Destas, foram classificadas preliminarmente 57 entidades, gerando um montante a ser investido de mais de R$7,47 milhões. “Os editais são instrumentos das políticas públicas de fomento que garantem igualdade de oportunidades e transparência no uso do recurso público. Quando esses fomentos são para a comunidade negra e povos originários são ainda mais importantes, pois valoriza esses grupos historicamente excluídos e mantém vivo seu importante legado histórico e social”, explicou o titular da Secretaria de Cultura da Bahia (SecultBA), Bruno Monteiro.

Outro bloco aprovado pelo edital foi o Ilê Aiyê, que essa semana está focado nos preparativos para a 42ª Noite da Beleza Negra, a acontecer no próximo sábado (28), e na estreia oficial da futura nova Rainha do Ilê no Carnaval 2023, que acontecerá em grande estilo: com o tema ‘Centenário de Agostinho Neto: O Herói da Independência de Angola’, o Ilê Aiyê fará uma homenagem ao líder angolano que foi poeta, médico e o primeiro presidente de Angola.

Capital Afro

“Dentre os muitos problemas que a pandemia causou, parar com as ações e projetos sociais foram algumas das coisas mais complicadas para a gente, mas desde o ano passado estamos voltando com as atividades e as expectativas estão grandes para esse Carnaval. Temos conversado com outros estados, mas também com nosso governo e prefeitura, e isso tem trazido resultados realmente positivos”, explica o músico, fundador e presidente do Ilê Aiyê, Antônio Carlos dos Santos Vovô, o Vovô do Ilê.

Iniciativa da Prefeitura de Salvador, o Salvador Capital Afro (SCA) é justamente um dos bons resultados que o diálogo com o poder público tem trazido. O SCA é um movimento de valorização das expressões culturais, tradições e potencial criativo dos negros de Salvador, que tem como objetivo posicionar a cidade como lugar de destaque no Afroturismo mundial. Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult), através do Prodetur Salvador, explicou que ações direcionadas aos blocos afro e afoxés no Carnaval 2023 já estão sendo pensadas e serão divulgadas em breve.

“A pandemia teve um grande impacto no turismo e na cultura local, e como atores desses segmentos, os blocos afro também sentiram as consequências do isolamento social. E quando a gente pensa neles como parte da essência cultural afro da cidade, compreende-se o risco de apagamento deste patrimônio simbólico e identitário da cidade”, informou a secretaria em nota, e ainda enfatizou que ações de visibilidade, capacitação e mentorias têm sido promovidas desde o ano passado.

O presidente do Muzenza - também habilitado pelo Ouro Negro e que este ano tem como tema o Afrofuturismo -, Jorge Santos, enfatiza que os blocos afros precisam de mais apoio dos órgãos públicos para a manutenção dos mesmos durante o ano, e da iniciativa privada durante o Carnaval. “Ambos precisam passar a ter um olhar diferente a respeito do que essas instituições podem dar de retorno. E isso é necessário principalmente após o período 2020/2021, que foi muito difícil. Ficamos impossibilitados de exercer nossas atividades culturais, shows e o Carnaval, que é a culminância das ações realizadas durante o ano”, reflete.

Já o tema do Cortejo Afro (aprovado pelo edital Ouro Negro) será ‘Logunedé: Orixá menino que velho respeita’. O artista plástico, fundador e diretor do bloco, Alberto Pitta, afirma que a expectativa está muito grande, mas ainda não é possível analisar a procura das pessoas pelas fantasias. “De forma contraditória, a animação das pessoas quanto ao Carnaval parecia maior quando não havia previsão por causa da pandemia. Unido a isso, existe ainda um sumiço no que diz respeito aos patrocinadores; shoppings e cervejarias por exemplo, não temos visto uma real manifestação deles. Estamos muito preocupados, mas acreditamos que, ainda assim, conseguiremos ter um Carnaval incrível”, afirma.

Ijexá, nome de nação africana que batizou um novo ritmo

Popularmente conhecidos como ‘candomblé de rua’, os afoxés fazem Salvador vibrar com suas cores, ritmos, tambores e contas durante o Carnaval - um dos maiores e mais populares é o Afoxé Filhos de Gandhy. A origem do afoxé vem dos ritos e costumes da nação africana Ijexá, explica o antropólogo e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e babalorixá do terreiro Ilê Obá L´Okê, Vilson Caetano de Sousa Júnior. Vilson é autor do livro ‘Ijexá, o povo das águas’, obra que o fez se tornar o primeiro estudioso dessa nação no Brasil.

“Ijexá, ao contrário de como se tornou popular, não é um toque musical ou ritmo, mas sim uma nação de candomblé. Os Ijexás eram um grupo étnico africano, como outros como os Malês e Nagôs, e a origem do afoxé, sem sombra de dúvida, está na memória, na história e na vivência da religiosidade dos africanos Ijexás. Eles tinham como característica sair em procissão pelas ruas tocando os tambores ilus e os xequerês, em celebração aos orixás, sobretudo os ligados à água, como Oxum, Logunedé, Ogum e Oyá, por exemplo”, explica o professor.

Então quando a nação Ijexá saía às ruas tocando seus tambores, as pessoas diziam: "Vem aí os Ijexás", e foi a partir daí que o nome passou a designar não apenas uma nação africana, mas também um ritmo. “O que deu origem aos afoxés, afinal, não é à toa que o toque do afoxé é o toque ijexá. Esses ijexás se fizeram presentes no Terno de Reis da cidade de Salvador e também nos blocos de negros, como eram chamados, e algo interessante: esses blocos eram identificados com nomes de peixes, havia o bloco mero, camarão e robalo, por exemplo, tudo porque esses peixes estão associados a esses grupos que possuem relação com a água”, explica o babarolixá Vilson Caetano.

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