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O Profeta das Mulheres

Publicado sexta-feira, 15 de abril de 2022 às 10:00 h | Atualizado em 20/04/2022, 13:37 | Autor: Armando Avena
Imagem ilustrativa da imagem O Profeta das Mulheres
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Quando, ainda criança, li pela primeira vez o Evangelho chamou minha atenção que  na paixão de Jesus Cristo, que é relembrada nesta sexta-feira em todo mundo católico, só as mulheres estivessem lá para consolá-lo. Explicaram-me que seus discípulos fugiram para não serem presos ou mortos. Ora, pensei, as mulheres também podiam ser presas, mas já então eu havia percebido que as mulheres não abandonam.

Mais tarde li novamente o Evangelho e, já encantado pela literatura, fiquei  igualmente impressionado com a dimensão literária e a beleza dessa história que marca a humanidade há mais de dois mil anos. Mas outra vez  senti que ela era contada com uma perspectiva masculina, quase misógina.

Parecia haver uma contradição, pois Jesus foi um profeta que sempre esteve ao lado das mulheres e desafiou a lei arcaica e os preceitos do Velho Testamento que as oprimiam. Por elas, enfrentou a multidão e as leis misóginas do seu povo, impediu a lapidação da adúltera, deixou-se tocar pela mulher menstruada e permitiu que a prostituta lhe lavasse os pés. As mulheres sempre estiveram com ele e jamais o abandonaram. Com elas esteve no Jardim de Getsêmani e delas recebeu consolo na crucificação. E no seu retorno, na ressurreição, é a uma mulher que se apresenta glorioso pela primeira vez. Num mundo inteiramente misógino, Jesus foi o profeta das mulheres.

Mas, em sendo assim, porque elas aparecem desbotadas nos evangelhos, por que estão sempre em segundo plano, como meras coadjuvantes na saga de quem fez um apostolado em seu favor? A resposta é simples, os quatro evangelhos, ditos sinópticos,   que contam sua história foram selecionados como os únicos e verdadeiros no concílio de Nicéa, em 325 D.C, por homens que traziam latente a mesma misoginia do Antigo Testamento. Nesse concílio eles escolheram, entre dezenas de livros, os quatros que contariam a história de Cristo.  Mas havia outros evangelhos que os burocratas da Igreja rejeitaram, tachando-os de apócrifos, e eles contavam uma história diferente na qual as mulheres eram também discípulas de Jesus e pregavam o seu evangelho.

De todo modo, sendo sinóptico ou apócrifo, o evangelho de Jesus comove a humanidade há mais de 2 mil anos e é uma história maravilhosa capaz de trazer a salvação para os homens e de encantar até aqueles que pensam que apenas a literatura os salvará. E os escritores amam essa história, tanto assim que se apropriaram dela e José Saramago, Norman Mailer, Herberto Sales e tantos outros a reescreveram, mas sempre sob o ponto de vista masculino. Foi então que um dia, o menino que havia em mim perguntou:  E porque não contar essa história sob o ponto de vista da mulher? Não se nega nada a criança que fomos um dia, por isso escrevi o Evangelho Segundo Maria,  meu best seller, e em nome das mulheres e da literatura dei a palavra a Maria e a Madalena, para que elas contassem a história de Jesus.

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