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A ‘sofrência’ do rico mercado dos pobres

Alto grau de endividamento das classes C, D e E é uma pandemia, avassaladora como um poderoso vírus

Publicado terça-feira, 06 de junho de 2023 às 00:00 h | Autor: Fernando Barros*
Oito em cada dez destes brasileiros devem mais do que aguentam
Oito em cada dez destes brasileiros devem mais do que aguentam -

É moda. Há um grande contingente de intelectuais e economistas brasileiros buscando esboçar ficções de como vivem mais de 2/3 da população brasileira, hoje hospedadas entre as classes C, D e E. Falamos de 79% das brasileiras e brasileiros. E, principalmente, de quase R$ 3 trilhões de movimentação econômica anual. Isso equivale ao PIB de muitos países do mundo. Resgatados socialmente, esse formidável contingente é rico, muito rico.

Tenho acompanhado o esforço de entidades privadas que se dedicam a mostrar ao asfalto o espetacular potencial desta massa com sua capacidade produtiva em marcha. Creio mesmo que as favelas, aglomerados urbanos onde há a presença da Cufa, vai surpreender, provando que é possível incluir em todos os sentidos, desde a cultura e a economia ao empreendedorismo.

Recentemente, assisti num programa de TV a uma orquestra daquelas de violino e tudo, acompanhando artistas em formidáveis exibições, formada por jovens viventes destes aglomerados urbanos, residentes na favela de Heliópolis, de São Paulo. O abnegado jovem maestro que os dirigia atende pelo nome de Silvio Baccarelli. Tanto nas favelas quanto nos becos periféricos das cidades, ensinando, tudo se aprende.

Chegar junto levando alimentos e primeiros socorros nos momentos de tragédia já é uma escala conhecida. A solidariedade do brasileiro é exemplo para o mundo. Nos momentos dramáticos de calamidades, ninguém fica com fome. Mas muito ainda pode ser feito se compreendermos não apenas as favelas, mas as insalubres periferias das cidades, que aguardam sua hora de serem impulsionadas.

Junto com as iniciativas dos governos municipais, estadual e federal, há uma providência a ser tomada imediatamente: diminuir o grau de endividamento desta população periférica e libertá-la da verdadeira sujeição econômica que vive.

O alto grau de endividamento das classes C, D e E é uma pandemia, avassaladora como um poderoso vírus. O pouco que essas pessoas têm é consumido por dívidas. . A maneira com que nossos confrades são assaltados pelo custo e a dificuldade de lidar com a relação com o dinheiro vem aumentando suas dificuldades e já compromete 31% do seu ganho.

Fintechs, bancos de aventureiros e outras pirâmides são capazes de esfolar aqueles que emprestaram seus combalidos cartões de crédito para garantir dívidas. E não dá para debitar ao Banco Central, exclusivamente, o custo obsceno que estes empresários sem caráter aplicam aos seus clientes, cobrando 200% ou até mais de juros para resgate das dívidas dos menos protegidos.

Metade da população das classes C, D e E tem renda abaixo de seus gastos. Isso gera ínfima capacidade de poupança. A conclusão é de que a sofrência mais aguda de sua vida é tentar pagar dívidas impagáveis, resultante da escorcha financeira que alguns lhes aplicam como um espancamento corrente. Daí, mudam seus hábitos de consumo e começam a comprar comida a crédito, esticando mais ainda a corda em sua garganta.

Classes C, D e E têm dificuldade de entender regras e condições de empréstimos, como é de conhecimento público. As chamadas cooperativas de crédito e agiotas conseguem se comunicar de maneira mais clara do que os bancos tradicionais e digitais.

Sem poupança e endividados, os brasileiros das favelas e periferias literalmente quebram, como qualquer empresa. Deixam de empreender e, como único refúgio, buscam o socorro público. Sucede que não há cofres suficientes para tapar este imenso buraco.

Portanto, a dívida pública popular é nociva e fez adoecer financeiramente boa parte deste gigantesco mercado dos mais pobres. Caberia um movimento nacional, com a participação do governo, de entidades civis privadas, mas de amplo alcance social, para fazer com que o País pudesse respirar e pagar parte do que eles devem em valores e custos menos assombrosos. Ter seus cadastros limpos é princípio, meio e fim de prosperarem.

E é a única saída para Seu João e Dona Maria voltarem a serem sócios do país de ricos que é incrustado no mercado deles, que hoje virou só de pobres. Isso precisa mudar urgentemente, sob o risco de o País não suportar essa situação e estagnar sua economia.

*Publicitário e fundador da Propeg

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