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Código Morse do Pombo Correio

Publicado sábado, 03 de outubro de 2020 às 09:31 h | Atualizado em 03/10/2020, 09:36 | Autor: Marcio Luis Ferreira Nascimento*
Moraes Moreira foi o primeiro cantor de trio elétrico | Foto: Divulgação
Moraes Moreira foi o primeiro cantor de trio elétrico | Foto: Divulgação -

“Pombo correio / Voa depressa / E esta carta leva / Para o meu amor...” O músico, compositor e poeta brasileiro Antônio Carlos Moraes Pires (1947 - 2020), mais conhecido como Moraes Moreira, primeiro cantor de Trio Elétrico, lançou a belíssima marchinha carnavalesca “Pombo Correio” baseada na canção instrumental “Double Morse”, dos inesquecíveis Adolpho Antônio do Nascimento (1920 - 1978), radiotécnico, artesão e instrumentista, e Osmar Álvares Macedo (1920 - 1997), mecânico e músico. Tornou-se um estrondoso sucesso em todo país devido ao estilo musical refinado e tom romântico.

Poucos sabem, mas o maior feito da dupla elétrica Dodô e Osmar, absolutamente original, não foi apenas de reinventar o frevo pernambucano, composto de um grande naipe de instrumentos de sopro, cordas e percussão. Ao eletrificar e amplificar o som, apenas dois músicos passaram a equivaler a uma orquestra inteira que se movia num automóvel transformado em mini-palco, criando assim novas mídia e arte, isso em 1950. Mais: desde seu início, em sua essência, a escola da guitarra baiana, inventora do carnaval eletrificado representa uma saudável e respeitosa mistura de ritmos, sons, e expressões, unindo frevo, rock, baião, afoxé, marchinhas, boleros e música clássica, entre outros estilos. De fato, a versatilidade do carnaval baiano é notada desde sua origem, quando o trio de Dodô e Osmar adaptou músicas estrangeiras, como por exemplo os grandes sucessos Eleanor Rigby dos Beatles, ou Satisfaction dos Rolling Stones, ao ritmo carnavalesco.

A célebre canção Double Morse, composta originalmente pelos geniais Dodô e Osmar em 1952, foi gravada no primeiro elepê da banda: Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar - Jubileu de Prata (1974), que também inaugurou a participação dos músicos Armandinho, Betinho, Aroldo e André Macedo, todos filhos de Osmar, além do brilhante Moraes Moreira. Tal composição foi uma homenagem ao criador do telégrafo, onde pode-se ouvir, na introdução, uma sequência de notas semelhante às batidas do Código Morse. Tal canção recebeu este nome pois era uma mistura de marchinha brasileira, dobrado e pasodoble espanhol, este um inesquecível compasso rápido e bastante conhecido das famosas touradas.

Em suas afetuosas memórias trieletrizadas, tanto por escrito, de punho próprio (Sonhos Elétricos, Azougue Editorial, Rio de Janeiro, 2010, 224 p.), quanto em várias entrevistas, Moraes contou a história por trás da canção original – para ele, tratava-se da comunicação, do código Morse, do meio, da transmissão, da mensagem, de quem emite e quem recebe. Num lampejo, após muito refletir sobre a composição, veio a inspirada poesia da letra, pois para ele não havia nada mais apropriado do que tratar liricamente de um singelo pombo correio enviando uma carta entre amantes...

O Código Morse consiste num sistema binário para representar letras, números e demais caracteres, criado por Samuel Finley Breese Morse (1791 - 1872), pintor e inventor americano (patente US 1,642, concedida em 1840). Reza a lenda que a motivação de Morse surgiu depois de ficar emocionalmente abalado com o falecimento da primeira esposa de seus três filhos, Lucretia Pickering Walker Morse (1799 - 1825), de ataque cardíaco após o parto. Por estar fora da cidade a trabalho, Morse passou vários dias sem saber do passamento de sua mulher e, portanto, não conseguiu prestar as últimas homenagens. Casou-se novamente em 1848, tendo outros quatro filhos. Cabe lembrar que o telegrafo original foi desenvolvido por outros cientistas, mas Morse foi o primeiro a contornar a redução do sinal em longas distancias, além de propor um código de transmissão bastante útil.

Este código utiliza-se de sons curtos e longos, traduzido sonoramente por algo como dididi dadada dididi, e representados por pontos e traços, sendo universalmente conhecida a mensagem de socorro composta de três pontos seguida de três traços e depois três outros pontos (... --- ...), significando SOS. O tempo de duração dos traços é três vezes maior que os dos pontos. Curiosamente, e originalmente, esta famosa mensagem de emergência não era interpretada como “Save Our Seamen” (Salve Nossos Marinheiros), “Save Our Ship” (Salve Nosso Navio) ou “Save Our Souls” (Salve Nossas Almas) - foi usada apenas por ser simples e inconfundível. Já a primeira transmissão do código Morse, escolhida pelo próprio, foi o versículo bíblico Números 23:23, em inglês: “What hath God wrought” (Que coisas tem feito Deus), entre as cidades de Washington, D.C. e Baltimore, distantes 61 km e ao longo da linha de trem que as une, em 1844.

De fato, pode-se afirmar que existe algo que une carnaval, trio elétrico, guitarra baiana e código Morse: são expressões de arte, tecnologia e inovação absolutamente simples, geniais, harmoniosas e originais. São, portanto, comunicação e movimento, divinamente decodificadas em alegria genuinamente baiana para todo mundo ouvir, cantar e dançar.

*Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA

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