Manifestações da Covid-19
Etiopatigenia, manifestações precoces e tardias da Covid-19, caracteriza-se por uma reação hiperinflamatória generalizada, denominada tempestade de citocinas que, nos pulmões, costuma despertar o dano alveolar difuso, que se caracteriza por infiltração celular, edema, áreas de hemorragia, formação de membrana hialina e áreas de pneumonia em organização (BOOP).
Outra característica marcante da doença é a desproporção, presente em alguns casos, entre a extensão das opacidades pulmonares, o nível de hipoxemia e a gravidade da doença. Por essa razão, a tomografia computadorizada do tórax, embora de alta sensibilidade para demonstrar o envolvimento pulmonar em pacientes com a Covid-19, é de baixa especificidade, razão pela qual não deve ser usada isoladamente para rastreamento da doença, para definição de gravidade e para estabelecer a necessidade de internamento hospitalar.
Os estudos epidemiológicos comprovam que os indivíduos jovens e saudáveis costumam ser menos vulneráveis às complicações da doença. Em contrapartida, aqueles com enfermidades crônicas, sobretudo se mal controladas ou compensadas, a exemplo de diabetes, hipertensão, obesidade, cardiopatias, nefropatias e DPOC, dentre outras, ficam vulneráveis às formas graves e críticas da doença. Os mesmos fenômenos acima descritos que comprometem os pulmões podem afetar outros órgãos, a exemplo do coração, rins, aparelho digestivo e sistema nervoso central.
Para os indivíduos acometidos pela Covid-19, os cuidados assistenciais não se encerram no momento. SARS-CoV-2 é a denominação dada ao vírus causador da pandemia Covid-19. O vírus tem alto poder de transmissibilidade. Quando alguém se expõe a uma pessoa, portadora do vírus, viável em suas vias aéreas, por mais de 10 minutos, a uma distância inferior a dois metros, estando ambas desprotegidas com relação às gotículas contendo o agente infectante, considerando a fala, a tosse, beijos e espirros, o vírus poderá ser rapidamente transmitido.
Outra característica do Covid-19 é a capacidade de manter-se viável por várias horas, sob a forma de aerossóis ou depositado em superfícies planas, quando a transmissão poderá ocorrer por via inalatória ou pelo contato com as mãos não-higienizadas e levadas à face.
O novo coronavírus invade o corpo humano por meio de suas espículas externas compostas por glicoproteínas, que possuem tropismo por re- ceptores ACE2 (enzima conversora de angiotensina-2), presentes em diversos órgãos e tecidos do organismo, sobretudo no aparelho respiratório. Ao transpor a membrana celular e se acoplar aos receptores, passam a desenvolver o controle metabólico, e migram distalmente em direção aos bronquíolos e alvéolos, onde deflagram uma reação inflamatória capaz de extravasar um exsudato (fluido rico em proteínas), que se expande entre os espaços intersticiais e alvéolos, comprometendo as trocas gasosas. Outro mecanismo de grande importância é a sua capacidade de produzir dano ao endotélio vascular, que irá deflagrar um efeito trombogênico, com a formação de trombos (coágulos sanguíneos) em diversos órgãos. A circulação pulmonar costuma ser a mais afetada por esse processo, que resulta na formação de micro-
Outra característica marcante da doença é a desproporção, presente em alguns casos, entre a extensão das opacidades pulmonares, o nível de hipoxemia e a gravidade da doença. Trombos em arteríolas e capilares pulmonares, que impedem que se processe o íntimo contato entre a hemoglobina, presente nos vasos, e o oxigênio no interior dos alvéolos.
Por essa razão, a hipoxemia, que costuma ocorrer em desproporção ou na ausência de dispneia, é o principal fator prognóstico e preditor de gravidade nesse momento, e que torna imperativo o encaminhamento do paciente para uma unidade hospitalar, sobretudo para a instituição de oxigenoterapia efetiva e seu monitoramento amiúde.
Dado o mecanismo da insuficiência respiratória, a identificação da hipoxemia em queda, sobretudo se maior em 94% em ar ambiente, exige a aplicação de agentes antitrombóticos além da oxigenoterapia. Esse efeito pró-trombótico se estende a diversos outros órgãos e sistemas além dos pulmões, com consequências distintas. Essas alterações trombóticas e tromboembólicas guardam estrita correlação com níveis elevados de d-Dímeros.
Revisando sua etiopatogenia, a partir da exposição e contágio, haverá um período em que o indivíduo recém infectado permanecerá assintomático por cerca de 5 dias. Em seguida, surgirão os sintomas relacionados à infecção viral, compostos por tosse seca, febre, cansaço, dor abdominal, diarréia, cefaléia e, até mesmo, alterações no olfativas.
Ultrapassada a fase I, muitos poderão evoluir para a fase II (A e B), em que surgem os sintomas respiratórios mais proeminentes, com características pneumônicas, surgimento e rápido alastramento das opacidades pulmonares, e hipoxemia que, por vezes, torna-se refratária à oxigenoterapia. A fase IVda alta hospitalar ou do desaparecimento dos sintomas. Muitos evoluem com sequelas, sobretudo, mas não exclusivamente, aqueles que estiveram em situação crítica em UTI.
Quando avaliados cerca de 3-4 meses depois, indivíduos que se recuperaram da fase aguda da Covid-19, podem conviver com distúrbios emocionais, sarcopenia, algum grau de fibrose pulmonar, com comprometimento funcional variável, sequelas morfofuncionais no miocárdio, disfunção renal crônica, síndrome da fadiga crônica, dentre outros distúrbios.
O acompanhamento do paciente pós-covid-19 é de caráter multiprofissional e deverá estender-se por vários meses a partir do desapareci mento dos sintomas.
*Jorge Pereira é médico pneumologista