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Por Marcio Luis Ferreira Nascimento*

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ACERVO DA COLUNA
Publicado quinta-feira, 01 de outubro de 2020 às 8:42 h • Atualizada em 21/01/2021 às 0:00 | Autor:

Segredos Femininos da Superfície

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Maryam Mirzakhani foi a primeira mulher a receber a Medalha Fields
Maryam Mirzakhani foi a primeira mulher a receber a Medalha Fields -

Que segredos guardam a alma feminina? Exceto aqueles mais profundos e recônditos, se forem superficiais, poderiam ainda assim ser revelados? E se contiverem detalhes matemáticos, seriam estes decifráveis?

Há poucas semanas foi lançado o documentário “Secrets of the Surface: The Mathematical Vision of Maryam Mirzakhani”, dirigido pelo ator e cineasta alemão George Paul Csicsery (n. 1948), ainda sem título em português que, numa tradução livre seria algo como: “Segredos da Superfície: a Visão Matemática de Maryam Mirzakhani”. A obra consiste numa singela homenagem à primeira mulher a receber a Medalha Fields em 2014, um raríssimo prêmio matemático concedido desde 1936 a cada quatro anos e somente equivalente ao Prêmio Nobel (que por sinal não existe para a área da matemática e é concedido anualmente). Mirzakhani dividiu a premiação com outros três matemáticos, entre eles o brasileiro Artur Avila Cordeiro de Melo (n. 1979)

Nascida no Irã em 1977, filha de um engenheiro elétrico e uma dona de casa, estudou no Liceu Farzanegan em Teerã, ligado à Organização Nacional para o Desenvolvimento de Talentos Excepcionais. A princípio, não era muito fã de matemática. Leitora assídua, sonhava ser escritora, mudando completamente de opinião durante a adolescência. Em 1994 obteve uma medalha de ouro na Olimpíada Internacional de Matemática de Hong Kong (assim como Artur Avila, ambos adolescentes), acertando 41 de 42 pontos da prova. Formou-se em matemática na Universidade Tecnológica de Sharif em 1999, e migrou para os Estados Unidos, onde obteve um doutorado na Universidade de Harvard em 2004. Quatro anos depois tornou-se professora na Universidade Stanford. Seu orientador, o matemático americano Curtis Tracy McMullen (n. 1958) já havia recebido a Medalha Fields em 1998.

Os premiados trabalhos de Maryam envolviam diversos aspectos da matemática moderna, em particular contribuições excepcionais à dinâmica e a geometria de Riemann, em homenagem ao matemático alemão Georg Friedrich Bernhard Riemann (1826 - 1866). Grosso modo, a geometria riemanniana considera outros tipos de espaços. Num ambiente tridimensional, um triângulo desenhado num plano apresenta três ângulos internos que somados resultam em 180 graus, uma lição que se aprende nos primeiros anos escolares. Ao se recortar as pontas de qualquer triângulo e disponibiliza-los lado a lado têm-se a metade de uma volta (pois uma volta completa equivale a 360 graus). Uma superfície de Riemann simples pode ser considerada uma esfera. Ao se desenhar um triângulo numa esfera, os ângulos internos são maiores que 180 graus, apresentando portanto características geométricas peculiares.

Um dos célebres trabalhos de Maryam combina habilmente dinâmica e geometria. Como num bilhar, bolas rolam numa superfície plana, eventualmente interagindo entre si em trajetórias geométricas bem definidas. Ela considerou todas as possibilidades de mesas de bilhar, em particular aquelas dispostas em superfícies de Riemann. Não contente em compreender o movimento de bilhares em tais superfícies, estudou as variações da própria mesa de bilhar, estendendo o conhecimento matemático para diversas dimensões e possibilidades, explorando assim o âmago da geometria de uma maneira única, seguindo sua intuição feminina.

Mirzakhani casou-se com o cientista da computação tcheco Jan Vondrák (c. 1973), também professor em Stanford, e tiveram uma filha, Anahita Vondráková, nascida em 2011. Algumas das vezes a criança, ao brincar sozinha, dizia a seu pai que não queria chamar a mamãe pois ela “estava sempre ocupada, desenhando”...

A história de Maryam, que sofreu durante quatro anos com um agressivo câncer de mama e faleceu em 2017, revela que alguns segredos femininos, ditos superficiais, podem sim ser decifrados, mesmo escritos em símbolos matemáticos. Já outros, aqueles pertencentes ao âmago de toda mulher, permanecerão para todo sempre um grande mistério.

*Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA

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