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Por Marcio Luis Ferreira Nascimento

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ACERVO DA COLUNA
Publicado quinta-feira, 09 de novembro de 2023 às 17:34 h • Atualizada em 09/11/2023 às 19:57 | Autor:

Subindo e Descendo na Vida

Confira o artigo do professor Marcio Luis Ferreira Nascimento

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Elevador Lacerda
Elevador Lacerda -

Muitos brasileiros, em particular baianos, desconhecem, mas o primeiro e mais alto elevador urbano do mundo, inaugurado em 8 de dezembro de 1873, uniu as cidades alta e baixa. Hoje, ao celebrar seu sesquicentenário, representa um dos principais pontos turísticos da cidade de Salvador. Originalmente media 63 metros, e já era desde o início o mais alto, com apenas uma torre cravada na rocha, permitindo a ascensão e descenso de pessoas de forma rápida e segura. Hoje mede 73,5 metros, e permanece sendo um dos principais cartões-postais da cidade no mundo, com vista para a belíssima Baía de Todos os Santos, a ombrear uma imensa falésia.

Foi concebido, elaborado e construído pelo engenheiro mecânico brasileiro Antonio Francisco de Lacerda (1834 - 1885), e batizado de Elevador Hidráulico da Conceição pela proximidade com uma das primeiras construções religiosas da cidade, a Igreja da Nossa Senhora da Conceição da Praia, próximo do lugar da primeira ermida em sua homenagem, e também dia consagrado à santa, feriado nacional.

Desde a fundação da cidade, seu sítio histórico, hoje denominado Pelourinho, servia de fortaleza para proteção de ataques tanto dos nativos como de invasores estrangeiros. Parar ascender desde o antigo Cais até a Cidade Alta, diversos caminhos foram trilhados, como a célebre Ladeira da Preguiça, que fica na região, e recebeu este nome por ser muito longa e íngreme, provocando muitas das vezes paradas ao longo do caminho aos seus transeuntes. Tal Preguiça foi homenageada pelo cantor e compositor brasileiro Gilberto Passos Gil Moreira (n. 1942) no álbum “Cidade do Salvador” em 1973, a partir dos seguintes versos: “Essa ladeira / Que ladeira é essa? / Essa é a ladeira da preguiça.”

Credita-se ao polímata grego Arquimedes de Siracusa (287 – 212 a.C.) o registro dos primeiros elevadores por volta do ano 236 a.C., que funcionavam por meio de tração animal. O famoso Coliseu de Roma, conhecido pelos célebres combates entre gladiadores e concluído no ano 80 de nossa era para agradar um público que podia atingir 80 mil espectadores, tinha ao menos 25 elevadores, principalmente para carga de feras, içadas diretamente dos porões para participar dos sangrentos espetáculos.

Durante a Era Industrial, diversos sistemas de carreamento vertical foram introduzidos. Mas o de maior sucesso comercial foi implementado pelo inventor e empresário americano Elisha Graves Otis (1811 - 1861) em 1852 e concedida nove anos depois, chamado de elevador de segurança. O próprio Otis fazia demonstrações públicas do sistema de freios patenteado por ele mesmo, ao se situar numa plataforma bem alta e içada por cordas e polias. A usar de um machado, rompia a corda principal, sob espanto dos presentes. No entanto, seu sistema de frenagem automática, suave e seguro, era acionado em poucos segundos, sem causar dano a quem estivesse em seu interior. O primeiro elevador de pessoas com este sistema de segurança foi implementado no edifício do empresário americano Eder Vreeland Haughwout (1813 -1887), um prédio comercial de 5 andares em Nova York em 1857.

Desde 1610 há registros de engenhosos aparatos de carga na íngreme cidade do Salvador, famosa por sua escarpa de mais de 70 metros, como o Guindaste da Fazenda e o Guindaste dos Padres da Companhia de Jesus, a içar mercadorias nas encostas que levam ao monte da cidade alta, no Pelourinho. O primeiro localizava-se próximo de onde se situa hoje o Elevador Lacerda, e o segundo foi descrito pelo navegador francês François Pyrard (1578 - 1621), e ficava próximo de onde hoje se encontra o Plano Inclinado Gonçalves. Gravuras de 1624 como a dos desenhistas e cartógrafos holandeses Claes Janszoon Visscher (1587 - 1652) e Hessel Gerritsz (c. 1581 - 1632) sobre “S. Salvador. Baya de Todos os Sanctos”, não deixam dúvidas sobre a presença de alguns destes guindastes. A obra apresenta a frota da Companhia das Índias Ocidentais do almirante holandês Jacob Willekens (1564 - 1649) atacando a cidade de Salvador em 1624. Existem indícios de quase meia dúzias deles ao longo dos primeiros séculos de implementação da cidade.

O empreendedor baiano Antônio Francisco de Lacerda (1834 - 1885), rico empresário da Companhia de Transportes Urbanos que, em 1869, por meio de bondes de tração animal, fazia o percurso entre os Largos da Piedade e o da Vitória, levou quatro anos para implementar o projeto do primeiro elevador urbano do mundo, inaugurado, não por acaso, no Dia de Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Chamava-se Elevador Hidráulico da Conceição, mas a população atribuiu o singelo nome de Parafuso, devido à peça em espiral que, assemelhada a um grande parafuso, impulsionava as cabines por meio de um engenhoso sistema hidráulico movido por uma máquina a vapor. Em 1896 foi rebatizado como “Elevador Lacerda” em homenagem a seu idealizador e construtor, que gastou uma considerável fortuna em tal empreendimento, e foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 7 de dezembro de 2006.

Lacerda contou com auxílio do irmão e engenheiro de minas Augusto Frederico de Lacerda (1836 - 1931) e pelo seu pai, o comerciante e industrial português Antônio Francisco de Lacerda (1797 - 1873). Desde meados de 1830 o patriarca Lacerda esteve comprometido com os ramos de fabricação de tecidos, chapéus, serviços de distribuição de água, comércio de escravos e o setor financeiro, ao ser sócio na implementação do Banco da Bahia, fundado em 1858. A firma Lacerda & Cia implementou uma fábrica de tecidos em Valença em 1844, inaugurada três anos depois em 1º de novembro de 1847 sob o nome de “Todos os Santos”, auxiliando assim no processo de industrialização nacional. Ambos irmãos se matricularam em 1852 no Rensselaer Polytechnic Institute da cidade de Troy, no estado de Nova York, mas apenas Augusto concluiu o curso em 1855. Certamente os irmãos Lacerda tiveram contato com o trabalho de Otis, embora careçam registros históricos. Curiosamente, Otis morou um certo tempo em Troy, mas ficou muito conhecido após apresentar seu dispositivo na Grande Exposição dos Trabalhos da Indústria de Todas as Nações de 1853 em Nova York. Sistemas de frenagem segura para elevadores passaram a ser comuns desde então, embora boa parte deles usassem de cordas de fibras naturais. Somente com avanço das décadas, os sistemas hidráulicos passaram a usar os inovadores e mais seguros cabos com fios de aço, mas resistentes e seguros.

O empreendimento elevatório de Lacerda mostrou-se economicamente inviável quatro anos depois, embora fizesse parte de um sistema integrado de cargas e passageiros entre as cidades baixa e alta, pois estava associado a um sistema de bondes puxados por tração animal que ia da Praça do Palácio Tomé de Sousa (hoje Praça Municipal) até a Barra. Com relação ao elevador em si, muitas modificações foram implementadas, como a primeira grande reforma de 1906 pela Companhia Linha Circular de Carris da Bahia, que acrescentou eletricidade ao sistema inicial, movido a vapor. A segunda mais importante, de 1930, deu forma final com a segunda torre de 73,5 metros, unida por um vão de aço e concreto em estilo art déco de 28,7 m, carreando até 27 passageiros em meros 25 segundos. Deste novo empreendimento há registro do uso dos freios de segurança Otis, mas nada foi encontrado sobre o sistema de frenagem original utilizado por Lacerda.

Até hoje o arrojado empreendimento lacerdiano, primero do mundo, ao carrear almas para cima e para baixo todos os santos dias, se mantem enquanto símbolo da engenhosidade, ousadia e pujança baiana, a contemplar a bela Bahia de Todos os Santos.

*Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química da UFBA e membro do Instituto Politécnico da Bahia

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