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A Tarde Memória

Por Cleidiana Ramos*

ACERVO DA COLUNA
Publicado quarta-feira, 01 de março de 2023 às 5:15 h • Atualizada em 01/03/2023 às 11:36 | Autor:

A TARDE foi decisivo no movimento de criação da Casa de Ruy Barbosa

Ernesto Simões Filho fez campanha para adquirir imóvel onde intelectual baiano nasceu

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Imagem ilustrativa da imagem A TARDE foi decisivo no movimento de criação da Casa de Ruy Barbosa
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Considerado um dos maiores intelectuais brasileiros, Ruy Barbosa morreu em 1º de março de 1923. Em homenagem à memória do jurista, escritor, político, diplomata e jornalista, dentre outras funções que exerceu, a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) concederá a medalha Rubem Nogueira a cinco pessoas e representantes de instituições que contribuíram para a instalação e constituição do acervo do Museu Casa de Ruy Barbosa. O presidente do Grupo A TARDE João de Mello Leitão será um dos condecorados, estendendo a homenagem à memória de Ernesto Simões Filho (1886-1957). Fundador de A TARDE, Simões Filho elaborou a campanha que salvou o imóvel onde nasceu Ruy Barbosa e que mais tarde se tornou um museu.

Na edição de 18 de outubro de 1917, A TARDE, com base em informação levantada a partir dos seus anúncios de leilões e outras providências judiciais, noticiou que a casa localizada no endereço que mudou de Rua dos Capitães para Rua Ruy Barbosa em 1903 seria leiloada. Segundo o texto a casa estava avaliada em pouco mais de 12 mil reis, mas seria oferecida por um valor ainda menor: 11 mil e 200 reis.

Com duras críticas ao governador Moniz de Aragão e ao intendente, cargo equivalente a prefeito de Salvador no período, João Propício Carneiro da Fontoura, o jornal fez um apelo aos moradores da cidade para salvar o imóvel. O projeto de Simões Filho era transformar o local em uma escola.

“A TARDE supplica da cidade a salvação daquelle templo para as relíquias sagradas de Ruy Barbosa ou para uma escola”. (A TARDE, 18/10/1917, capa).

Na edição de 20 de outubro de 1917 veio a boa notícia: Ernesto Simões Filho arrematou a casa com a ajuda de mais algumas pessoas. Estava cumprido o primeiro passo em defesa da memória de Ruy Barbosa.

“A TARDE, representada pelo seu director, compareceu hoje a audiência do sr. dr. Juiz de orphams, no Fórum, e, ao ser apregoada a casa em que nasceu o conselheiro Ruy Barbosa, à rua dos Capitães, arrematou-a por 15:200$000 sendo esse o maior lance. Com o apoio de muitos ilustres concidadãos nossos, aos quaes previamente consultaramos sobre a acquisição daquelle prédio histórico por meio de uma subscrição popular para incorporá-lo ao patrimônio da cidade, funcionando nelle um grupo escolar com o nome do egrégio brasileiro, A TARDE desvanece-se de ter cumprido esse dever cívico”. (A TARDE 20/10/1917, p.2).

A partir do arremate, A TARDE começou uma campanha destinada a reunir quem quisesse contribuir. O objetivo era dar a Ruy Barbosa não uma homenagem de amigos, mas da coletividade. A estratégia deu certo e o jornal passou a publicar as contribuições. O movimento ganhou repercussão no Rio de Janeiro, com a publicação de notícias nos jornais da então capital do país, como também de contribuições por associações cariocas.

“(Rio), 22- A TARDE- Por iniciativa do acadêmico Heráclito Queiroz constitui-se aqui uma comissão de acadêmicos destinada a secundar a iniciativa d’ A TARDE angariando auxílios destinados à adaptação da casa onde nasceu o senador Ruy Barbosa para a installação de uma escola”. (A TARDE, 23/10/1917, capa).

Satisfeito, Simões Filho enviou um telegrama ao jurista relatando a homenagem. Ruy Barbosa retribuiu.

“Accusando a comuniccação que lhe fizéramos Ruy Barbosa dirigiu, hoje, ao director d´A TARDE, o telegrama que a seguir publicamos. Há nas commovidas e enloquentes expressões do genial bahiano muita bondade que nos desvanece e sensibiliza e redobra em nós a satisfação do cumprimento de um dever cívico, qual foi o de termos adquirido o ninho da águia. Eis o despacho:

Simões Filho- Redação A Tarde, Bahia. Não encontro palavras para lhe agradecer a extrema e carinhosa bondade d’ A Tarde adquirir casa do meu nascimento e consagrá-la à creação de uma escola popular. Bendita lembrança sua que me commove e captiva para sempre. Abraços cordiaes. Ruy Barbosa”. (A TARDE, 23/10/1917, capa.

Com o fim da campanha, A TARDE fez a doação do imóvel que ganhou o apelido de “Ninho da Águia” ao município. Estava a caminho a homenagem a Ruy Barbosa acompanhada de uma ação útil à educação baiana. Mas o desfecho, infelizmente, não foi o esperado.

Nova batalha

Na edição de 9 de julho de 1935, A TARDE noticiou que a casa estava em ruínas. A escola que baseou o processo e que A TARDE havia viabilizado com a doação do imóvel não chegou a ser construída.

“Falou-se há tempos no levantamento alli de um edifício moderno onde funcionaria a “Escola Ruy Barbosa”. Os mezes, porém, passaram; passaram os anos; e as ruínas permanecem intangíveis. Nem escola nem qualquer outra applicação, que, assignale condignamente o local onde nasceu aquelle sem o qual fora abobada deserta o céu do Brasil”. (A TARDE, 19/7/1935, p.3).

Mais uma vez, A TARDE entrou em ação para resolver o problema por meio de reportagens que contavam a nova iniciativa para salvar o imóvel. O então diretor de Redação do jornal e presidente da ABI, Ranulpho Oliveira, conseguiu que o terreno fosse doado e passou a coordenar uma mobilização para a reconstrução e instalação de um museu.

“A reconstrução, aproveitando-se o que dela restava só foi possível graças a uma antiga foto que o pintor Presciliano Silva ampliou em carvão e o arquiteto Manuel Viana Bandeira, que fez os estudos internos. O andar térreo ficou exatamente como era, talvez tenha sido surpresa uma parede no lado esquerdo de quem entra, para ficar um salão maior. O quarto onde Ruy nasceu foi preservado exatamente igual. No andar superior, entretanto, o arquiteto, de acordo com Ranulpho Oliveira, suprimiu alguns pequenos quartos a fim de informar o espaço maior onde hoje está instalada a biblioteca. A sala de almoço era exatamente assim, no segundo andar. Ranulpho Oliveira pensava em ali instalar a ABI e uma biblioteca, o que conseguiu, mas logo depois partiu para a construção definitiva do órgão dos jornalistas e na transformação da Casa de Ruy num museu”. (A TARDE, 5/11/1984, Caderno 2, p.1).

Em 1949, durante as comemorações do centenário de nascimento de Ruy Barbosa, transformada em um museu, a casa foi inaugurada. A TARDE participou ativamente das comemorações, inclusive realizando uma edição especial de 16 páginas em homenagem ao centenário. Além disso, o jornal promoveu uma ação para enriquecer o acervo da instituição.

“A TARDE promoveu campanha no sentido de que quem tivesse objetos e documentos do “maior dos brasileiros” os ofertassem ao seu museu. Nunca vi os baianos tão unidos num movimento. A livraria Catilina ofereceu livros autografados valiosíssimos, a Santa Casa doou a mesa onde Ruy trabalhava, o escritor José Gabriel de Lemos Brito doou as luvas que Ruy usou na Conferência de Haia que lhe foram dadas por Alfredo Ruy Barbosa no momento em que vestiam o seu corpo, por ocasião do seu falecimento. Objetos foram doados por Simões Filho Pedro Calmon, João Mangabeira, Aloísio Lopes Pontes, Aloísio Carvalho, Paiva Marques e muitos outros. Retratos de parentes de Ruy foram dados ou vendidos por preços simbólicos”. (A TARDE, 5/11/1984, Caderno 2, p. 1).

A TARDE prosseguiu, década a década, celebrando a Casa de Ruy Barbosa, mas também denunciando os problemas. Recentemente, o jornal tem dado um espaço considerável à luta da ABI para conseguir a reabertura do espaço, que se confunde com sua história. Fica a torcida para ser essa a próxima notícia a ser celebrada.

Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em Antropologia

*A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período

Fontes: Edições de A TARDE, Cedoc A TARDE

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