A TARDE foi decisivo no movimento de criação da Casa de Ruy Barbosa
Ernesto Simões Filho fez campanha para adquirir imóvel onde intelectual baiano nasceu
Considerado um dos maiores intelectuais brasileiros, Ruy Barbosa morreu em 1º de março de 1923. Em homenagem à memória do jurista, escritor, político, diplomata e jornalista, dentre outras funções que exerceu, a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) concederá a medalha Rubem Nogueira a cinco pessoas e representantes de instituições que contribuíram para a instalação e constituição do acervo do Museu Casa de Ruy Barbosa. O presidente do Grupo A TARDE João de Mello Leitão será um dos condecorados, estendendo a homenagem à memória de Ernesto Simões Filho (1886-1957). Fundador de A TARDE, Simões Filho elaborou a campanha que salvou o imóvel onde nasceu Ruy Barbosa e que mais tarde se tornou um museu.
Na edição de 18 de outubro de 1917, A TARDE, com base em informação levantada a partir dos seus anúncios de leilões e outras providências judiciais, noticiou que a casa localizada no endereço que mudou de Rua dos Capitães para Rua Ruy Barbosa em 1903 seria leiloada. Segundo o texto a casa estava avaliada em pouco mais de 12 mil reis, mas seria oferecida por um valor ainda menor: 11 mil e 200 reis.
Com duras críticas ao governador Moniz de Aragão e ao intendente, cargo equivalente a prefeito de Salvador no período, João Propício Carneiro da Fontoura, o jornal fez um apelo aos moradores da cidade para salvar o imóvel. O projeto de Simões Filho era transformar o local em uma escola.
“A TARDE supplica da cidade a salvação daquelle templo para as relíquias sagradas de Ruy Barbosa ou para uma escola”. (A TARDE, 18/10/1917, capa).
Na edição de 20 de outubro de 1917 veio a boa notícia: Ernesto Simões Filho arrematou a casa com a ajuda de mais algumas pessoas. Estava cumprido o primeiro passo em defesa da memória de Ruy Barbosa.
“A TARDE, representada pelo seu director, compareceu hoje a audiência do sr. dr. Juiz de orphams, no Fórum, e, ao ser apregoada a casa em que nasceu o conselheiro Ruy Barbosa, à rua dos Capitães, arrematou-a por 15:200$000 sendo esse o maior lance. Com o apoio de muitos ilustres concidadãos nossos, aos quaes previamente consultaramos sobre a acquisição daquelle prédio histórico por meio de uma subscrição popular para incorporá-lo ao patrimônio da cidade, funcionando nelle um grupo escolar com o nome do egrégio brasileiro, A TARDE desvanece-se de ter cumprido esse dever cívico”. (A TARDE 20/10/1917, p.2).
A partir do arremate, A TARDE começou uma campanha destinada a reunir quem quisesse contribuir. O objetivo era dar a Ruy Barbosa não uma homenagem de amigos, mas da coletividade. A estratégia deu certo e o jornal passou a publicar as contribuições. O movimento ganhou repercussão no Rio de Janeiro, com a publicação de notícias nos jornais da então capital do país, como também de contribuições por associações cariocas.
“(Rio), 22- A TARDE- Por iniciativa do acadêmico Heráclito Queiroz constitui-se aqui uma comissão de acadêmicos destinada a secundar a iniciativa d’ A TARDE angariando auxílios destinados à adaptação da casa onde nasceu o senador Ruy Barbosa para a installação de uma escola”. (A TARDE, 23/10/1917, capa).
Satisfeito, Simões Filho enviou um telegrama ao jurista relatando a homenagem. Ruy Barbosa retribuiu.
“Accusando a comuniccação que lhe fizéramos Ruy Barbosa dirigiu, hoje, ao director d´A TARDE, o telegrama que a seguir publicamos. Há nas commovidas e enloquentes expressões do genial bahiano muita bondade que nos desvanece e sensibiliza e redobra em nós a satisfação do cumprimento de um dever cívico, qual foi o de termos adquirido o ninho da águia. Eis o despacho:
Simões Filho- Redação A Tarde, Bahia. Não encontro palavras para lhe agradecer a extrema e carinhosa bondade d’ A Tarde adquirir casa do meu nascimento e consagrá-la à creação de uma escola popular. Bendita lembrança sua que me commove e captiva para sempre. Abraços cordiaes. Ruy Barbosa”. (A TARDE, 23/10/1917, capa.
Com o fim da campanha, A TARDE fez a doação do imóvel que ganhou o apelido de “Ninho da Águia” ao município. Estava a caminho a homenagem a Ruy Barbosa acompanhada de uma ação útil à educação baiana. Mas o desfecho, infelizmente, não foi o esperado.
Nova batalha
Na edição de 9 de julho de 1935, A TARDE noticiou que a casa estava em ruínas. A escola que baseou o processo e que A TARDE havia viabilizado com a doação do imóvel não chegou a ser construída.
“Falou-se há tempos no levantamento alli de um edifício moderno onde funcionaria a “Escola Ruy Barbosa”. Os mezes, porém, passaram; passaram os anos; e as ruínas permanecem intangíveis. Nem escola nem qualquer outra applicação, que, assignale condignamente o local onde nasceu aquelle sem o qual fora abobada deserta o céu do Brasil”. (A TARDE, 19/7/1935, p.3).
Mais uma vez, A TARDE entrou em ação para resolver o problema por meio de reportagens que contavam a nova iniciativa para salvar o imóvel. O então diretor de Redação do jornal e presidente da ABI, Ranulpho Oliveira, conseguiu que o terreno fosse doado e passou a coordenar uma mobilização para a reconstrução e instalação de um museu.
“A reconstrução, aproveitando-se o que dela restava só foi possível graças a uma antiga foto que o pintor Presciliano Silva ampliou em carvão e o arquiteto Manuel Viana Bandeira, que fez os estudos internos. O andar térreo ficou exatamente como era, talvez tenha sido surpresa uma parede no lado esquerdo de quem entra, para ficar um salão maior. O quarto onde Ruy nasceu foi preservado exatamente igual. No andar superior, entretanto, o arquiteto, de acordo com Ranulpho Oliveira, suprimiu alguns pequenos quartos a fim de informar o espaço maior onde hoje está instalada a biblioteca. A sala de almoço era exatamente assim, no segundo andar. Ranulpho Oliveira pensava em ali instalar a ABI e uma biblioteca, o que conseguiu, mas logo depois partiu para a construção definitiva do órgão dos jornalistas e na transformação da Casa de Ruy num museu”. (A TARDE, 5/11/1984, Caderno 2, p.1).
Em 1949, durante as comemorações do centenário de nascimento de Ruy Barbosa, transformada em um museu, a casa foi inaugurada. A TARDE participou ativamente das comemorações, inclusive realizando uma edição especial de 16 páginas em homenagem ao centenário. Além disso, o jornal promoveu uma ação para enriquecer o acervo da instituição.
“A TARDE promoveu campanha no sentido de que quem tivesse objetos e documentos do “maior dos brasileiros” os ofertassem ao seu museu. Nunca vi os baianos tão unidos num movimento. A livraria Catilina ofereceu livros autografados valiosíssimos, a Santa Casa doou a mesa onde Ruy trabalhava, o escritor José Gabriel de Lemos Brito doou as luvas que Ruy usou na Conferência de Haia que lhe foram dadas por Alfredo Ruy Barbosa no momento em que vestiam o seu corpo, por ocasião do seu falecimento. Objetos foram doados por Simões Filho Pedro Calmon, João Mangabeira, Aloísio Lopes Pontes, Aloísio Carvalho, Paiva Marques e muitos outros. Retratos de parentes de Ruy foram dados ou vendidos por preços simbólicos”. (A TARDE, 5/11/1984, Caderno 2, p. 1).
A TARDE prosseguiu, década a década, celebrando a Casa de Ruy Barbosa, mas também denunciando os problemas. Recentemente, o jornal tem dado um espaço considerável à luta da ABI para conseguir a reabertura do espaço, que se confunde com sua história. Fica a torcida para ser essa a próxima notícia a ser celebrada.
Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em Antropologia
*A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período
Fontes: Edições de A TARDE, Cedoc A TARDE