Brasileiros escolheram via plebiscito entre monarquia e república
Consulta popular, em 1993, foi determinada pela Constituição Federal promulgada em 1988

Na edição de 22 de abril de 1993, A TARDE dedicou sete páginas ao registro de como ocorreu na Bahia o plebiscito realizado para que os brasileiros decidissem qual seria a forma de governo- monarquia ou república- e sistema- parlamentarismo ou presidencialismo- vigente no país. O plebiscito é um tipo de consulta popular e, no caso deste, foi estabelecido pelo Artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988. Segundo a cobertura de A TARDE, assim como em outros locais do Brasil, o que predominou foi desinteresse, confusão e desconhecimento sobre o teor da consulta, além das dificuldades para quem votou em trânsito. O resultado baiano também seguiu o nacional: vitória da República, como forma de governo, e do presidencialismo, como sistema.
“O presidencialismo confirmou a vantagem que as pesquisas de opinião lhe davam e saiu na frente, após a apuração dos primeiros votos na Bahia. Num plebiscito marcado pela apatia generalizada, que deu um ar atípico a um dia de votação — sem montes de papel na rua, sem boca-de-urna, brigas de fiscais ou candidatos percorrendo as seções —. os baianos preferiram encher as agências dos Correios para justificar o voto deixando as urnas quase vazias”. (A TARDE, 22/4/1993, p.3).
Na cobertura, A TARDE fez ainda uma comparação entre a alta presença de idosos na votação e a baixa adesão dos jovens que, um ano antes, tinham enchido as ruas de cidades brasileiras pedindo o impeachment do presidente Fernando Collor. Dentre os primeiros, houve o comparecimento mesmo de quem já não estava nos segmentos obrigados a votar.
“Os mais velhos foram maioria perante as urnas, havendo um grande número de eleitores que passaram dos 70 anos e não mais teriam obrigação de votar. Mesmo assim, cumpriram seu dever cívico, mesmo demonstrando certa incerteza quanto ao futuro do País”. (A TARDE, 22/4/1993, p.2).
Já os chamados “caras pintadas”, segundo a reportagem, andavam questionando se o plebiscito tinha força para mudar o país.
“Entre a parcela da população que foi batizada como "caras-pintadas" prevalece a certeza de que não adianta escolher novo sistema e nova forma de governo enquanto a crise econômica continua se agravando e condenando milhões de brasileiros à mais absoluta miséria”. (A TARDE, 22/4/1993, p.2).
Mas, talvez, outro elemento possa dar mais condições de analisar a falta de interesse sobre o plebiscito: os bastidores da sua concepção. Ele ocorreu, por exemplo, 104 anos após a instalação da República. O advogado e professor de Direito Constitucional e Eleitoral, Paulo Mascarenhas analisa a realização do plebiscito como o resultado das concessões que grupos progressistas na Assembleia Constituinte tiveram que fazer para aprovar determinadas medidas. Isso ocorria em negociações com os grupos conservadores. “A inclusão da exigência do plebiscito para decidir sobre monarquia e república foi resultado de uma articulação do que podemos definir como centro-direita com ligações a grupos monarquistas de São Paulo”, explica Mascarenhas.
Voz popular
O plebiscito é um tipo de consulta popular que está previsto no Artigo 14 da Constituição Federal. Ele é convocado quando o Congresso Nacional resolve ouvir a população antes da publicação de um ato legislativo ou administrativo. A outra forma é o referendo, que é realizado para aprovar ou não uma decisão que já foi estabelecida.
No caso do plebiscito de 1993, os brasileiros tiveram que decidir além da forma de governo, república ou monarquia, se gostariam de um sistema presidencialista, ou seja, o governo em que o presidente da República é chefe de estado e governo, ou parlamentarista, que é de representação com a condução do governo determinada pelo parlamento.
O Brasil, como Estado, já experimentou as duas formas de governo e os dois sistemas que foram apontados para escolha. O parlamentarismo, por exemplo, foi aplicado tanto na monarquia como na república. A última experiência republicana com esse sistema ocorreu de 1961 a 1962 e com características não muito democráticas.
“O parlamentarismo foi uma imposição de grupos militares que tentaram impedir a posse de João Goulart no contexto da crise política gerada pela renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Foi uma tentativa de golpe, mas João Goulart, o vice-presidente, e Tancredo Neves, escolhido primeiro-ministro, fizeram um acordo para que fosse realizada a consulta popular, posteriormente, como realmente ocorreu. Isso inclusive indispôs João Goulart e Leonel Brizola durante uns cinco anos. Brizola achava que João Goulart não deveria ter cedido”, acrescenta Paulo Mascarenhas.

Tancredo Neves (1910-1985) foi o pioneiro no posto de primeiro-ministro republicano de setembro de 1961 a julho de 1962. Ele foi sucedido pelo presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, que renunciou dois dias depois de ter seu nome aprovado em 3 de julho de 1962. O sucessor de Moura Andrade foi o gaúcho Francisco de Paulo Brochado da Rocha (1910-1962). Ele exerceu o posto de 10 de julho a 14 de setembro do mesmo ano e morreu 12 dias após a sua renúncia. O último primeiro-ministro da fase parlamentarista republicana brasileira foi o baiano Hermes Lima (1902-1978).
Natural de Livramento do Brumado, Hermes Lima foi jornalista, advogado e professor em faculdades de Direito. Hermes Lima acumulou o posto de primeiro-ministro para a condução do plesbicito realizado em 6 de janeiro de 1963 com o de ministro das Relações Exteriores.
Em 6 de janeiro de 1963, os brasileiros foram às urnas para responder se queriam a manutenção do parlamentarismo ou a volta do presidencialismo. Essa última opção foi a escolhida. Segundo texto publicado sobre a consulta no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), compareceram para votar 12 milhões do total de 18 milhões de eleitores registrados em 1963. O presidencialismo foi escolhido por 9,5 milhões dos votantes contra dois milhões que queriam o parlamentarismo.
Mobilização
O plebiscito de 1993 estava marcado para acontecer em 7 de setembro daquele ano, mas foi antecipado para 21 de abril. Não encontrei referências explícitas a isso, mas dá para perceber nas entrelinhas uma batalha entre a data mais próxima da monarquia e a republicana, ou seja, 7 de setembro lembra a independência que tem Dom Pedro I como protagonista. Já 21 de abril é o Dia de Tiradentes, o mártir da Inconfidência Mineira, um movimento de inspiração republicana.
No ano de realização do plesbicito, o Brasil tinha acabado de passar por mais uma prova de fogo depois da sua redemocratização: o impeachment de Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito de forma direta após 21 anos de ditadura militar. A mobilização estudantil foi protagonista dos protestos que levaram à renúncia de Collor, mas que não paralisou o processo de afastamento legal.
Além de assumir o governo após o afastamento do seu companheiro de chapa, com quem já estava rompido, Itamar Franco (1930-2011) poderia chegar ao dia 22 de abril sem o posto de presidente caso o parlamentarismo tivesse vencido na consulta sobre o sistema de governo. O então presidente inclusive, passou por muitos problemas para conseguir votar, assim como muitos brasileiros. Ele, inclusive, disse ter votado no parlamentarismo, ou seja, contra o próprio sistema que lhe deu o posto que ocupava.
“ltamar votou no parlamentarismo e república e deixou sua cédula cair logo que a recebeu. Enquanto o presidente depositava seu voto na urna, populares vaiavam do lado de fora, porque foram impedidos de entrar na seção eleitoral, onde o presidente votava. "Eu votei no parlamentarismo e gostaria que esse fosse o regime do País", disse Itamar. "Mas eu respeito a vontade do povo". (A TARDE, 22/4/1993, p.8).
As lideranças políticas brasileiras, em sua maioria, defenderam a república como forma de governo, mas se dividiram na defesa do parlamentarismo e do presidencialismo. Na campanha pelo primeiro o protagonismo foi do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB). Também ocorreram muitas queixas sobre a antecipação da campanha para escolha do novo presidente da República marcada para o ano seguinte.
“Interessante que a Constituição Federal de 1998 tem um viés parlamentarista, mas a campanha de defesa desse sistema foi muito malfeita. Até hoje a maioria das pessoas não têm muito claro o que faz um deputado federal ou estadual. Na campanha em andamento, por exemplo, tenho visto candidatos ao parlamento fazendo promessas que não podem cumprir porque o que prometem não está entre as atribuições de um parlamentar”, analisa Paulo Mascarenhas.
Se a monarquia fosse a forma escolhida também haveria problemas para definir quem iria se sentar no trono brasileiro recriado, afinal ele está extinto por conta da república. Dom Pedro de Alcântara, o filho mais velho da princesa Isabel, renunciou, em 1908, ao seu direito de sucessão para se casar com a condessa Maria Elizabeth Dobrzensky von Dobrzenicz. A nora era aristocrata, mas sem laços com dinastias europeias, o que no entender da princesa Isabel não correspondia às regras para consorte do sucessor do trono brasileiro. O direito à coroa passou então para Dom Luís Maria Felipe, irmão de Dom Pedro de Alcântara. Os descendentes de Dom Luís Maria Felipe formam o chamado Ramo de Vassouras.
Com a Proclamação da República, a família real foi banida do Brasil e só pôde voltar em 1930. Parte dos que voltaram formaram o Ramo de Petrópolis e ganharam maior influência. Estes são os descendentes diretos de Dom Pedro de Alcântara e a partir de 1940 passaram a contestar as bases da sucessão. Foi um representante desse ramo, Dom Pedro Gastão de Orleans e Bragança que fez a campanha da monarquia no plebiscito de 1993.
A forma republicana venceu com 66,28% da preferência popular contra 10,26% da monarquia. O presidencialismo foi a escolha de 55,41% dos eleitores contra 24,79% do parlamentarismo. De acordo com o site do TSE, dos pouco mais de 90 milhões aptos a votar compareceram às urnas 73,36% (66.209.385) e 551.043 eleitores votaram em trânsito.
Na Bahia a República recebeu 65,94% dos votos contra 8,47% da monarquia. O presidencialismo foi a escolha de 52,98% contra 25,54% dos que queriam o parlamentarismo. Apenas Botuporã, município situado a 750 quilômetros de Salvador, destoou dos resultados no sistema de governo. Lá o parlamentarismo venceu mesmo que por uma pequena margem o presidencialismo: 31 votos no total de 2.267 a 2.236.
Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em Antropologia
*A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período.
Fontes: Edições de A TARDE, Cedoc A TARDE