Campanha da Fraternidade promove luta contra o ódio | A TARDE
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Campanha da Fraternidade promove luta contra o ódio

Edição desse ano tem como tema a amizade social que busca incentivar o combate a várias formas de intolerância

Publicado sábado, 24 de fevereiro de 2024 às 06:00 h | Autor: Cleidiana Ramos
Diversas atividades costumam ser realizadas pelas instituições católicas para divulgar a Campanha da Fraternidade
Diversas atividades costumam ser realizadas pelas instituições católicas para divulgar a Campanha da Fraternidade -

Há 60 anos os bispos da Igreja Católica no Brasil oficializaram a Campanha da Fraternidade. Iniciada na Quaresma, a ação tem como objetivo incentivar a prática dos gestos concretos de penitência por meio de compromisso com uma causa social, especialmente as que envolvem pessoas em vulnerabilidade. Fraternidade e Amizade Social, que é um convite ao combate à intolerância, é o tema desse ano. As coleções de reportagens e fotografias do Cedoc A TARDE apresentam diversos registros das campanhas da fraternidade.

As questões relacionadas ao trabalho já foram temas de diferentes edições da Campanha da Fraternidade
As questões relacionadas ao trabalho já foram temas de diferentes edições da Campanha da Fraternidade |  Foto: Data: 17/03/1978 | Cedoc A TARDE

“Em caminhada desde o Largo do Tanque até a Basílica do Senhor do Bonfim, milhares de paroquianos do Zonal III de Salvador refletiram, ontem, sobre o tema da Campanha da Fraternidade desse ano- Educação e Fraternidade- procurando, através de faixas, cartazes e palavras de ordem, sensibilizar a opinião pública quanto ao problema da falta de escolas, a implantação do ensino pago, a influência dos meios de comunicação na educação e outros problemas ligados ao tema”. (A TARDE, 29/03/1982, p.3).

Em 1982, com o lema “A verdade vos libertará”, a Educação norteou a campanha. A CF, como também é conhecida, reúne diversas estratégias, como distribuição de cartilhas, celebrações especiais, dentre outras.

Diversas atividades costumam ser realizadas pelas instituições católicas para divulgar a Campanha da Fraternidade
Diversas atividades costumam ser realizadas pelas instituições católicas para divulgar a Campanha da Fraternidade |  Foto: Data: 07/03/1983 | Cedoc A TARDE

“A Campanha da Fraternidade sempre tem estratégias para fazer com que gestos concretos realmente aconteçam A Quaresma é o seu tempo forte, mas ela dura o ano inteiro até o início de uma nova”, diz Joice Santana, da coordenação colegiada da Cáritas Regional Nordeste 3.

Joice Santana explica que a campanha desse ano dialoga com a Carta Encíclica denominada Fratelli Tutti, do Papa Francisco que foi assinada em Assis na Itália. Assim, de certa forma, a campanha lembra o exemplo de São Francisco do Assis, que pregou a importância de viver a pobreza e, dessa forma, acolher todas as pessoas, além da comunhão com o meio físico. O objetivo da CF 2024 é combater todas as formas de violência por meio da interação inclusive com quem pensa diferente em todas os ambientes de relações sociais.

Campanha está ligada com as relações sociais
Campanha está ligada com as relações sociais |  Foto: Data: 29/03/1982 | Cedoc A TARDE

Começo no Nordeste

Em 1961, padres ligados à Cáritas, organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizaram uma campanha para angariar recursos destinados a ações de combate às desigualdades. No ano seguinte a ação chamada de Campanha da Fraternidade foi realizada em Natal, no Rio Grande do Norte. A iniciativa foi ganhando a adesão de mais dioceses até que se tornou uma ação oficial da Igreja Católica no Brasil em 1964.

A primeira Campanha da Fraternidade nacional teve como tema “Igreja e Renovação”. Dois anos antes havia começado o Concílio Ecumênico que ficou conhecido como Concílio Vaticano II. Os concílios são grandes reuniões dos bispos para debater questões que são cruciais para a Igreja. O Vaticano II chegou em meio a um período de grandes transformações especialmente no mundo ocidental, com pautas na área de comportamento e avanço científico, mas também de conflitos.

A década de 1960 foi o período da chamada Revolução Sexual, com a disseminação da pílula anticoncepcional, da Guerra Fria entre EUA e URSS, que incluiu o início de viagens espaciais como a chegada à Lua. Na América Latina foi um tempo recheado de golpes de estado para implantação de ditaduras militares, como no Brasil.

As questões relacionadas ao trabalho já foram temas de diferentes edições da Campanha da Fraternidade
As questões relacionadas ao trabalho já foram temas de diferentes edições da Campanha da Fraternidade |  Foto: Data: 25/2/1999 | Cedoc A TARDE

O Vaticano II promoveu mudanças na estrutura da Igreja Católica, especialmente na liturgia com destaque para a realização das missas em língua nacional, e não mais em latim, e de maior atuação dos leigos. Na América Latina, as conferências episcopais com destaque para a terceira edição, realizada em Puebla de Los Angeles, no México, levaram a Igreja Católica a firmar compromissos com uma atuação social mais explícita. A Conferência de Puebla ficou conhecida pela chamada “opção preferencial pelos pobres” que marcou a sua carta oficial.

Novos tempos

Também nesse período surgiu a Teologia do Cativeiro e da Libertação com a proeminência de teólogos como Gustavo Gutierrez e o brasileiro Leonardo Boff. No Brasil, as Comunidades Eclesiais de Base (Cebs) e movimentos como a Comissão Pastoral da Terra foram aproximando o catolicismo das lutas sociais em várias frentes.

A Campanha da Fraternidade reforçou o debate inclusive em questões que ainda começavam a ganhar projeção, como a do meio ambiente que foi o tema da edição de 1979. Saúde (1982), Fome (1985), Direito à terra (1986), Discriminação Racial (1988), Comunicação (1989) e equidade de gênero (1990) foram alguns dos temas cruciais para abrir debates importantes no âmbito das instituições católicas. Geralmente, as campanhas da fraternidade resultam na criação de pastorais que são unidades destinadas a atender um segmento populacional, como crianças, idosos, povo de rua, ou área específica- educação, saúde, dentre outras.

Diante do crescimento dos discursos de ódio, a CNBB este ano decidiu investir em uma ação voltada para a necessidade de lembrar que é possível construir laços em meio às diferenças. As campanhas da fraternidade já exercitam, a cada cinco anos, uma experiência de diálogo ecumênico, ou seja, aquele que reúne outras denominações cristãs.

A primeira edição da Campanha da Fraternidade Ecumênica ocorreu em 2000. A última edição foi em 2021 quando se discutiu o tema “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”. As edições ecumênicas são realizadas pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) que reúne, além da Igreja Católica, as seguintes denominações: Igreja Episcopal Anglicana (Comunhão Anglicana), Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), Igreja Presbiteriana Unida (IPU) e Aliança de Batistas do Brasil.

Há seis décadas a Campanha da Fraternidade vem contribuindo para tornar o período de penitência católica ainda mais rico. Destinado ao arrependimento e compromisso de deixar de lado o que é considerado pecado, inclusive o tido como social, esse período, com a presença da CF, tem se tornando uma ação que não esgota na relação pessoal com o sagrado, mas aponta para uma proposta de fazer a transformação de uma trajetória de vida em direção aos outros. Essa é a base de um dos ensinamentos fundamentais do cristianismo, ou seja, amar o próximo mesmo que ele seja considerado inimigo ou diferente. Trata-se de fazer de um ato religioso não apenas a ligação com a sua fé, mas gesto concreto no mundo em que se vive.

Confira reportagens de A TARDE sobre o tema:

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Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia

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