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A Tarde Memória

Por Cleidiana Ramos

ACERVO DA COLUNA
Publicado sábado, 10 de fevereiro de 2024 às 6:00 h | Autor:

Carnaval é o marco zero da roda festiva da Bahia

Celebração se constitui em ponto importante no calendário do Estado

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O Carnaval é o marco zero da roda do ano festiva
O Carnaval é o marco zero da roda do ano festiva -

Uma máxima comum em Salvador é a de que um novo ano só começa na segunda-feira após o fim da Carnaval. Como a quase totalidade das nossas percepções simbólicas, o que parece uma brincadeira tem base pragmática. Com a festa desenvolvendo um papel central para várias das atividades econômicas de Salvador, o Carnaval pode ser considerado o marco zero de uma roda do ano festiva. É a partir dele que se encerra um ciclo, o de verão, e se inicia o outro que será seguido por tempos festivos muito fortes, como o conjunto Quarema, Semana Santa e Páscoa e as celebrações juninas. A partir das coleções de reportagens e fotografias de A TARDE é possível visualizar essas linhas do tempo, inclusive em conteúdos especializados.

Em 2003 por exemplo, A TARDE apresentou como resultado de uma reforma editorial então em curso a seção especializada nas mudanças das rotinas da cidade a partir da chegada do verão. O conteúdo especial foi lançado em 15 de janeiro daquele ano, véspera da Lavagem do Bonfim.

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“A TARDE estréia hoje um serviço especial voltado para os acontecimentos do verão. Praias, festas, dicas de saúde e personagens locais ocuparão páginas diárias do primeiro caderno. Na primeira edição, tudo sobre a tradicional Lavagem do Bonfim. O que é preciso para encarar os 8 km de caminhada debaixo de um sol forte de quase 40 graus? Roupas leves, sapato apropriado e muita hidratação já ajudam na saída. E, enquanto mail de mil pessoas divertem-se, um pelotão de servidores públicos, barraqueiros e ambulantes trabalha para garantir a estrutura. Saiba como vai funcionar segurança, atendimento médico e trânsito. Conheça gente como Vera Lúcia dos Santos, a dona Vera, ambulante que pouco curte o lado lúdico das festas. Da Conceição ao Carnaval, ela só trabalha. Prepare a roupa branca, que vai rolar a festa. Epa babá, epa ô”. (A TARDE 15/1/2003, capa).

A seção especializada no verão e tudo que estava relacionado às mudanças na cidade por conta dele, ou seja, festas e serviços, prosseguiu até a semana em que começou o Carnaval. Na edição de 21 de fevereiro de 2003, a coluna Tabuleiro, anunciou a contagem regressiva para o início da festa.

O Carnaval é, dessa forma, o início de um novo ciclo, ou seja, a despedida do verão, que é considerado crucial para segmentos econômicos, como o turismo e entretenimento. Tanto que um conjunto de festas de largo foram reunidas em um calendário de aquecimento para chegar a ele. O ciclo iniciado com a Festa de São Nicodemus, padroeiro dos portuários, em novembro, é encerrado com a Festa de Itapuã, na quinta-feira anterior ao início do Carnaval. Esse ano por conta da data fixa para a Festa de Iemanjá e com o Carnaval já no início de fevereiro, ela acabou sendo a penúltima.

Convenções

O calendário simbólico sobreposto ao civil é uma característica forte de uma cidade como Salvador que depende do discurso sobre os seus muitos patrimônios. A construção da identidade festiva da cidade é resultado das medidas de diversos agentes não sendo possível precisar a época em que começou. Esse discurso tem a capacidade de gerar negócios nesse campo lúdico e é resultado de muito trabalho nas mais variadas áreas, pois requer conhecimento especializado em campos como administração, economia, produção cultural, dentre outros.

O tempo da rotina necessita negociar com o da festa. Isso se torna possível porque o passar das horas ou do dia é uma convenção coletiva. A nossa relação com o tempo embora tenha percepção sensorial necessita de pragmatismo, mas também tem espaço para a religião e a magia, essa entendida como imposição de questões que desafiam a lógica.

Ciclos

Uma das características fortes das festas é a de marcador temporal indicando ritos de passagem, como as estações do ano ou a necessidade de se conectar a uma intervenção do sagrado por meio de uma devoção continuada a um santo em agradecimento por uma graça coletiva ou individual. São Francisco Xavier se tornou padroeiro de Salvador, por exemplo, pela crença de que foi o mediador para que uma epidemia na cidade fosse contida. Já a devoção ao Nosso Senhor do Bonfim resultou da construção de uma igreja pelo capitão Teodósio Rodrigues de Farias em agradecimento por ter escapado de um naufrágio.

O tempo, especialmente o relacionado às práticas religiosas, é uma mistura da percepção individual com práticas coletivas e varia em relação às culturas. O calendário precisa de uma organização racional, mas abre as exceções. No dia da Festa de Iemanjá, por exemplo, não é feriado, mas empreendimentos comerciais e de serviços, repartições públicas e outros negócios não funcionam, mesmo que alguns estejam longe do endereço da celebração, porque ocorrem mudanças no sistema de transporte, nas vias de trânsito e é necessária a mobilização de órgãos da prefeitura e do estado para garantir a organização do evento. O mesmo ocorre no dia da Lavagem do Bonfim ou de Santa Bárbara. Já o Carnaval modifica de forma mais intensa o cotidiano da cidade, afinal em Salvador dura uma semana, pois é considerado a maior e mais forte festa.

“A antropologia evidencia, desde sua constituição como disciplina, que festas, notadamente religiosas, marcam os tempos fortes, os momentos culminantes, as alternâncias de ritmo e de intensidade da vida coletiva, a periodicidade das passagens. Pautam, ainda, as formas de agregação e de solidariedade coletiva e indicam as emoções e as paixões comuns”. (Festa, religião e cidade- Corpo e alma do Brasil, Léa Perez, p.26).

O Carnaval é o marco zero da roda do ano festiva
O Carnaval é o marco zero da roda do ano festiva | Foto: Data: 10/02/1980 | Cedoc A TARDE

Esse tempo festivo necessita de uma organização básica e de repetição com um tempo inicial, as variáveis e seu encerramento. O Carnaval se encaixa de tal forma como marcador temporal que A TARDE passou a promover um conteúdo preparatório, como a Editoria de Verão em 2003, que em anos posteriores começou a ser veiculado em dezembro. Na semana do início da folia, a seção de Verão era substituída pela de Carnaval. Já a edição da Quarta-Feira de Cinzas sempre era considerada digna de tratamento e estratégias internas especiais para garantir a sua preparação, pois aumentava de forma considerável o número de páginas do jornal por conta das informações do final da festa, análises e a sinalização de que aquele período terminou, como foi destacado na capa da edição de 5 de março de 2003:

“Tô indo, tô indo...A dançarina do Ilê Aiyê passa saudando a vida e os foliões. O Carnaval dura até a manhã de hoje”. (A TARDE, 5/3/2003, capa).

O Carnaval em Salvador se expande ainda pela manhã da Quarta-feira de Cinzas, o que é mais uma ligação da sua transição como calendário. E, diferentemente do que muita gente pensa há traços religiosos para a definição dos dias em que ele vai ocorrer.

Data móvel, o Carnaval é comemorado no Brasil, anualmente, em um terça-feira. Para chegar a ela, o princípio é a Páscoa dos católicos. Como essa é a mais importante festa do ano litúrgico do catolicismo- afinal a crença na ressureição de Jesus é a base não apenas dessa religião, mas de todas as denominações cristãs- existe um tempo de preparação de 40 dias para ela que se chama Quaresma. A abertura desse período usado, sobretudo, para reflexão e penitência como uma forma de purificação para celebrar a Páscoa, é na Quarta-feira de Cinzas, ou seja, o dia após a terça de Carnaval.

Para se estabelecer esse início da Quaresma conta-se, portanto, os quarenta dias anteriores à Páscoa que tem a mesma data da festa de mesmo nome no judaísmo, pois Jesus morreu na sexta-feira anterior ao sábado em que ocorria essa celebração. Além disso, o Carnaval dialoga com ritos da cultura greco-romana que celebravam Baco e Dionísio e marcavam períodos muito especiais como as colheitas e invocação da fartura.

Em Salvador é só após o Carnaval que as atividades ganham o que podemos chamar de uma normalidade total. Tudo até então é em ritmo mais lento, pois se sabe que o feriado é longo. Com o ciclo da Quaresma, seguido pela Semana Santa e Páscoa a economia é movimentada especialmente a das feiras e mercados devido ao consumo de peixes e outros pratos à base de azeite de dendê. Em junho a festa começa já no dia 1º, com as trezenas para Santo Antônio, celebrado dia 13, e segue até o fim do mês, pois tem São João (23 e 24) e São Pedro e São Paulo (28 e 29).

No mês seguinte é tempo das festas relacionadas à Independência da Bahia. Agosto é um mês dedicado ao afro catolicismo nas devoções a São Roque e divindades das religiões afro-brasileiras especialistas na cura de doenças infecciosas e de pele, como Kavungo, Azoany e Omolu. Setembro é o mês das homenagens a São Cosme e São Damião e às divindades que são crianças no candomblé, umbanda e outras tradições de matrizes africanas. Em novembro tem o ciclo de verão com a nova preparação para o Carnaval fazendo girar a roda festiva.

Confira as páginas de A TARDE:

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Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia

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