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A Tarde Memória

Por Cleidiana Ramos

ACERVO DA COLUNA
Publicado sábado, 08 de julho de 2023 às 6:15 h | Autor:

Ceao se aproxima dos 65 anos lutando para retomar protagonismo

Instituição ganha nova gestão com a nomeação da professora Jamile Borges

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O primeiro Encontro de Nações de Candomblé, que aconteceu em 1981, foi realizado no Ceao
O primeiro Encontro de Nações de Candomblé, que aconteceu em 1981, foi realizado no Ceao -

No próximo ano, o Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (Ceao- Ufba) vai completar 65 anos. Criado para aproximar a Bahia de nações africanas e orientais, como a China, o Japão, dentre outras, o órgão tem uma trajetória de unir pesquisa e extensão, especialmente por meio de cursos de línguas como iorubá e mandarim. Com a instalação do Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos (Pós Afro), há 18 anos, que oferece cursos de mestrado e doutorado vinculados à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH), estrutura à qual o Ceao é ligado, a característica de ensino foi incorporada. No último dia 3, a professora Jamile Borges tomou posse como coordenadora tornando-se a terceira mulher a dirigir a instituição e em um formato inédito de escolha: uma decisão colegiada de professores, estudantes e representação da sociedade civil. Dessa forma, uma nova fase se abre para o Ceao que tem parte da sua rica trajetória registrada em coleções de edições e fotografias do Cedoc A TARDE, como uma imagem de 1961 que mostra o primeiro grupo de estudantes africanos em intercâmbio na instituição.

“O Ceao é o mais antigo centro dedicado aos estudos e relações entre Brasil, África e oriente. No ano que vem vamos celebrar os 65 anos dessa instituição, o que é uma efeméride importante para um órgão que tem sido protagonista na retomada de relações entre o Brasil e o continente africano”, avalia Jamile Borges, professora da Ufba e doutora em Estudos Étnicos e Africanos. As outras mulheres que dirigiram o Ceao foram as professoras Yeda Pessoa de Castro e Paula Barreto.

O Ceao foi fundado em 1959 em um momento em que a Bahia estava mais uma vez no centro de atenções como um polo para os estudos sobre relações raciais e, portanto, uma região fundamental para estabelecer pontes com o continente africano. A idealização do Ceao teve como protagonista o filósofo, poeta e ensaísta português Agostinho da Silva (1906-1994). Refugiado no Brasil por conta do governo ditatorial de Antonio de Oliveira Salazar em Portugal, Agostinho da Silva deixou um importante legado cultural e científico e foi o primeiro diretor do Ceao em um momento em que o continente africano iniciava as suas guerras contra o persistente colonialismo.

Conexões

O órgão complementar da Ufba, além de recepcionar pesquisadores estrangeiros, também passou a enviar professores brasileiros para outros países. Na edição de 3 de abril de 1970, A TARDE noticiou que o professor Rolf Reichari vinculado ao Ceao estava realizando conferências na Universidade de Granada, Espanha. O tema era os movimentos de libertação nacional do mundo árabe, o que dá uma dimensão da abrangência não apenas científica, mas também política da instituição.

No atual contexto político, possivelmente, o programa adotado pelo professor iria gerar uma série de controvérsias e debates em torno da política diplomática brasileira. O programa de conferências de Reichari estava em choque, no período, com os interesses das grandes potências geopolíticas ocidentais, o que dá uma medida da ousadia do Ceao e como suas ações iam além das relações com o continente africano.

“O ciclo de conferências está obedecendo ao seguinte programa: Os Sentimentos do Nacionalismo Árabe no século XIX: Beirute e Cairo; A Rebelião contra os Otomanos durante a Primeira Guerra Mundial; A Independência dos Países Orientais: Iraque, Síria e Líbano; A Libertação do Domínio Inglês no Egito. Nasser e sua Política; A Libertação do Domínio Francês no Magreb; O Istiolal do Marrocos; O Neo-Destur da Tunísia; a Frente de Libertação Nacional na Argélia; A Colisão dos Nacionalismos Árabes e Sionista na Palestina; A Guerrilha dos Palestinos e, finalmente, A Intromissão das Grandes Potências e o Fracasso da ONU no Oriente Médio (1947-1969”. (A TARDE, 3/4/1970, p.2).

No campo da extensão, ainda no ano da sua fundação, em 1959, o Ceao ofereceu desde um curso de russo ministrado pelo professor Dimitri Belov e noticiado na edição de A TARDE de 31 de dezembro daquele ano com chamada para 12 vagas e a exibição de um filme hindu.

“Por empréstimo da Embaixada da índia, exibir-se-á em Salvador um filme documentário sobre dança hindu. A exibição será feita na Escola de Teatro, no próximo domingo 22, pelas 18 horas, integrada no conjunto de atividades cinematográficas desenvolvidas por aquela Escola e sob os auspícios da Reitoria da Universidade (Centro de Estudos Afro-Qrientals). A entrada será franca, não havendo convites especiais”. (A TARDE, 18/11/1959, p.2).

A TARDE registrou eventos e notícias do Ceao
A TARDE registrou eventos e notícias do Ceao | Foto: Cedoc | A TARDE

Referência

Em 1965, o Ceao lançou a revista Afro-Ásia, como um recurso para a divulgação da pesquisa acadêmica. O periódico é atualmente uma referência internacional, com alto conceito no ranking da Capes. A revista foi publicada regularmente até 1970 e sofreu uma interrupção com retomada 25 anos depois e alinhada ao Programa de Pós-Graduação em História com o reforço do Pós Afro criado em 2005.

A Afro-Ásia é especializada em temas africanos e da sua diáspora, além de questões alinhadas aos estudos asiáticos, com foco na área de ciências humanas, como antropologia, história, sociologia, além de estudos literários e culturais. O conselho editorial tem a participação de pesquisadoras e pesquisadores de 16 países.

“A Afro-Ásia é uma revista conceituada, com altos índices de consulta em universidades estrangeiras que dialogam especialmente com as questões de relações raciais, tráfico transatlântico e outros temas semelhantes. Ela tem sido um pilar de sustentação do Ceao”, explica Jamile Borges.

Outra referência da instituição é a biblioteca. O Ceao tem uma das mais completas coleções bibliográficas, além de dissertações e teses sobre os temas étnicos e africanos. Atualmente está em andamento a instalação do Instituto Confúcio em uma intensificação de relações com a China. É este o protagonismo que será necessário resgatar e sedimentar segundo a sua nova gestora. “O Ceao passou por momentos complicados por diversos fatores, mas chegamos nessa fase em que será possível recuperar esse protagonismo. É um dos meus desafios e compromissos”, destaca a professora Jamile Borges.

Na instituição foram realizados grandes eventos como a Fábrica de Ideias, uma atividade científica que reuniu pesquisadores de vários países. Também no Ceao pesquisas importantes foram desenvolvidas como o Mapeamento dos Terreiros de Salvador, coordenado pelo professor Jocélio Teles dos Santos, que foi diretor da instituição, em parceria com a Secretaria Municipal da Reparação (Semur) em 2007. O estudo relacionou mais de mil terreiros na capital baiana e foi tema de uma série de reportagens de A TARDE.

Movimentos

Além das atividades acadêmicas, o Ceao sempre foi reconhecido como um local de abrigo para as lutas contra o racismo, inclusive religioso. Sede de diversos eventos importantes, como o Encontro de Nações de Candomblé, articulações contra o trabalho infantil, combate à intolerância religiosa, lançamento de livros, exposições, dentre outras ações, a instituição tem contribuído para aproximar a Ufba de representações organizadas da sociedade civil.

“Eu estou assumindo o desafio de tentar reposicionar o Ceao em um espaço que pode voltar a acolher a circulação de lideranças das casas de santo e de outras lideranças desse chamado sul global. Esse diálogo também com as instituições de memória vai nos ajudar a voltar a ter esse protagonismo de estabelecer pontes como já aconteceu”, diz Jamile Borges.

Essa condição de ligação entre culturas que se relacionaram e continuam a ter uma conexão profunda foi o destaque da reportagem veiculada na edição de 25 de setembro de 1989 na capa do Caderno 2 de A TARDE que o denominou como ponte entre o Brasil e a África. O texto celebrava os 30 anos da instituição que tinha naquele momento como diretora a primeira mulher no posto: Yeda Pessoa de Castro. Esta é mais uma coincidência às vésperas da comemoração dos 65 anos com a gestão da professora Jamile Borges, o que pode ser um indício da retomada de fato do protagonismo que a instituição merece.

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