Festa de Santa Luzia faz pausa no calendário das festas de verão
Retorno do calendário vai acontecer com as comemorações para Bom Jesus dos Navegantes

Com a celebração para Santa Luzia, no próximo dia 13, o ciclo das festas de verão em Salvador terá uma pausa. A retomada será com as homenagens a Bom Jesus dos Navegantes nos dias 31 de dezembro e 1º de janeiro. O calendário que incorpora um conjunto de comemorações de base afrocatólica por conta do diálogo constante entre catolicismo e religiões afro-brasileiras, iniciado com São Nicodemus, padroeiro dos portuários, e encerrado com a Festa de Itapuã, é um aquecimento para o Carnaval. Na análise que realizei sobre essas celebrações e que resultaram na tese Festa de Verão em Salvador- um estudo antropológico a partir do acervo documental do jornal A TARDE, orientada pela professora Fátima Tavares, a Festa de Santa Luzia tem dois elementos que se destacam: a procissão e o uso pelos devotos das águas de uma fonte que fica no interior da igreja e são consideradas um remédio eficaz contra problemas de visão.
Mesmo com a visibilidade diminuída em relação a outros períodos quando a festa se espalhava pelo entorno da Igreja de Nossa Senhora do Pilar e Santa Luzia, no Comércio, ela ainda tem força. Há 11 anos, as missas puderam voltar a acontecer no interior do templo após décadas ocorrendo na área externa e até na sacristia por conta da deterioração do imóvel que é do século XVIII.

A igreja foi construída, a partir de 1756, por iniciativa da Irmandade do Pilar ligada à comunidade espanhola de Salvador. O Pilar fica na região do Comércio, o bairro que durante séculos foi o principal endereço dos negócios da capital baiana com firmas exportadoras e os trapiches, que eram o ponto de apoio para as operações em torno do porto.
O templo tem um conjunto arquitetônico imponente e inclui um cemitério, além de uma fonte próxima a paredes rochosas. Foi esse elemento que atraiu o culto a Santa Luzia, pois as águas são consideradas ideais para tratar os problemas da visão.

No dia da festa, devotos passam cercam de 1h30 à espera da sua vez para recolher a água que vai servir de remédio. Mesmo com a diminuição da visibilidade da festa, as filas são longas durante o dia 13, especialmente no período da manhã.

Na coleção de fotografias sobre a Festa de Santa Luzia que pertencem ao acervo do Cedoc A TARDE, as imagens de devotos em busca da água da fonte se sobressaem ao lado de outro elemento da festa: a procissão. São 103 registros imagéticos em que predominam esses dois aspectos da comemoração.

Geralmente realizada após a missa do meio da manhã, a procissão percorre as principais ruas do Comércio com uma parada na Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia. Com a saída das empresas de negócios da região do Comércio, o bairro tem passado por um processo de deterioração dos seus imóveis, especialmente os trapiches.

Fé
A devoção a Santa Luzia é uma das mais antigas e populares da Igreja Católica. A elaboração de uma narrativa sobre o seu martírio, por exemplo, tem o século V apontado como período de composição. Em 1849 foi encontrado um túmulo com inscrições que o atribuíam a ela em catacumbas localizadas em Siracusa, Itália.
Segundo a versão mais conhecida, Luzia era conhecida pela beleza e nasceu em uma família rica. Ao se converter ao cristianismo decidiu se manter casta. Prometida em casamento a um jovem da sua cidade, pediu o adiamento do casamento até que a mãe, viúva, ficasse curada de uma grave doença.
Para alcançar essa graça, Luzia levou a mãe em peregrinação à tumba de Santa Agueda, uma outra mártir do período. Com a cura ela concordou que a filha mantivesse seu voto de castidade e distribuísse o dinheiro reservado para o dote aos pobres. Contrariado, o noivo denunciou Luzia às autoridades que perseguiam os cristãos. Com a denúncia, começou o seu martírio.
O primeiro castigo foi a decisão de levá-la para um prostíbulo, mas o seu corpo se tornou tão pesado que dezenas de homens não conseguiram carregá-lo. Em seguida ela começou a ser torturada. Arrancaram os seus olhos, mas conta-se que ela continuou a enxergar. Por fim foi degolada.
A iconografia mais difundida mostra Santa Luzia segurando um prato onde estão os seus olhos. Em Salvador, na aproximação entre catolicismo e religiões afro-brasileiras, Santa Luzia é associada a Oxum, mas em uma versão específica: Oxum Apará. Essa é uma definição do orixá que rege as águas doces como jovem e guerreira. No dia da festa é comum encontrar muitos devotos vestidos de vermelho e amarelo, cores que são identificadas com Oxum Apará.
Além da pausa no ciclo de verão há também um deslocamento das celebrações para a Cidade Baixa. Na homenagem a Bom Jesus dos Navegantes a procissão do embarque da imagem ocorre na Boa Viagem, no dia 31, para onde retorna no dia 1º. Assim a região vai receber as festas seguintes apontando o quando estas celebrações têm várias nuances, como contar as histórias das dinâmicas de ocupação do espaço público de Salvador.
Confira as páginas de A TARDE sobre a Festa:
SERVIÇO
Confira a coleção de imagens do Cedoc A TARDE sobre a Festa de Santa Luzia e outras celebrações de verão no site Espelho de Festa. (https://espelhodefesta.atarde.com.br/). Veja os minidocs sobre as festas no REC A TARDE.
Programação da Festa de Santa Luzia, dia 13, na Igreja de Nossa Senhora do Pilar e Santa Luzia, Comércio - Missas às 6, 8, 10, 15 e 17 horas. A procissão vai sair após a missa das 10 horas.
Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia