Há 50 anos, A TARDE revolucionou o jeito de fazer jornal na Bahia
Fundado em 1912, o periódico inaugurou a nova sede na Av. Tancredo Neves junto com o parque gráfico com sistema offset, em 01 de março de 1975

“Esta é a derradeira edição impressa pelo processo tipográfico tradicional e no seu edifício da Praça Castro Alves. A partir de amanhã, A TARDE circula em offset e editada em nova sede [...] Nesta casa, de que hoje se transfere, permaneceu o nosso jornal por 45 anos, durante os quais passou por várias transformações”. Na capa da edição de 28 de fevereiro de 1975, o aviso e a despedida. A partir do dia seguinte, 01 de março, o jornal A TARDE funcionaria na Avenida Tancredo Neves, onde inaugurou o parque gráfico que, há exatos 50 anos, representou um salto no desenvolvimento da imprensa baiana, no contexto do crescimento e modernização de Salvador.
A cidade tinha 20 mil casas e 100 mil habitantes quando o então vespertino foi fundado, em 15 de outubro de 1912. Seis décadas depois, cinco vezes mais gente morava por aqui - um milhão de habitantes - e a capital contava com pouco mais de 197 mil imóveis. Os dados demográficos aparecem justamente na edição comemorativa de 01 de março de 1975, meses antes do jornal completar 63 anos.
Recheada de reportagens que davam conta do desenvolvimento de Salvador entre 1912 e 1975, a edição especial, preservada no Cedoc - Centro de Documentação de A TARDE, permite ter uma ideia do quanto a cidade evoluiu, como os costumes da população mudaram no rastro do progresso e de que forma o desenho urbano foi alterado. Além de registrar um momento chave para o jornalismo, essa edição especial preserva também a memória histórica de um período em que tanto Salvador quanto a Bahia mudaram radicalmente.

A nova sede de A TARDE começou a ser construída em 1974 e em maio daquele ano as obras seguiam aceleradas. O projeto do prédio, do arquiteto Emmanuel Berberi, foi executado pela Companhia Construtora Civil e Industrial da Bahia, sob a supervisão do engenheiro Eduardo Valente. Mas, a transição da Praça Castro Alves para a Tancredo Neves não foi tão radical, da mesma forma que a transferência do setor financeiro de Salvador do Centro antigo para a região da nova avenida ocorreu gradativamente.
Na praça do poeta, um escritório foi montado para facilitar a vida dos anunciantes e da população que buscava publicar seus serviços e ofertas no caderno Populares. A unidade ficou responsável, ainda, por distribuir o jornal entre as bancas do Centro.
Estratégia
A mudança de endereço ocorreu justamente para que o jornal pudesse investir na tecnologia que mudou a tipografia tradicional para o offset. “Quando os principais acionistas e dirigentes de A TARDE decidiram promover os meios necessários à sua modernização, objetivaram, não só atender as necessidades ditadas pelo natural desenvolvimento do empreendimento, mas, principalmente, apresentar ao seu público um jornal elaborado de acordo com os mais modernos requisitos editoriais-gráficos”, diz trecho de uma das reportagens do caderno especial de 01 de março.
O terreno foi escolhido e o prédio, continua o texto, planejado tanto por conta da localização, já que desde o começo dos anos 1970 essa região estava em franco crescimento, quanto levando em conta o funcionamento de serviços, máquinas e equipamentos para atender as especificidades técnicas de produção e distribuição do jornal, contemplando todo o fluxo operacional. O fato da sede estar próxima da rodoviária da cidade também era um facilitador na distribuição.
Ao mesmo tempo, a chegada de A TARDE para a Tancredo Neves foi um dos vetores que impulsionou o desenvolvimento da avenida e da cadeia de empresas voltadas para o setor gráfico; além dos serviços para atender aos trabalhadores que circulavam em maior quantidade na região em expansão.

O terreno onde a sede de A TARDE foi erguida, com 12.000 m2, sendo, na época, 3.000 m2 de área construída, garantia espaço para as futuras ampliações do complexo, que ocorreram ao longo dos 50 anos em que o jornal se mantém funcionando na Rua Milton Cayres de Brito, transversal que liga a Tancredo Neves ao Caminho das Árvores.
O prédio original de dois andares, que ainda hoje exibe a fachada e o letreiro com o nome do jornal, foi dividido para abrigar, no primeiro piso, a redação e a central de comunicações. Antes do advento da internet, a central era equipada com aparelhos de teletipo, telex, radiofoto e telefoto. No primeiro andar ficavam também os departamentos de publicidade, financeiro e de pessoal; a diretoria e um auditório.
No térreo funcionavam os setores industrial, a circulação, almoxarifado, depósito de materiais, refeitório e ambulatório médico. “Técnicas e processos de segurança industrial foram observados com o objetivo de reduzir riscos naturais e na prevenção de acidentes, utilizando-se portas corta-fogo e postos de prevenção de incêndio”, enumera a edição do dia 01 de março. Uma central telefônica do tipo PABX, com 40 ramais internos e cinco linhas externas, completavam a infraestrutura.
Na era do offset
O offset foi criado na França, entre as décadas de 1860 e 1880, com a impressão tipográfica feita a partir da transposição da imagem de folhas de flandre para a borracha e desta para o papel. Em 1904, no começo do século XX, o método foi aperfeiçoado nos Estados Unidos e jornais em todo o mundo o adotavam, como o New York Times (EUA), Times (GBR), Pravda (URSS), Le Figaro (FRA) e Corriere dela Sera (ITA).
Esse sistema é caracterizado pelo uso de três cilindros principais na impressora. O primeiro suporta a chapa metálica - de zinco ou alumínio quando A TARDE adotou o modelo - encurvada e com os caracteres e imagens, em positivo, previamente gravados. A chapa metálica, umedecida por rolos de água e tinta, transporta a imagem para o segundo cilindro, de borracha, que a imprime no papel.
As rotativas adotadas por A TARDE 50 anos atrás eram da marca Goss e modelo Urbanite, vindas dos Estados Unidos. Eram quatro unidades impressoras preto e branco, uma colorida, uma dobradeira e dois porta bobinas [de papel] com capacidade para 10 unidades. O conjunto impressor possuía distribuições automáticas de tinta e água e a capacidade de imprimir tiragens de 45 mil exemplares por hora.
Inauguração
A festa de inauguração da sede na Tancredo Neves foi descrita em detalhes na edição de 03 de março de 1975, a segunda-feira após o evento, que aconteceu no sábado, 01. O cardeal e então arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, Dom Avelar Brandão Villela, celebrou missa e benzeu o maquinário antes das rotativas serem ligadas diante de dezenas de convidados, já que o evento ocorreu no setor industrial. "A TARDE tem história na imprensa baiana e brasileira", afirmou o arcebispo, durante a cerimônia.
Após a missa e o ato inaugural, os convidados visitaram as instalações do prédio e receberam explicações sobre os equipamentos e a impressão em offset, que era uma novidade na cidade. O último caderno da edição inaugural, que circulou com 60 páginas, foi impresso diante dos visitantes, que, segundo descreve o repórter escalado para cobrir o evento, “postaram-se junto do conjunto offset, ansiosos pelos primeiros exemplares”, que saíam quentinhos e com a tinta fresca das máquinas.
Na edição comemorativa, diversas marcas e empresas publicaram anúncios parabenizando A TARDE pela nova sede e, principalmente, pela adoção da tecnologia de ponta. A Kodak, por exemplo, dizia no seu anúncio: “A partir de hoje, muitos leitores deste jornal vão achar que estão enxergando melhor. E estão. É que A TARDE começou a ser impressa em offset, que é um processo mais moderno, mais limpo e mais nítido”.
Já a publicidade das Óticas Ernesto brincou com a acuidade visual dos leitores: “Anúncio pra quem não viu diferença entre A TARDE de ontem e de hoje. Esta edição foi impressa em offset. Um moderno processo de impressão gráfica. Se você não viu a diferença, procure um oculista”.
*Colaboraram Priscila Dórea e Tallita Lopes
*Os trechos retirados das edições históricas de A TARDE respeitam a grafia da época
*Material elaborado com base em edições de A TARDE e acervo do CEDOC/A TARDE