Instituto Feminino guarda relíquias que preservam a cultura e história baianas
Fundado em 1923 para ser uma escola de capacitação profissional para mulheres, espaço abriga coleções de arte, biblioteca, auditório e uma capela
A história do Instituto Feminino da Bahia começa com uma perda, que se transforma em uma missão de vida dedicada à educação e autonomia das mulheres, no começo do século XX. Com o passar das décadas, o que era uma escola, transformou-se em museu e centro cultural. O prédio centenário, localizado no Politeama, até hoje é um guardião da história baiana, a partir dos seus três acervos permanentes: um sobre arte popular, um de arte decorativa oitocentista e outro dedicado à moda.
O instituto, hoje chamado Fundação Instituto Feminino da Bahia, foi criado em 1923 por Henriqueta Martins Catharino e o monsenhor Flaviano Osório Pimentel. A sugestão de construir o espaço foi feita pelo religioso para a jovem que tinha acabado de perder o noivo, morto às vésperas do casamento. “Monsenhor Flaviano, percebendo a tristeza que ela estava passando naquele momento, e ela já havia dado algumas pistas sobre o que queria fazer da vida, a conduziu para esse caminho de ajudar outras pessoas e ter um objetivo maior”, conta Cheryl Braga, museóloga da instituição.
Filha de uma família abastada, Henriqueta pediu ao pai que adiantasse sua herança para que ela pudesse construir o colégio para moças. No começo, eram mais ou menos 400 alunas, muitas eram jovens de baixa renda. Para garantir recursos nos primeiros anos de funcionamento da entidade, ela vendeu suas joias. Depois, criou um restaurante aberto ao público, para angariar dinheiro e sustentar os cursos e as bolsas de estudos que concedia a quem não tinha recursos próprios.
O museu, por sua vez, nasceu a partir das viagens que fazia com a família, quando aproveitava para comprar peças. Também, ao longo dos anos, recebeu doações dos próprios familiares e de outras pessoas. Até hoje, segundo Cheryl Braga, as doações de objetos de arte são aceitas, já que a casa tem um acervo aberto e em constante expansão. “Recebemos doações dentro de uma curadoria de peças que dialogam com o acervo”, acrescenta.
Três em um
O museu do Instituto pode ser dividido em três museus dentro de um só espaço, com suas respectivas coleções individuais. O Museu Henriqueta Catharino tem como destaque a arte decorativa, com mobiliário, cristais, prataria, porcelanas, quadros e esculturas; além de outras peças de decoração do século XIX e do começo do século XX. Nele, também estão a mobília e os objetos pessoais que pertenceram à fundadora. Henriqueta morava em um dos andares do próprio instituto.
O museu do Traje e Têxtil é o mais famoso dos três, pois atrai pesquisadores de moda de diversos locais e guarda relíquias como o vestido e o manto que a princesa Isabel usou no ato de assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, doados por descendentes da antiga família real. No acervo também há a veste sacerdotal usada pelo Papa João Paulo II quando visitou a Bahia pela primeira vez, nos anos 1980.
Nessa coleção, a sala das noivas, com vestidos de diversas épocas diferentes, é um dos xodós da museóloga Cheryl Braga. “Eu sou muito ligada à parte das noivas, dos vestidos de noiva, fico muito encantada com eles, que são vestidos antigos e muito bonitos”, afirma. Ela conta que até já perdeu noites em claro, pensando em como iria montar esse ambiente da sala das noivas e outros espaços do museu, depois que todo o prédio passou por uma reforma completa, estrutural, elétrica e hidráulica, no ano do centenário, em 2023.
“Nós montamos diversos espaços e eu me pegava, muitas vezes, quando ia dormir, com pensamentos do que eu iria fazer no outro dia para montar as vitrines, Porque eu queria um museu que tivesse aspecto novo, porém com o mesmo acervo. Então, eu ficava imaginando cada espaço, como ia montar a sala das noivas, a parte de costura, de paramentos. Ficava sempre imaginando como poderia fazer, dar vida àquele acervo de uma forma mais dinâmica, mais interessante”, acrescenta.
O terceiro museu dentro do museu é o acervo de arte popular, criado ainda em 1931, a partir do desejo de Henriqueta de preservar modos de fazer e aspectos da cultura baiana que não estavam ligados às academias de arte. “No acervo de arte popular existem inúmeras peças, como maquetes de monumentos da cidade de Salvador, moringas de 1930, cerâmicas de Maragogipinho. Existem elementos com diversos tipos de materiais, como piaçava, palha, ferro”, enumera Cheryl.
Após a reforma, foram criados também novos espaços e ambientes para homenagear a memória de Henriqueta Catharino, como uma galeria a partir do acervo da Biblioteca Marieta Alves. “É uma coleção particular, inédita, com fotografias belíssimas. Foi criado também um busto e o memorial onde existem os objetos pessoais de Henriqueta, as roupas dela, documentos da época do funcionamento do Instituto, uniformes das alunas, máquinas de datilografia do cotidiano do colégio. Existe muito acervo e muita vida aqui dentro”, enfatiza a museóloga.
Uma mulher visionária
O feminismo contemporâneo tenta desmistificar a ideia da ‘mulher a frente do seu tempo’, adjetivo sempre usado para descrever pessoas como Henriqueta Catharino. Isso porque, dentro do próprio tempo, cada mulher que buscou aprimorar e fortalecer outras mulheres faz isso com os recursos da época em que vive. No máximo, dá para dizer que a pessoa foi visionária, tinha uma perspicácia, intuição e lucidez que apontavam os caminhos para onde o mundo estava indo.
Henriqueta viu que dar meios de garantir a autonomia para as mulheres era importante nos anos 1920, e que seria ainda mais importante dali para a frente. Antes e depois do tempo dela, outras mulheres buscaram e ainda buscam melhorar a condição feminina na sociedade, cada uma com os recursos da sua época.
“Ela foi uma mulher visionária, corajosa, determinada, que fez pela mulher o que ela poderia fazer na época. Ela queria que a mulher tivesse sua independência, então promovia cursos para que a mulher tivesse o seu dinheiro, além do casamento, para que não ficasse totalmente dependente do homem”, define Cheryl Braga.
A fundadora do Instituto Feminino também é descrita como uma pessoa muito bondosa, religiosa, discreta, que não gostava de aparecer e cuidava das alunas e das mulheres que não tinham condições de parir com dignidade. “Ela bancava o hospital e se essas mulheres não tivessem condições de se manter, trazia para trabalhar aqui”, revela a museóloga.
As páginas de A TARDE guardam tanto a história pessoal de Henriqueta, quanto a trajetória do Instituto desde a origem. Além de reportagens sobre exposições do acervo, peças teatrais encenadas no auditório do prédio e o colunismo social dos casamentos realizados na Capela do Divino Espírito Santo, as edições do jornal mostram a consolidação do Instituto, ao longo dos anos, como um centro de ação social e cultural dedicado à educação feminina.
A edição de 11 de junho de 1929 traz nota sobre a votação, naquele ano, para a concessão do título de entidade de Utilidade Pública para o Instituto. Dois anos depois, em 10 de dezembro de 1931, o jornal publicou a reportagem sobre a concessão da isenção de impostos à entidade. No mesmo ano, divulgou, na edição de 06 de agosto, que o Instituto Feminino da Bahia iria oferecer um curso de filosofia para mulheres. “O Ensino da philosophia para uma orientação adequada, conduzindo a mulher para o caminho verdadeiro que lhe cabe na vida”.
Nos anos 1930, o jornal divulgou a campanha do Livro de Ouro do Instituto. Colocado na biblioteca da entidade, o livro reunia as assinaturas das damas da sociedade baiana do período para arrecadar recursos em prol de ações sociais.
No Centro de Documentação e Memória (Cedoc) de A TARDE, além das coleções de jornais que traziam informações sobre o Instituto e a formação de suas estudantes em administração, contabilidade, secretariado, datilografia e corte e costura - com direito a exposição da moda no Rio de Janeiro, nos anos 1930 -, entre outros cursos, há fotos de Henriqueta, do prédio e das atividades desenvolvidas no espaço ao longo das suas décadas de existência. Como Cheryl afirmou mais acima: “Há muita vida no Instituto”.
*Colaboraram Priscila Dórea e Tallita Lopes
*Os trechos retirados das edições históricas de A TARDE respeitam a grafia da época
*Material elaborado com base em edições de A TARDE e acervo do CEDOC/A TARDE
*O tema da coluna desta semana foi sugerido pelo leitor José Luiz Pereira Mattos