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A Tarde Memória

Por Andreia Santana

ACERVO DA COLUNA
Publicado sábado, 30 de novembro de 2024 às 6:08 h | Autor:

Paixão por fazer coleções é uma mistura de passatempo e investimento financeiro

Acervo de A TARDE guarda imagens e reportagens sobre colecionadores baianos; o próprio Centro de Documentação do jornal é uma coleção

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Colecionadores de Moedas costumavam se reunir no Museu do Carmo entre os anos 1980 e 1990
Colecionadores de Moedas costumavam se reunir no Museu do Carmo entre os anos 1980 e 1990 -

Charles Darwin, quando era aluno da Universidade de Cambridge, gostava de coletar besouros nos jardins do campus. Quanto mais raro era o bicho, mais ele se empenhava para capturar um espécime. A coleção, não só de besouros, mas de outros insetos e animais variados, ajudou o futuro naturalista nas observações que, mais tarde, permitiram que ele formulasse a Teoria da Evolução das Espécies. Mais de 200 anos separam o cientista britânico do século XIX do economista baiano Edval Landulfo, também colecionador, mas de moedas. A motivação que entrelaça as histórias dos dois é a mesma: curiosidade e paixão por itens raros ou que revelam fatos.

Fazer uma coleção permite ordenar o caos do mundo e também deixar um legado. Ou, se pensarmos de forma mais prática e menos filosófica, uma coleção guarda os fragmentos da cultura e da história dos lugares de origem de cada item coletado, que com o passar do tempo formará um acervo. Coleções também são importantes para preservar memórias. Museus que abrigam conjuntos de objetos como mobiliário, joias, louças, pinturas e fósseis; ou arquivos históricos como o do Centro de Documentação (Cedoc) de A TARDE são um exemplo do quanto uma coleção tem muito a dizer.

Tem grande utilidade como distração, mas também serve para educar e, como no caso de Darwin e de Edval Landulfo, para entender o agora olhando para o que veio antes. Os besouros do cientista abriram as portas para a compreensão das peculiaridades da natureza e do desenvolvimento de animais e plantas. Já o economista acredita que a história do dinheiro é uma ferramenta para a educação financeira.

“Através do estudo das cédulas, moedas e também das medalhas, você consegue explicar todo um contexto social, seja através da cultura, da economia, da política. Isso motiva você a caprichar em ter uma coleção mais trabalhada. E não é fácil conseguir alguns itens”, afirma Landulfo, que é um numismata, nome dado aos colecionadores e estudiosos de moedas, cédulas e medalhas. O grupo tem até dia comemorativo, 01 de Dezembro. Assim como também existe um Dia Nacional do Selo (01 de Agosto).

“A numismática é uma ciência bem interessante porque você pode ser apenas um colecionador, mas explanar o conhecimento sobre aquela sociedade através da moeda, de uma cédula, daquele plano econômico. Você começa a trazer esses fatos históricos para o cotidiano das pessoas”, acrescenta Landulfo.

Hugo Ribeiro Carneiro foi personagem de A TARDE em edicao de 1972 por ser colecionador de edicoes do jornal ha 40 anos
Hugo Ribeiro Carneiro foi personagem de A TARDE em edicao de 1972 por ser colecionador de edicoes do jornal ha 40 anos | Foto: Acervo | Cedoc | 14/10/02

Caçadores de relíquias

Na Inglaterra de Charles Darwin, mas em uma atividade que existe até hoje, uma figura parece saída dos livros de literatura, a do caçador de relíquias. Com detectores de metais, grupos de investigadores amadores do passado percorrem as margens do rio Tâmisa em busca de itens raros e fragmentos que contam uma história diferente daquela dos livros oficiais. No British Museum (Museu Britânico), em meio a peças arqueológicas, há coleções inteiras de itens que revelam o cotidiano de séculos passados, todos garimpados na beira do rio.

A graça da coisa está justamente no desafio para conseguir objetos inusitados e difíceis, nem que para isso seja preciso explorar a margem lamacenta. Ou, como define reportagem publicada em A TARDE, em 23 de agosto de 1998, “há tipos de hobby que além de satisfazer a curiosidade, preenchendo horas de lazer, podem significar peça de decoração e até material para pesquisa. Normalmente, todo colecionador inicia sua tarefa sem se dar conta, como forma de diversão. E o prazer da coleção aumenta à medida que ela se torna mais rica, não importa o trabalho que dê”, diz trecho do texto sobre colecionadores baianos de latas de bebidas do mundo todo.

Na reportagem veiculada em 1998, um dos colecionadores entrevistados era um adolescente que se orgulhava das suas latas de refrigerante e cerveja vindas de países como Arábia Saudita e Austrália. Não medir esforços pela coleção é comum entre os aficionados por essa atividade e, a depender da raridade da peça, o colecionador têm no seu hobby uma forma de ganhar dinheiro e prestígio, uma referência para outros.

No caso das moedas, o que faz a raridade nem sempre é a antiguidade delas. Para cada colecionador, uma determinada peculiaridade vai chamar a atenção, como as imperfeições na cunhagem ou um lote especial para alguma data histórica importante.

Edval Landulfo não gosta de imperfeições ou de anomalias, como ele chama. Mas, reconhece que para muitos colecionadores, as moedas que foram cunhadas errado podem ser bastante atrativas, principalmente se forem difíceis de obter. Ele busca enriquecer sua coleção com itens de significados históricos, como as que foram feitas para marcar os 100 anos do fim da escravidão, em 1988.

O desejo de Landulfo em se tornar colecionador começou na infância. “Na casa dos meus avós, relembro meus tios com o meu avô jogando baralho e moedas de antigamente, réis e cruzeiros, sobre as cartas para elas não voarem. Uma moeda de quatrocentos réis, com a data de 1901, em algarismo romano, foi a primeira. É a minha moeda número um. A gente tem o Tio Patinhas para simbolizar o significado de uma moeda número um. Não é a mais valiosa, mas é aquela que representa o início. Essa moeda marcou bastante. Foi aí que veio esse desafio de começar uma coleção”, conta.

O Senhor Jose Raimundo colecionava edições de A TARDE nos anos 1990 Foto Carlos Santana
O Senhor Jose Raimundo colecionava edições de A TARDE nos anos 1990 Foto Carlos Santana | Foto: Acervo | Cedoc

Nas páginas do jornal

Uma edição de A TARDE de 14 de outubro de 1972 conta a história de um colecionador de exemplares do jornal. A foto que ilustra a reportagem mostra o colecionador Hugo Ribeiro Carneiro exibindo uma edição de 1934. A coleção de mais de 40 anos trazia outras edições do periódico nos anos 1930. Colecionadores, em geral, sempre tiveram bastante espaço nas páginas do jornal, que ao longo dos anos noticiou exposições de selos, mostras de vinis raros, coleções de latinhas como a do adolescente da reportagem de 1998, e até a criação de clubes de colecionadores, como um fundado em Juazeiro, em 1991, para amantes de filatelia [coleção de selo].

O aspecto econômico das coleções também não ficou de fora das coberturas. Reportagem sobre um encontro de numismatas no Museu do Carmo, em 16 de setembro de 1984, há 40 anos, cotava o valor das moedas mais raras em exposição, que oscilavam na casa dos milhares de cruzeiros, o dinheiro da época, a depender do tipo de moeda e de suas particularidades.

Os postais também estamparam as chamadas para as reportagens sobre coleções, principalmente por trazerem cenas antigas de Salvador. Nesse caso, a depender do postal, um do século XIX, por exemplo, poderia render uma pequena fortuna ao dono.

“As pessoas podem passar de colecionadores para negociantes que adquirem determinadas cédulas, sejam elas nacionais ou internacionais. A mesma coisa com as medalhas e com as moedas”, diz Edval Landulfo, revelando que muita gente que começa uma coleção por diversão acaba transformando o hobby em fonte de renda ao negociar itens para outros colecionadores.

“Você vai encontrar colecionadores, negociantes, investidores, porque é outra parte do colecionismo. Você pode comprar uma determinada moeda ou uma determinada cédula e com o tempo, se você comprou para investimento, pode vender por três ou quatro vezes mais”, complementa.

Como exemplo, ele cita peças raras como o patacão, moeda que circulou por cerca de 30 anos no Brasil e que além de ter gente que dedica a vida a estudar essas moedas, principalmente as que foram cunhadas em cima de outras peças argentinas e espanholas, também negociam com outros colecionadores.

A depender da moeda, como a comemorativa da Declaração Universal dos Direitos Humanos, uma única peça, atualmente, pode custar até R$600 se for uma ‘flor de cunho’, ou seja, a moeda que foi cunhada pelo Banco Central mas não chegou a circular. “Um negociante ou um apaixonado colecionador vai ao BC e pega diretamente do banco ou compra um determinado sachê, que é um saquinho que vem geralmente com 50 moedas, lacrado”, explica o economista e educador financeiro.

Educação financeira

Ensinar o valor do dinheiro e de economizar a partir de uma viagem no tempo e nas muitas moedas que o Brasil já teve. Edval Landulfo usa itens da sua coleção em palestras de educação financeira para adultos e crianças. Mas, são justamente as crianças que ficam mais encantadas com as peças.

“A criançada, quando vou fazer palestra nas escolas e levo os álbuns [das coleções], elas começam a despertar para a questão do uso racional do dinheiro. É engraçado, tem as moedas que são de cobre e elas acham que são de ouro, porque são moedas que brilham bastante, E ali é uma faísca, uma fagulha para ensinar educação financeira, para dar valor ao dinheiro, para utilizar bem o cofrinho naquela fase inicial de guardar a semanada ou mesada”, diz.

Para Landulfo, incentivar nas crianças o interesse por coleções, não só de moedas, mas de outros itens, é uma forma também de aproximação familiar. Ele e a filha começaram juntos uma coleção e a menina já participa ativamente de eventos.

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