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A Tarde Memória

Por Cleidiana Ramos*

ACERVO DA COLUNA
Publicado sábado, 08 de maio de 2021 às 6:02 h | Autor:

Registro feito há 16 anos dá medida de comoção gerada pelo BBB

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A TARDE edição de 30.3.2005, capa – Edição anuncia a vitória de Jean Wyllys no BBB | Foto: Arquivo A TARDE | 30.3.2005
A TARDE edição de 30.3.2005, capa – Edição anuncia a vitória de Jean Wyllys no BBB | Foto: Arquivo A TARDE | 30.3.2005 -

Há 16 anos o reality show mais famoso da TV aberta, o Big Brother Brasil (BBB), transmitido pela Rede Globo, teve como protagonista e vencedor o jornalista baiano Jean Wyllys. Na edição deste ano que acabou de ser encerrada, a campeã, Juliette Freire, advogada e maquiadora, e o economista Gilberto Nogueira, que ficou conhecido como Gil do Vigor, também conseguiram atingir uma popularidade que se desdobrou até em troca de hostilidades entre as duas torcidas, via as redes sociais. Mesmo em outro contexto, o BBB 5, indiretamente, conseguiu, para se adequar à nomenclatura das atuais redes sociais, “lacrar”. Isso na Festa de São Jorge, realizada na única paróquia dedicada ao santo em Salvador e localizada no Jardim Cruzeiro, Cidade Baixa.

“No final da missa, os fiéis se concentraram para receber as garrafinhas de água-benta. Foi quando do meio do grupo alguém gritou: ‘Lá vem Jean Wyllys’. Foi o bastante para haver gritos, choro e empurra-empurra. Do alto da grade principal da igreja, adolescentes garantiam estar ‘vendo o big brother’”. (A TARDE, 24/4/2005, p. 9).

Imagem ilustrativa da imagem Registro feito há 16 anos dá medida de comoção gerada pelo BBB
A TARDE, edição de 24.4.2005, p. 9 – Matéria registra comoção na Igreja de São Jorge, devido a boato sobre presença de Jean Wyllys || 24.4.2005

Escrevi o texto dessa reportagem de 2005 ainda assombrada com a minha primeira experiência de assistir a um dos fenômenos que fascinam a teoria da comunicação social desde o seu nascimento: o efeito manada. Ou, posso dizer, agora, que testemunhei, em tempo real, o efeito da circulação de fake news. Como repórter, eu tinha os dados para afastar o boato, afinal uma aparição de Jean Wyllys no Jardim Cruzeiro, com menos de um mês do encerramento da edição do BBB 5 – que terminou no dia 29 de março daquele ano –, seria anunciada com antecedência e contaria com a cobertura de outros canais de mídia. Mas, naquele momento, só a equipe de A TARDE continuava na igreja. Argumentei com algumas das pessoas, mas elas insistiam que era verdade e apresentavam as mais variadas teorias para provar suas tese. A mais forte evidência, na maioria dos discursos, era a aparição de Wyllys, em algumas das edições do programa, vestido com uma camiseta que tinha a estampa de São Jorge. Portanto, ele teria, segundo essas versões, comparecido à missa de festa para agradecer ao santo de sua devoção.

A muito custo consegui enfrentar o empurra-empurra e entrei na igreja. Foi logo que começou o corre-corre. Entendi o motivo: o padre estava iniciando a benção do público com água benta, um momento que, em festas de largo, sempre provoca mais entusiasmo. Encontrei um lugar para me proteger dos empurrões na lateral da igreja, o que ao mesmo tempo me permitiu ter uma visão da parte interna do templo e da rua. Lembro de uma menina, que aparentava ter uns 14 anos, gritando e apontando para um lugar próximo à porta da igreja: “É ele, é ele...”. A confusão só terminou quando alguém anunciou pelo sistema de som do templo:

– Jean Wyllys não está aqui, e vamos fazer silêncio porque estamos na Casa de Deus.

Impressionante como, da mesma forma abrupta que começou, a aglomeração se desfez. Cerca de dez minutos depois, quando avaliei que já não havia mais riscos de ser levada pelo embalo da aglomeração, voltei para a rua, e era como se nada do que eu tinha acabado de presenciar naquela manhã tivesse acontecido. O clima era de fim de festa.

Imagem ilustrativa da imagem Registro feito há 16 anos dá medida de comoção gerada pelo BBB
A TARDE edição de 30.3.2005, p. 9 – Reportagem repercute a vitória do jornalista baiano na 5ª edição do Big Brother Brasil | Foto: Arquivo A TARDE | 30.3.2005

Redes em transe

Em 2005, os celulares estavam ainda no patamar de realizar e receber ligações. Os smartphones, capazes de variadas funções, mas principalmente a de possibilitar conexões rápidas, deveriam estar em algum nível de desenvolvimento cercado pelo sigilo no contexto da acirrada guerra das gigantes da tecnologia. O MSN fazia sucesso entre jovens. O Orkut começava a ganhar popularidade entre os brasileiros e fornecia diversão com suas comunidades temáticas, diferentemente do MMA virtual que se tornou uma característica do Twitter.

Em 2021, as novas tecnologias de informação e de comunicação e mais outros fatores transformaram as duas últimas edições do BBB 21 em usinas de negócios, com as redes sociais como impulsionadoras. “A TV aberta enfrentava um momento difícil com a concorrência dos canais fechados, streaming e games. Veio a pandemia e as pessoas, especialmente as de classe média que estavam abandonando essa TV aberta , passaram a ficar mais tempo em casa. A estética da TV mudou com a adaptação nos telejornais a um só enquadramento, sem muita produção; as novelas passaram a ser repetições e veio o BBB, um programa que é possível fazer com situações novas”, aponta Malu Fontes, doutora em comunicação e professora da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom-Ufba).

Guerra

A edição do ano passado começou em janeiro. A transmissão do novo coronavírus só foi considerada uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) dois meses depois. Embora os primeiros casos no Brasil tenham sido registrados em fevereiro, o isolamento físico foi se tornando mais comum em março. Assim, a primeira edição do BBB reunindo as equipes denominadas “Camarote”, com a presença de famosos, e “Pipoca”, para os anônimos, passou a mobilizar mais atenções e, também, a disputa nas redes sociais com os chamados mutirões, que funcionam por meio de metas de votos a cumprir pelas torcidas em um determinado tempo.

O paredão entre a cantora e atriz Manu Gavassi e o aspirante a atleta Felipe Prior se tornou, na narrativa das redes, uma disputa entre mulheres engajadas em defesa dos seus direitos e o tipo de perfil masculino que se irrita com as que têm essa característica. Além disso, Manu Gavassi é amiga de Bruna Marquezine, que organizou os chamados mutirões para mantê-la no BBB, via Twitter. Para esquentar essa disputa, entre muitos elementos, estava a defesa da permanência de Felipe Prior em posts do jogador Neymar, ex-namorado de Bruna Marquezine.

O embate teve mais de 1,5 bilhão de votos com a eliminação de Prior por 56,73% dos votos contra 42,51% para tirar Manu Gavassi do programa e 0,76% para a terceira integrante do paredão, a baiana Mari Gonzalez, digital influencer, meio esquecida nessa luta de titãs. Outra narrativa também comoveu as redes digitais, especialmente o Twitter: a luta do ator Babu Santana, seguidamente indicado para sair do jogo. Ele foi eliminado no 10º paredão em que foi colocado.

Essa importância estratégica das redes sociais, especialmente o Twitter, seguido pelo Instagram, alterou profundamente a competição. O modo de votação, por exemplo, não estabelece um único voto, mas quantos o internauta estiver disposto a conceder na página online para este fim, gerenciada pelo sistema Globo. E assim tem um exército de fãs dos participantes, estimulados pelos influencers e famosos que declaram suas torcidas, a passar horas registrando votos e publicando os resultados nos perfis indicados. Isso gera o chamado engajamento, e muita gente ganha, com exceção dos votantes anônimos que são as engrenagens dessa guerra. Fatura, por exemplo, quem foca no programa e trabalha para conseguir um número alto de seguidores, o que gera a chance de ganhar para fazer publicidade de produtos e serviços; os sites de notícias com suas seções especializadas e a grade de entretenimento da Globo, que veicula os conteúdos do BBB considerados capazes de mobilizar emoções – tristeza, raiva, risadas e indignação.

A importância que as redes sociais passaram a ocupar nesse intrincado sistema trouxe mais uma nova palavra para o vocabulário da disputa: “Adms”. Esse é o termo para os responsáveis pela administração dos perfis dos concorrentes em redes sociais, pois todos – famosos e anônimos, segundo reportagens especializadas no programa – receberam a recomendação de estabelecer essa estrutura. O que ocorreu, ao longo da realização do BBB dá uma dimensão da importância que essas redes ganharam: os amigos à frente de perfis dos anônimos deram lugar a uma disputa acirrada entre gigantes do chamado marketing digital, com as mais variadas estratégias, inclusive a de troca de acusações sobre métodos para garantir engajamento, ou seja, as reações emocionais ao conteúdo.

A campeã Juliette Freire, por exemplo, passou de uma anônima a fenômeno nas redes sociais. Tem agora cerca de 25 milhões de seguidores no Instagram em lugar dos poucos mais de quatro mil que reunia antes de entrar no BBB. Esse número é quase duas vezes a população da Bahia e mais de oito vezes a população de Salvador. De acordo com especialistas, a advogada e maquiadora tem potencial para ir mais além em investimento nos negócios digitais, como as “publi”, ou seja, produção de conteúdo patrocinado por marcas.

Com a característica desses ecossistemas de redes em potencializar a transmissão de qualquer informação, mas também as notícias falsas em uma situação atípica e estressante, como a pandemia de coronavírus, o BBB 21 virou uma catarse nacional, com lances, muitas vezes, altamente tóxicos, especialmente nos conteúdos que circulam pelo Twitter.

“O caminho fica aberto para frustrações, aspirações, demonstrações de ódio, amor e admiração muito misturados. Parece um episódio longo de Black Mirror (série que associa o consumo de tecnologia como motivo para situações de caos). O jogo ganha status de situações reais para a produção de negócios capazes de promover bilhões. E assim o produto BBB vai sendo esticado em potencialidades lucrativas inacreditáveis e promovendo cenários que chegam a ser assustadores, como a dedicação de horas dos voluntários, ou seja, gente que não ganha nada, com os mutirões”, completa Malu Fontes.

O atual contexto do BBB é bem diferente de 2005, quando o elenco do programa era anunciado de forma exclusiva pela Rede Globo, com detalhes guardados para o material produzido pela agência de notícias do grupo. Esse conteúdo era direcionado para os suplementos especializados em televisão dos jornais, como a Revista da TV de A TARDE. Na edição de 2 de janeiro de 2005, o suplemento trouxe como matéria central o anúncio do início do BBB em duas páginas.

Já a participação do baiano Jean Wyllys ganhou destaque na cobertura da edição diária.

“Imprevisível, criativo, bem-humorado e observador. Se depender destas qualidades, o jornalista Jean Wyllys, o big brother baiano entre 12 candidatos da quinta edição do programa, que começa na próxima segunda-feira, tem tudo para chegar à final da animada disputa. Wyllys atuou como repórter em jornais de Salvador durante muitos anos. É também escritor, professor universitário e mestrando da Faculdade de Comunicação da Ufba”. (A TARDE, 7/1/2005, p. 7).

Imagem ilustrativa da imagem Registro feito há 16 anos dá medida de comoção gerada pelo BBB
A TARDE, edição de 7.1.2005, p. 7 – Texto anuncia participação do jornalista baiano Jean Wyllys no BBB || 7.1.2005

O texto assinado pela jornalista Marjorie Moura foi certeiro. Jean Wyllys não apenas venceu o BBB como se tornou um fenômeno na política: eleito três vezes deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro, tornou-se um incansável defensor das políticas voltadas para a população LGBTT, o que o fez alvo preferencial de ataques, especialmente via fake news. Eleito pela terceira vez em 2018, Wyllys renunciou ao mandato alegando não mais suportar as ameaças constantes de morte e está fora do Brasil dedicado a estudos acadêmicos.

A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período. Fontes: Edições de A TARDE, Cedoc A TARDE.

*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia

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