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A Tarde Memória

Por Andreia Santana*

ACERVO DA COLUNA
Publicado sábado, 14 de junho de 2025 às 8:25 h | Autor:

Salvador teve alta de quadrilhas juninas nos anos 1990

Eventos como o Arraiá da Capitá, promovido por A TARDE, realizaram importantes concursos e ajudaram a manter viva a tradição

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Crianças do bairro de Roma ensaiam para quadrilha mirim em 1985
Crianças do bairro de Roma ensaiam para quadrilha mirim em 1985 -

Das cortes palacianas do século XVIII até a Arena Gonzagão, no Parque de Exposições, no final do século XX. Uma travessia pelo Atlântico, muita tradição e uma memória cultural rica pontuam a história das quadrilhas juninas em Salvador e no interior da Bahia. Entre a segunda metade dos anos 1980 e a década seguinte, essas agremiações viveram um boom na cidade. E eventos como o Arraiá da Capitá, realizado por A TARDE a partir de 1986, estão na gênese desse crescimento do movimento quadrilheiro no Estado. Uma onda cultural que não ficou no passado e se mantém até os dias de hoje, com status de profissão.

Na Bahia, no mínimo, há uma quadrilha junina para cada um dos 417 municípios, afirma Carlos Brito, presidente da Federação Baiana das Quadrilhas Juninas (Febaq). Na entidade que ele comanda são 140 agremiações filiadas em atividade. Ao todo, continua Carlos, são 25 mil quadrilheiros e uma cadeia produtiva que envolve costureiras, historiadores, coreógrafos, músicos, figurinistas, cenografistas e outras profissões que se unem para montar as apresentações e concursos de quadrilha.

Carlos Brito - Presidente da Federação Baiana de Quadrilhas Juninas
Carlos Brito - Presidente da Federação Baiana de Quadrilhas Juninas | Foto: Priscila Dórea

Se na origem, na chegada ao Brasil, as quadrilhas tinham uma forte relação com a vida na roça, hoje elas se desenvolvem como uma delegação olímpica, com muito treino e disciplina. São pelo menos 10 meses de ensaios e temas desenvolvidos com base em forte pesquisa histórica.

“Hoje nós temos dois estilos de quadrilha junina: o tradicional e o estilizado. As quadrilhas tradicionais se apresentam com os passos mais marcados, conduzidos por um marcador, que é aquele puxador da quadrilha, tipo as marcações de ‘Olha a Chuva’, ‘Olha a Cobra’, ‘A Grande Roda’, ‘Anarriê’... As estilizadas são as que trabalham com uma evolução temática pesquisada por historiadores, que desenvolvem um tema, e dentro desse tema têm toda uma conjuntura de figurino, coreografia e musicalidade alinhados ao tema”, explica Carlos Brito.

A ideia é ir além da apresentação lúdica das festas mais típicas e transformar as quadrilhas em espetáculos de cultura e arte, com eventos que duram mais de oito horas e atraem turistas para as cidades onde ocorrem as competições entre os meses de junho e julho, dentro dos festejos para Santo Antônio, São João e São Pedro.

Origem no palácio

O nome quadrilha vem do francês quadrilles, por conta da forma como a dança acontecia, com duas fileiras de dançarinos, quatro ou oito casais, que formavam um quadrado durante a evolução no salão. A origem, por sua vez, está na country dance dos ingleses, no século XIII. Durante a Guerra dos Cem Anos, na Idade Média, a dança chegou à França. De lá, a partir da cultura palaciana do século XVIII, as quadrilhas alcançaram Portugal e, com o colonizador, chegaram ao Brasil.

“As quadrilhas juninas chegaram ao Brasil através da corte de D. João VI e já era uma tradição conhecida e praticada nas cortes da Europa”, conta Carlos Brito. Com a vinda da família real para a sua mais rica colônia, em 1808, os salões na Corte, no Rio de Janeiro, e em Salvador, uma das principais cidades do país na época, os salões da alta sociedade recebiam apresentações de quadrilhas.

“Essas danças palacianas eram encontradas dentro dos palácios, mas os serviçais copiavam as danças do salão e chegavam nos seus arraiais, nas fazendas, e imitavam a realeza dançando. A gente encontra quadrilha praticamente em todo o Brasil. No Nordeste, por exemplo, a dança se misturou com as culturas indígena e africana”, complementa o presidente da Febaq.

Arraiá de Salvador

Carlos Brito afirma que o setor quadrilheiro sente falta do concurso que mobilizava as agremiações, anualmente, no Arraiá da Capitá. “Era um evento que levava praticamente 10 dias no Parque de Exposições. Fazia com que a gente respirasse dentro da capital o arzinho, aquele sentimento do interior, aquela coisa gostosa do milho, da fogueira. Hoje, os quadrilheiros sentem muita falta desse concurso”.

Apresentação de quadrilha no segundo ano do Arraiá da Capitá em 1987
Apresentação de quadrilha no segundo ano do Arraiá da Capitá em 1987 | Foto: Geraldo Athaide / Cedoc A TARDE / 22-06-1987

Na edição de 1997, o Arraiá teve a apresentação de 42 quadrilhas adultas e 16 mirins, como informa a reportagem de A TARDE de 16 de Junho daquele ano, com os detalhes do concurso de quadrilhas. “Os aficionados das quadrilhas juninas vão se deliciar a partir desta quinta-feira, no Arraiá da Capitá, no Parque de Exposições de Salvador. Ao lado de artistas e bandas do primeiro time no cenário musical nacional que se apresentarão nos palcos Azul e Verde, além dos sanfoneiros que fazem a alegria no coreto, a nata do gênero na Bahia fará a festa no forródromo de competições da cidade cenográfica, o Gonzagão. Durante os dez dias do Arraiá, as quadrilhas disputarão o tradicional concurso”, diz trecho do texto.

Dois anos antes, na edição de 21 de Junho de 1995, o Gonzagão era anunciado como um “dos grandes espaços de atração do Arraiá da Capitá. Sessenta quadrilhas de todos os pontos de Salvador disputam o título de campeã, que tem como um dos prêmios principais o direito de representar a Bahia no Concurso Nordestino, que será realizado dia 29, em Recife”.

Quadrilha compete na edição de 1988 do Arraiá da Capitá
Quadrilha compete na edição de 1988 do Arraiá da Capitá | Foto: Arestides Batista / Cedoc A TARDE / 19-06-1988

Na mesma reportagem, eram descritas as inovações promovidas pelas quadrilhas estilizadas. Uma das que se apresentaram na edição de 1995 do Arraiá, levou para o Gonzagão uma versão aforrozada do Bolero de Ravel, impressionando o público sempre fiel em acompanhar as competições. “As quadrilhas também têm sido a grande atração da festa. Nas apresentações dos primeiros dias, o público lotou os dois mil lugares das arquibancadas do Gonzagão. um espaço de 862 metros quadrados com área coberta”, descreve outro texto em A TARDE, na edição de 21 de Junho de 1998.

Na capitá e na roça

Em maio de 1991, A TARDE anunciava a realização de um Festival de Quadrilhas no Centro Histórico de Salvador. No mesmo ano, em março, a rádio A TARDE FM, que junto com o jornal impresso iniciou o Arraiá da Capitá em 1986, ainda com o nome de Arraiá da Orla, abria sua programação para anunciar os ensaios das quadrilhas que se apresentariam na cidade durante a temporada junina.

Naquele mesmo ano, no começo de Junho, o jornal falava do boom das quadrilhas na cidade e citava a existência de polos quadrilheiros como o bairro do Pau Miúdo, onde ocorriam concursos de quadrilha em paralelo a um concorrido festival de pagode. Em Periperi, no antigo subúrbio ferroviário, os concursos das agremiações tradicionais e estilizadas acontecem até os dias atuais.

“As quadrilhas juninas mobilizam um grande contingente de pessoas, principalmente estudantes, e ultrapassam a uma centena somente em Salvador”, dizia trecho de reportagem de 09 de Junho de 1991, no caderno Lazer & Informação. A reportagem ainda destacava o trabalho social e educativo que as quadrilhas realizavam nos bairros de origem e revelava que montar uma quadrilha custava, na época, Cr$800 mil (a moeda era o Cruzeiro) e os integrantes pagavam Cr$20 mil cada, no carnê, como os blocos de Carnaval, para participar dos grupos.

Além da capital, onde quadrilhas mirins ensaiavam na rua, no bairro de Roma (Cidade Baixa), em 1985, as festas no interior do estado também sempre tiveram espaço nas edições impressas de A TARDE. No Centro de Documentação (Cedoc) do jornal, uma foto de Casamento na Roça, em 1975, na Festa Junina de Ubaitaba, é uma das relíquias dessa memória histórica.

O custo do espetáculo

Atualmente, montar uma quadrilha custa entre R$100 mil e R$300 mil, diz Carlos Brito. O presidente da Federação Baiana das Quadrilhas Juninas ressalta que muita gente ainda pensa que as apresentações caem do céu, já prontinhas, e não percebem o esforço envolvido na montagem dos espetáculos.

“A gente tem dois grandes problemas hoje, para se montar uma quadrilha junina: um é o material humano. A gente precisa de um quantitativo muito grande de dançarinos, de componentes, de brincantes. E também o recurso para fazer com que o trabalho da quadrilha vá à quadra. Então, hoje, existe não só na capital como no interior esse grande problema de material humano para trazer esses jovens para dentro da quadra, pra ficar no final de semana ensaiando, pegando a coreografia. E o outro [problema] é fazer com que o trabalho aconteça. Por quê? Porque um figurino de um brincante de quadrilha não é barato. Hoje está em torno de R$1 mil, R$1,5 mil, dependendo de como seja esse figurino”, detalha.

O dinheiro para colocar a quadrilha para dançar, continua Carlos, vem de ações dos diretores das agremiações, que fazem rifa, festas e feijoadas para levantar fundos. “Nós estamos trabalhando muito a questão da política pública, passando informações para a quadrilha, recheando os quadrilheiros de informações para que a quadrilha saia da invisibilidade e passe a se formalizar com o CNPJ, com suas certidões, para que elas possam ter acesso às políticas públicas municipais, estaduais e federais”, enfatiza o presidente, ressaltando que assim as quadrilhas se qualificam para editais públicos.

Para garantir as apresentações e a presença das afiliadas nos concursos, a Febaq busca parceiros como a Sufotur (Superintendência de Fomento ao Turismo), do governo estadual. “Com esse apoio realizamos o Campeonato Estadual de Quadrilha. São cinco dias de campeonato, que agrega em torno de 60 quadrilhas juninas”.

No interior, a parceria é com as prefeituras, tanto para apresentações nos festejos das cidades quanto para concursos regionais. Ainda assim, nem todas as prefeituras estão atentas à importância de manter essa tradição.

Crianças do bairro de Roma ensaiam para quadrilha mirim em 1985
Crianças do bairro de Roma ensaiam para quadrilha mirim em 1985 | Foto: Cedoc A TARDE

“Muitas vezes, a prefeitura deixa de realizar um festival, um concurso de quadrilha, que leva em torno de sete ou oito horas de evento voltado para a família, para as crianças, os jovens, os idosos, e prefere gastar com apenas uma única apresentação um cachê de R$700 mil, até de R$1 milhão. Os cantores chegam na cidade, entram no palco, cantam uma hora, saem com essa bolada e não tomam um copinho de água. Já um concurso de quadrilhas juninas leva os quadrilheiros e o público que vai passar o dia todo na cidade, se alimentando na cidade, bebendo na cidade, muitas vezes até se hospedando na cidade”, desabafa.

Para Carlos Brito, os concursos de quadrilha são uma grande vitrine cultural. “Quando a quadrilha está em quadra, no arraiá se apresentando, está preservando uma cultura centenária. Quando vocês veem uma quadrilha se apresentando, estão vendo jovens se dedicando à arte. E quando não se tem uma quadrilha ensaiando no bairro, a gente tem jovens soltos, com a mente vazia. A quadrilha é diferente, transforma cidadãos”.

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*Colaboraram Priscila Dórea e Tallita Lopes

*Os trechos retirados das edições históricas de A TARDE respeitam a grafia da época

*Material elaborado com base em edições de A TARDE e acervo do CEDOC/A TARDE

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