Detalhe Tático: Indiscutível
O tal do “ôto patamar” virou o clichê do clichê da atualidade no futebol brasileiro. O tema é pauta de discussão em mesas de debate toda vez que o Flamengo joga. Mas o pior é que não dá para discutir, só afirmar. Não há como comparar o que o Rubro-Negro faz em campo com qualquer tentativa de outro time brasileiro, pelo menos neste século.
E não é só questão do dinheiro para contratar jogadores melhores. Isso já aconteceu inúmeras vezes por aqui, vários clubes dominaram o mercado, mas nunca houve um abismo tão grande entre uma equipe em relação às demais. O diferencial é o trabalho de treinamento exercido, algo jamais visto no país desde a última transformação do futebol.
Com o português Jorge Jesus, o Flamengo passou a usar com excelência o potencial que já tinha. Com os melhores atletas e uma estratégia de engolir adversários, fazendo das partidas monólogos, o time se tornou praticamente imbatível. Não são poucas as pessoas que consideram o Rubro-Negro virtual campeão brasileiro – eu sou uma delas. E a competição nem começou ainda. Em torneios mata-mata, como Copa do Brasil e Libertadores, surpresas podem acontecer.
No último domingo, o Fla conquistou seu primeiro título na temporada numa partida de absoluta soberania frente a um adversário complicado, o Athletico-PR, pela Supercopa do Brasil: 3 a 0. Separei no infográfico quatro jogadas que explicam um pouco da supremacia rubro-negra no país. Todas elas aconteceram no primeiro tempo, no qual a equipe carioca abriu 2 a 0 e praticamente definiu a conquista.
O Flamengo de Jesus, apesar de gostar muito de trabalhar com a bola, não é lá muito paciente. Não há aquela troca insistente de passes laterais entre defensores, que se repete até que se encontre espaço para uma tentativa mais vertical. No caso de a marcação se fechar e não existir possibilidade de ir à frente, o time parte para um recuo radical, colocando o goleiro para participar. E aí, quando a bola chega aos pés de Diego Alves, há uma sincronia de movimentos para que o mecanismo de saída de jogo funcione e a equipe possa atingir o campo de ataque.
No lance em questão (número 1 no infográfico), Rodrigo Caio toca para Diego e, assim como o parceiro de zaga, Gustavo Henrique, abre para a lateral da área e se torna opção de passe curto. Com os meio-campistas totalmente cercados pela marcação alta do Athletico, a melhor opção se torna uma conexão mais longa, mas calculada, para um atacante, já que espaços se abrem entre as linhas com a decisão do adversário de avançar ao campo ofensivo. Colado à zaga rival, Bruno Henrique recua para receber o lançamento de Diego num espaço vazio, tabela com Arrascaeta e avança para investida perigosa pela ponta esquerda.

Não é coincidência que Diego Alves tenha iniciado as jogadas dos dois gols do Flamengo (3 e 4). Em ambas ele encontra Rafinha pela direita. No lance do primeiro gol, um contra-ataque, o lateral logo passa a Éverton Ribeiro, que avança e aí o quarteto ofensivo do Fla se depara apenas com a última linha de marcação à sua frente. Os quatro participam do lance, que termina com cruzamento de Gabriel para Bruno Henrique, em movimento da meia-lua para a pequena área.
No segundo tento, fica evidente a confiança para a troca de passes mesmo em situações que parecem muito difíceis. Rafinha tem Arão ao lado, mas prefere uma cavadinha para Gérson porque sabe que o triângulo vai se fechar com Arão já num posicionamento mais promissor. Entre eles estão oito marcadores do Athletico, o que facilita a vida de Filipe Luís quando a bola chega ao seu lado. Ele arranca e cruza para a falha de Márcio Azevedo e o gol de Gabriel.
Já o campinho número 2 mostra um dos motivos que fazem o Fla monopolizar os jogos. Assim que Éverton Ribeiro perde a bola no meio-campo, o time já passa ao objetivo de recuperação imediata, e assim o faz com a antecipação de Willian Arão e o rápido avanço à área. Ele recebe de Gabriel e chuta para a defesa do goleiro.
Uma atuação tão intensa, mesmo que em apenas um dos dois tempos, principalmente se for o primeiro, já faz o time se colocar em vantagem também moral, com o adversário abatido pela sensação de impotência. E esse é o sentimento que predomina nos principais rivais, nesta ameaça de hegemonia dilacerante prestes a se confirmar com toda força daqui por diante.