Ô,coisinho, me convide para o seu caruru, vá!

Felipe Iruatã/ Ag. A TARDE
Quando chega o mês de setembro, os baianos entram em polvorosa e realizam verdadeiras campanhas para ser convidados a comer um dos acepipes mais saborosos da Bahia, o tão esperado caruru dos santos gêmeos Cosme e Damião. É nas redes sociais que começam os manifestos, marcando a temporada da iguaria. É um tal de “Coisinho, me convide para o seu caruru!” sem fim. Em outro, lê-se: “Aceito convites! Que comecem os jogos (pratos, talheres...)”. O que não falta é criatividade.
O jornalista Márcio Vieira não perdoa e todos os anos faz campanha para ser convidado. “Eu e meu irmão sempre concordamos que caruru em setembro só vale quando somos convidados. Não tem graça ir a um restaurante para comer caruru. O bom mesmo é ser convidado”, diz enfático.

Fonte: Redes sociais
A empresária Carolina Campos também não perdeu tempo e criou um “voucher” que dá direito a qualquer pessoa de convidá-la para um caruru. E ainda avisa que pode ser no prato de plástico. Carol também é devota dos santos gêmeos, ritual que herdou da mãe, e há 22 anos oferece a iguaria.
A jornalista conta uma história que só reforça a fé nos santos gêmeos, consagrando o ritual de render homenagens a Cosme e Damião. Em um momento difícil da vida, ela foi para Roma e conheceu a Basílica de Santi Cosma e Damiano. No templo subterrâneo, o mais antigo, fica uma cripta com os restos mortais dos santos gêmeos.
“Ao entrar lá, me emocionei muito. Com a mão sobre a cripta dos santos, rezei e pedi que eles protegessem minha mãe, que ela pudesse descansar em paz e que eles a recebessem no outro plano”, contou emocionada.

Carol Campos/ Divulgação
Este ano, Carol vai ofertar mais uma vez o caruru em quentinhas e provavelmente convidará umas poucas pessoas por causa da flexibilização da pandemia. Mesmo assim, vai pensar no assunto.
Ligia Aguiar, artista plástica, é outra adepta da brincadeira para ver se cola. Lançou um despretensioso “Ô, coisinho, me chama para o seu caruru, vá!” Mas a verdade é que não falta quem a convide para o acepipe. Inclusive a sobrinha Lúcia Aguiar, que este ano vai agradar aos santos Cosme e Damião com um caruru para sete meninos.
Lúcia mantém a tradição desde que a avó morreu, mas seu evento é um pretexto para ajudar o Hospital Martagão Gesteira. Os convidados de Lúcia são estimulados a fazer doações, que depois são entregues ao hospital. “Todos sabem que têm que levar a doação”, diz.

Shirley Stolze, Adilton Venegeroles e Felipe Iruatã/ Ag. A TARDE
Comida de santo em seus primórdios no Brasil, quem diria que o caruru seria uma iguaria tão disputada popularmente na atualidade. Houve uma época em que a comida de dendê, até por volta dos anos 1960, ainda era vista com muito preconceito.
São de um importante pesquisador americano, Donald Pierson, as observações sobre a comida de dendê na Bahia, quando cá esteve nos anos 1930 para entender as questões raciais.
Disse ele que “embora as classes superiores baianas, devido a suas cozinheiras negras, não desconheçam os pratos de origem africana tão comumente usados nas casas dos negros da classe baixa, não se encontram habitualmente em suas mesas petiscos africanos tais como: abará, aberém, acaçá, acarajé, arroz de hauçá, bobó de inhame, caruru, efó, xinxim, etc., cada um dos quais é temperado de acordo com receitas transmitidas por ancestrais africanos, que também faziam largamente uso de temperos africanos como azeite de dendê, ataré, iru, pejerecum, ierê e egussi. Os hábitos alimentares da classe alta são em geral de origem europeia”, escreveu o pesquisador.

Felipe Iruatã/ Ag. A TARDE
As comidas de dendê e o sincretismo religioso fazem parte da vida e da história de Alessandra Souza Braga, que todo fim de semana, até segunda-feira, comercializa as iguarias baianas em um ponto de Itapuã. Mas no dia 27 de setembro é especial. A baiana paga uma promessa há 23 anos, desde que o primeiro filho nasceu.
“Eu comecei quando fui mãe de um menino e estava sofrendo muito para ter ele. Estava no hospital e vi a imagem da minha mãe. Ela veio até a mim e disse: ‘Filha, estou aqui com você. Entregue o meu neto a São Cosme e Damião, todo ano, no dia 27 de setembro. Você começa com um pacote de bala e depois aumenta a promessa.’ Na mesma hora, o meu filho coroou e nasceu”, conta emocionada.
Do pacote de bala à iguaria completa, atualmente Alessandra oferece o caruru de promessa no tabuleiro onde trabalha, em Itapuã. No local, a festa é das crianças, que saem com brinquedos, balas, doces e o caruru na barriga, ofertados pela baiana em homenagem aos santos gêmeos.
E a receita não poderia deixar de ser da iguaria baiana mais querida desta temporada: o caruru. Abaixo a receita serve para sete meninos.
O CARURU
• 60 quiabos
• 1 cebola grande
• 100 gramas de castanha de caju
• 100 gramas de amendoim descascado
• 1 dente de alho
• ½ xícara de camarão seco defumado
• um pouco de camarão inteiro
• 1 xícara de água (aproximadamente)
• 1 colher de sopa de gengibre ralado (ou a gosto)
• 2 colheres de sopa de azeite de dendê
• cheiro verde (a gosto)
• sal
Modo de fazer
Lave bem os quiabos, retire as pontas e os cabos cortando bem miúdo.
No liquidificador coloque 1 xícara de água e bata a cebola com o alho, o amendoim, o camarão seco, a castanha de caju, o gengibre e o cheiro verde. Reserve.
Numa panela aqueça um pouco o azeite de dendê e acrescente os quiabos picados. Depois de misturar, adicione meia xícara de água.
Adicione o tempero batido no liquidificador, os camarões secos inteiros e acerte o sal.
Cozinhe o caruru em fogo médio por aproximadamente 30 minutos, mexendo de vez em quando para não grudar e caso seja necessário, acrescente mais um pouco de água. O cozimento dos quiabos deve ficar numa consistência mais encorpada.
O caruru deve ser servido com vatapá, arroz branco, xinxim de galinha, farofa de dendê com banana da terra, além de guarnecido com rapadura e inhame e acarajé.
