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Carnaval, futebol e violência

Publicado sexta-feira, 27 de maio de 2022 às 06:05 h | Atualizado em 28/05/2022, 10:14 | Autor: Rodrigo Oliveira* | [email protected]
Precisamos de representantes capazes de propor ações baseadas na prevenção
Precisamos de representantes capazes de propor ações baseadas na prevenção -

A violência passou a ser uma marca registrada do Brasil. O medo da população é constante. Arrastões, assaltos, saidinhas bancárias, não temos confiança de ir comprar pão com nossos pertences pessoais. Turistas também evitam vir ao Brasil por causa do “risco de bala perdida” ou “por que todo mundo no Brasil anda armado.” Mas o que explica este cenário caótico?

Existem diversas explicações na teoria econômica para o comportamento criminoso dos indivíduos. A teoria mais famosa foi formulada inicialmente pelo prêmio Nobel em Economia Gary Becker. Segundo o pesquisador, um indivíduo decidirá pela atividade criminosa se os custos da mesma (probabilidade de ser preso, severidade da sentença, tempo de prisão, etc.) forem menores do que o benefício monetário do crime. Ao longo do tempo, diversos pesquisadores se debruçaram sobre esta teoria com estudos empíricos, comprovando parte das suposições levantadas por Becker.

Um estudo publicado em 2022 na prestigiada revista Econometrica, por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade de Bocconi, na Itália, mostrou através de técnicas estatísticas avançadas que no Brasil pessoas que perdem o emprego tem 23% mais chances de cometerem crimes. Ao analisar categorias específicas, o aumento da probabilidade de cometer crimes com motivação econômica (tráfico de drogas, roubo, furto, fraude e corrupção) é de 43%, enquanto de crimes violentos (ameaças, sequestros, assassinatos e assassinatos violentos) 17%. Adicionalmente, os autores mostram que trabalhadores que receberam seguro-desemprego só passaram a cometer crimes após o fim do benefício, em geral de seis meses.

Este estudo comprova a relação causal entre condições econômicas e criminalidade, como previa Becker, mas dando valores a esta relação. O cenário que o Brasil enfrenta desde o fim de 2015, e que foi exacerbado pela pandemia e pelas desastradas políticas econômicas do atual governo, com aumento do desemprego e da pobreza levam, portanto, a um aumento da violência. E o aumento da violência, em última instância, afeta o bem-estar da população.

Mas não para por aí, a violência também parte do estado através da violência policial. Ocorreu mais uma chacina esta semana no Rio de Janeiro. Até o momento, são 25 pessoas assassinadas e mais 10 internadas. Soma-se a outros casos como o fuzilamento de um carro com 80 tiros em 2019, o assassinato de 11 pessoas em Guararema em São Paulo, ou as 12 pessoas mortas no Cabula em 2015. Em resumo, o Brasil tem a polícia que mais mata na América Latina, ficando atrás apenas de El Salvador.

O pesquisador Cláudio Ferraz, da Universidade de British Columbia no Canadá, escreveu um artigo em 2019, no Nexo Jornal, sobre os custos da violência policial, detalhando diversos estudos empíricos. Existem dois custos diretos para as famílias envolvidas com a perda de um ente querido, o econômico, se a vítima é responsável pelo sustento da família, e psicológico. Do ponto de vista coletivo, existe a perda da confiança na polícia e na legitimidade do Estado. O pesquisador também cita os resultados da pesquisa Latinobarômetro, na qual mais da metade da população diz ter pouca ou nenhuma confiança na política, e uma pesquisa do Datafolha que mostra que metade dos brasileiros têm medo da polícia. 

Resolver o problema da violência não é fácil, mas já dispomos de algumas evidências. Recentemente, a Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo divulgou que o uso de câmeras acopladas nas fardas policiais reduziu confrontos em intervenções deflagradas pelos batalhões em 87%. O número de pessoas mortas caiu 36% após a adoção das câmeras.

A violência, como o carnaval e o futebol, virou uma marca registrada do nosso país. Temos a oportunidade de tentar mudar de alguma forma essa situação em ano eleitoral, escolhendo políticos que tratam esta questão de forma séria. Bandido bom não é bandido morto. A versão desta frase propagada pela extrema direita foi praticada como nunca nos últimos quatro anos e nada mudou. Precisamos de representantes que proponham ações baseadas na experiência internacional de sucesso, onde as práticas seguem no sentido da prevenção: melhoria das condições de emprego e renda, mais e melhores políticas educacionais e sociais, reformulação da atual política de combate e criminalização das drogas, mas também, melhoria das condições de trabalho dos policiais, e melhor sistema de fiscalização e punição em casos de excesso.

*Rodrigo Oliveira é doutor em Economia, professor, pesquisador na UNU-WIDER - United Nations University World Institute for Development Economics

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