Hidrogênio verde: um nocaute na mudança climática
Carros movidos a partir da água já são uma realidade! Não usando água nos motores, mas transformando-a em combustível ao separar os seus constituintes, o H2 (Hidrogênio) do O (Oxigênio) através de um processo chamado eletrólise. O hidrogênio é o elemento químico mais abundante no universo, altamente inflamável e já é amplamente utilizado, há mais de um século, no setor industrial e agrícola. A novidade consiste em realizar essa separação com o uso das energias renováveis, substancialmente a energia solar fotovoltaica e a eólica (ventos), criando assim o combustível conhecido como “hidrogênio verde”.
A produção do gás de hidrogênio (H2) a partir da água e utilizando energias renováveis terá um impacto gigantesco nas emissões de carbono do nosso planeta, reduzindo o efeito estufa e os estragos no clima, apontados no relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), lançado na última segunda-feira (09/08). A produção desse combustível é atualmente uma das tecnologias disruptivas mais discutidas e pesquisadas no mundo. A redução do custo de produção da energia solar e eólica, associada à diminuição dos custos na eletrólise da água, se unem à versatilidade do hidrogênio como um combustível que pode substituir gradativamente o gás natural e os derivados de petróleo, aproveitando grande parte das infraestruturas existentes. Além deste aspecto, o hidrogênio pode ser armazenado (como gás ou liquefeito) e utilizado nos períodos em que o sol ou o vento não geram energia, acabando de vez com a limitação da intermitência dessas fontes renováveis.
De acordo com o IEA-Agência Internacional de Energia (iea.org/data- and-statistics/charts/global -energy-related-co2-emissions-by-sector) cerca de 74% das emissões de CO2 provém do setor de energia, principalmente na produção de eletricidade e transportes. Nesses dois eixos também avançam as pesquisas para uso das baterias de íons de lítio, porém elas sozinhas não irão resolver o problema da descarbonização do planeta. Num artigo intitulado “Recent advances in solid oxide cell technology for electrolysis”, publicado na revista Science, vol. 370(outubro/20), diz-se que para descarbonizar apenas o serviço pesado de transportes, caminhões, navios e aviões na Europa, com baterias Tesla Modelo 3, seriam necessárias cerca de 50 bilhões de unidades. Tal quantidade representa cerca de 160 vezes o número de carros na Europa hoje. Em outras palavras, para descarbonizar o setor de transportes pesados não poderemos (ainda!) contar com baterias. A solução do momento é, portanto, o hidrogênio verde.
Uma pesquisa do banco de investimentos Goldman Sachs - “Green Hydrogen: The next transformational driver of the Utilities industry”, publicada em 09/20, declara que “o hidrogênio verde pode fornecer até 25% das necessidades de energia do mundo em 2050 e se tornar um mercado de US$ 10 trilhões anuais”. Diz ainda que o hidrogênio continuará seu uso atual, porém terá forte presença no setor de energia elétrica, transportes e processos para produção de calor. Estima um crescimento de 633% nas aplicações utilizando hidrogênio nos próximos 30 anos.
Estar presente nas discussões desse tema é fundamental para um país. Uma mudança radical no uso de combustíveis fósseis atingirá a competitividade e autonomia no cenário da economia mundial. Atualmente um seleto grupo de países lideram as pesquisas neste tema e o Brasil precisa entrar no jogo. No último 04/08/2021 o Ministério de Minas e Energia (MME) propôs as diretrizes do Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2) ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) (www.gov.br/mme/.../proposta-de-diretrizes-para-o-programa-nacional-do-hidrogenio-pnh2/HidrognioRelatriodiretrizes.pdf). Um estudo conjunto, com Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Desenvolvimento Regional (MDR), e a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), propõe o Brasil na disputa pela economia do hidrogênio verde. Com 6 (seis) eixos estruturantes: (i) Base tecnológica; (ii) Capacitação; (iii) Planejamento energético; (iv) Arcabouço legal; (v) Mercado e competitividade e (vi) Cooperação internacional, o nosso país retorna ao tema na esperança de recuperarmos o tempo perdido. As primeiras iniciativas datam de 1998, quando foi criado o Centro Nacional de Referência em Energia do Hidrogênio (CENEH), porém não avançamos muito. É chegada a hora de nos prepararmos para essa medalha de ouro.
*Luiz Carlos Lima é Doutor em Economia e Pesquisador Associado da UNU-WIDER