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Olhar Econômico

Por Rodrigo Oliveira | [email protected]

ACERVO DA COLUNA
Publicado sexta-feira, 17 de setembro de 2021 às 6:01 h | Autor:

Os ricos são sempre os outros

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Alguns dias atrás, Felipe Castanhari, youtuber brasileiro com 13,9 milhões de inscritos no seu canal, publicou um vídeo onde explica, ou pelo menos tenta explicar, a desigualdade de renda no Brasil e como os bilionários são parte deste problema. No momento que escrevo este texto, o vídeo conta com quase 3 milhões de visualizações e 426 mil curtidas no TikTok, e 2,5 milhões de visualizações no Instagram. Apesar de bem intencionado, o vídeo contribui muito pouco para o debate sobre desigualdade de renda no Brasil e sobre a reforma tributária.

Castanhari inicia o vídeo afirmando: “Se você tem 10 milhões de reais você é meio pobre, relativamente pobre”. Eu discordo desta afirmação e creio que meus leitores também. Ele continua: “Eduardo Saverin (brasileiro, um dos fundadores do Facebook) possui 97,5 bilhões de reais” e argumenta, “O Silvio Santos (que possui cerca de 2 bilhões de reais de patrimônio) está bem mais perto de não ter nada de grana do que ter o dinheiro do Eduardo Saverin”. O que Castanhari não te conta é que nada dessa fortuna do Saverin foi gerada no Brasil. Também não te conta que Saverin e sua fortuna estão em Singapura, logo não sujeitos à autoridade tributária brasileira.

Segundo os dados do IBGE, um brasileiro com rendimento de 5 mil reais, está entre os 5% maiores salários do país. Mas, apesar de comum no debate público brasileiro, discordo da afirmação que estas pessoas são ricas, seja essa afirmação em termos relativos ou absolutos. Considerando que o país tem cerca de 40 milhões de trabalhadores, isso significa que apenas 2 milhões de pessoas compõem o grupo entre os 5%. Ou seja, antes mesmo de adentrar no problema dos super ricos, é possível notar uma enorme desigualdade de rendimentos no Brasil mesmo dentre os trabalhadores.

No livro “Economia do Bem Comum”, o prêmio Nobel em Economia Jean Tirole afirma que existem três modos para falar de economia. O científico, que se baseia em dados, teoria, modelos e não necessariamente estará presente no debate público. O jornalístico, que se atenta a notícias e dados de curto prazo, alimenta a TV e as páginas dos jornais. O terceiro é o modo aeronáutico, o qual sempre tende a anunciar uma catástrofe, são domínio de best-sellers, raramente é bem argumentado e nunca sério. O Castanhari apesar de ser um excelente divulgador científico, optou pelo modo aeronáutico ao falar de economia.

É preciso colocar as coisas no lugar. Bilionários precisam pagar mais impostos, sim. E o Felipe Castanhari também. Afinal, ele está mais próximo do Silvio Santos do que dos assalariados brasileiros. Este comportamento é bastante frequente na elite brasileira. Quem deve pagar mais imposto, quem são os ricos, são sempre os outros. Recentemente uma juíza do Estado da Bahia, com salário bruto de 32,9 mil reais por mês, afirmou que a categoria estava empobrecida. Diversas categorias empresariais correm nos bastidores do Congresso tentando fazer lobby para que a reforma tributária não mexa com a tributação dos dividendos, que são isentos no Brasil. Certamente quem vive exclusivamente da renda do trabalho — e não está próximo do Silvio Santos — não tem direito a tal benefício.

A tributação de grandes fortunas é um debate que vem sendo feito em diversos países há muito tempo. Não é algo trivial. Alguns argumentam que esta medida pode afastar investidores do país, outros argumentam que pode haver migração de recursos para outros países. Infelizmente não temos espaço para uma discussão aprofundada sobre o tema, mas economistas importantes como Thomas Piketty, Gabriel Zucman e Emmanuel Saez têm realizado pesquisas diversas sobre o tema e defendido que os 1% mais ricos paguem mais impostos. Este debate também esteve presente nas eleições americanas, com os pré-candidatos Elizabeth Warren e Bernie Sanders. No Brasil, economistas defendem por exemplo, que o aumento do tributo sobre herança seria muito mais factível, tecnicamente e politicamente, de ser implementado.

Como tentei argumentar neste curto espaço, o modo astronáutico ao falar de economia esconde uma série de problemas. Como divulgador científico, o Castanhari poderia lembrar que, para cada problema complexo, existe uma solução clara, simples e errada.

Rodrigo Oliveira é Doutor em Economia, professor, pesquisador na UNU-WIDER - United Nations University World Institute for Development Economics

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