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Brasil deve a Brahms pelo novo talento da música erudita

Publicado sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010 às 14:27 h | Autor: Agência Estado

Com apenas oito anos, Marcelo Lehninger já tocava violino em orquestras jovens do Rio de Janeiro. Com 11 anos, ele se desentendeu com a música erudita e, como quase todo adolescente, abraçou o balanço do rock, montando até uma banda com os amigos da escola. Essa "brigazinha" chegou ao fim rapidamente quando, deitado no chão, debaixo do piano de sua casa, ouviu a sua mãe, a pianista Sônia Goulart, tocar o Concerto Nº 2 para Piano de Brahms. "Eu fiquei fascinado, voltei para a música erudita e não parei mais."

Seu empenho o levou a vencer concursos no Brasil, a estudar nos Estados Unidos e a reger orquestras lá fora de tal forma que chamou a atenção da mídia norte-americana. E, na primeira quinzena de fevereiro, venceu uma disputa acirrada para o cargo de regente-assistente da Sinfônica de Boston, uma das cinco maiores orquestras dos Estados Unidos.

Oficialmente, ele começará seu trabalho nessa prestigiada orquestra em 2011, mas já em outubro (dias 21,22,23 e 26), mesmo mês em que completará 31 anos, fará a primeira regência da Boston tendo sob sua batuta o solista Pinchas Zukerman, considerado o maior violinista da atualidade. "Vou participar do festival de Tanglewood e reger um concerto com a Boston, o que para mim tem um sabor especial, porque um dos meus grandes ídolos, o Berstein (Leonard) fez o seu primeiro concerto lá com a Boston, e também, o último concerto de sua vida."

Enquanto não assume o cargo nos Estados Unidos, Marcelo exerce as mesmas funções na Filarmônica de Minas Gerais, comandada pelo maestro Fábio Mechetti. Em Minas Gerais, ele regerá a orquestra em turnês e concertos educacionais, com o objetivo de formar plateia para a música clássica.

"Será um ano cheio! Eles (da Boston) queriam que eu começasse em setembro, mas preciso honrar meus compromissos aqui, com uma orquestra que vem conquistando um nível muito importante. Sem falar que trabalhar no meu país é um prazer. E, no dia 28 de março, também vou reger a Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) num concerto ao ar livre e, em setembro, a Orquestra da USP (Universidade de São Paulo). Então, não vou ter que esperar um ano (para reger)."

Freud explica

A paixão pela música foi praticamente "natural" para Marcelo. Além de sua mãe ser pianista, seu pai é o violinista Erich Lehninger, que atuou por muito tempo na Osesp e, no ano passado, regeu a Orquestra Sinfônica Brasileira, no Rio. Sua irmã também seguiu pelo mesmo caminho e hoje toca violino em orquestras dos Estados Unidos. "Acho que seria exótico se eu quisesse ser médico. Desde que me lembro como gente, a música faz parte da minha vida. E a coisa foi freudiana, porque comecei a estudar violino, depois, piano."

Apesar de estudar piano, também não queria ser pianista. A música começou a lhe fazer ainda mais sentido assistindo aos ensaios da Osesp, quando seu pai a integrava, sob a direção do grande Eleazar de Carvalho, justamente o primeiro brasileiro a reger a Boston. "Foi aí que meu problema começou (risos). Eu matava as aulas de sexta-feira, no Rio, e ia ver os ensaios em São Paulo. Ele foi o meu primeiro grande ídolo. Eu era aquela criança chata, que ficava correndo de um lado para o outro nos ensaios, mas fiquei fascinado com ele."

A ideia de ser maestro se fortaleceu ao ponto de pedir aulas de regência ao maestro Roberto Tibiriçá, amigo da família e que havia sido aluno de Carvalho. A princípio, ele achou graça do pedido de um menino de 14 anos. "E nervoso quando, em 2001, passei na segunda fase do concurso que levava o nome do Eleazar. Passei em segundo lugar", conta sobre o concurso promovido pela Petrobras Sinfônica, sua primeira vitória no mundo da regência e que o levou a comandar orquestras pelo Brasil, Argentina e que abriu caminho para seus estudos nos Estados Unidos.

Em 2004, ele foi morar nos Estados Unidos para estudar na Conductors Institute at Bard College, em Nova York, onde obteve o título de mestre em música e atuou como regente substituto da National Symphony Orchestra de Washington. Fez mestrado em regência com Harold Farberman, que havia sido músico da Sinfônica de Boston e lhe deu um conselho importantíssimo no processo de seleção: na peça "La Mer", de Debussy, exigida pela sinfônica norte-americana na prova, há em determinado ponto uma série de notas nos sorpos que não deveriam estar ligadas, mesmo que estejam escritas assim na partitura até hoje.

"É que o Pierre Monteaux, que foi maestro da Boston, teria ouvido isso do próprio Debussy. Talvez, quando compôs, Debussy ligou as notas. Mas, depois, percebera que as notas não deveriam ser ligadas, para que a frase pudesse ser concluída. Mas não mudou a partitura."

Precisão

Mesmo tendo afirmado que seria exótico ter escolhido a profissão de médico, Marcelo explica que é preciso ter a disciplina de um doutor para ser um bom regente, especialmente durante os ensaios. Para ele, é preciso não se envolver muito emocionalmente com a peça para se concentrar em todos os aspectos técnicos e musicais. "É preciso se ater à articulação, à dinâmica, ao tempo, corrigir notas erradas, milhões de aspectos. Mas também não pode ser um robô."

Mas como sentir a música durante uma apresentação, preocupado com todos esses detalhes? O que passa pela cabeça de um maestro? "Às vezes, eu acabo a apresentação e não sei o que aconteceu, não me lembro, tenho que perguntar para outra pessoa. Já ocorreu de começar e vir um pensamento à cabeça - ih, esqueci de ligar para fulano - e rapidamente volto", brinca. Mas o público, com certeza, sabe o que se passa naquele exato momento ao ouvir o resultado de tantos sonhos e ensaios. E, assim, o ciclo da música se completa.

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